sábado, 19 de dezembro de 2015

O que o caso Fabiola nos diz sobre o machismo nosso de cada dia e o que podemos aprender com isso


Um vídeo viralizou na web e tomou conta das redes sociais nesta quarta-feira (15). A filmagem de alguns minutos mostra um homem que seguiu a esposa, Fabiola, até um motel em Contagem, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), e descobriu que ela estava no carro com um de seus amigos, o Leo.
Por Anna Haddad, do Brasil Post 
O vídeo é filmado por um terceiro amigo, que não é identificado, mas narra tudo de cabo a rabo, como se fosse um apresentador de televisão.
Uma chuva de piadas de todos os tipos tomou conta do Twitter. Enquanto muita gente viu humor nesse episódio da vida da Fabiola, eu vi outras coisas.
1. Um retrato triste da nossa cultura machista e patriarcal
Primeiro de tudo, mulher que trai é piranha. Homem não. Além de comedor, o Leo, no máximo, vai ser visto como traíra por ter saído com a mulher do amigo. “Tanta piranha, Leo, sacanagem, zé” – fala o amigo narrador, querendo dizer que não precisava pegar justo a mulher do compadre. Já a Fabiola provavelmente vai ter sua reputação dizimada na cidade onde mora. Vai ser eternamente conhecida como puta, vagabunda. Vai ser julgada pela família e amigos e dificilmente vai conseguir se reerguer ou se relacionar novamente com conhecidos.
Isso nos mostra que vivemos em uma sociedade que trata os gêneros de modos bem diferentes. Uma sociedade que condena mulheres que demonstram comportamento sexual ativo, ou “fora do desejado”. Onde mulher “boa” é mulher contida, casta, disponível e dedicada ao cuidado dos filhos e da casa. Enquanto isso, a mesma atitude é motivo de status para os homens. Homem macho é homem comedor.
Não à toa, quando queremos xingar ou difamar uma mulher, usamos palavrões relacionados ao comportamento sexual dela: puta, biscate, vadia, e por aí vai. Para os homens, nada ofende mais que chamar de bicha, viado, boiola ou outros xingamentos que botam em xeque um ideal de virilidade.
2. Violência contra a mulher, banalizada, como se fosse algo aceitável e trivial
O marido indignado direciona a maioria das falas para o Leo, como se ele fosse, ali, o ser digno de atenção. Como se Leo fosse superior à Fabiola. Apesar da revolta, Leo é tratado pelos outros dois dentro de limites de respeito e até com certa calma.
“O que é que você armou comigo, velho? O que você armou comigo, sô?”
“Quer acabar com sua família, velho, acabar com tudo?”
“Confiava demais em você, esperava qualquer coisa dela.”
Do outro lado, marido e amigo narrador tratam Fabiola com desdém e desrespeito. Até o momento em que o marido bate nela, assistido e filmado pelos outros, que não fazem nada para interromper a violência.
“Tem muito tempo que você já tá dando pra ele?”
“Foi caçar essa vadia aí, a Fabíola.”
“Tá comendo há quanto tempo, Leo?”
De novo, homem e mulher são tratados de maneiras totalmente diferentes. Enquanto ela é diminuída, xingada e agredida, Leo é preservado e poupado.
3. Estamos cultivando uma noção nociva de masculinidade
Ser macho é ser durão. Forte, másculo, pegador, agressivo. É colocar a mulher no “lugar dela”. Ganhar mais que ela. Mandar em casa, sustentar a família. É não deixar barato nenhuma traição.
O marido de Fabíola fez o que a nossa cultura o ensinou a fazer. Seguiu a mulher, quebrou tudo e foi violento com ela para mostrar que era homem o suficiente. Provavelmente, enquanto ela vai sofrer com o estigma de puta, ele vai sofrer com o estigma de corno.
Vivemos estereótipos de gênero aprisionantes. Cultivar essa noção de masculinidade gera homens infelizes e produz agressores, como o do vídeo.
É urgente. Precisamos rever essa construção pra conseguir, um dia, alcançar igualdade de gêneros.
4. Precisamos viver relações mais saudáveis
Em nenhum momento parece ter passado pela cabeça do marido a coisa mais inteligente a se fazer: parar, respirar fundo e conversar com a esposa. Se não ali, no momento da emoção, depois. Que virasse as costas e confrontasse a mulher em casa, sem os amigos por perto. Um diálogo franco, aberto, honesto.
São duas pessoas, casadas, que dividem uma vida toda. Se Fabiola errou, por que não ouvir dela o que estava se passando? Quais eram os problemas da relação? Por que ela agiu daquele jeito?
Ok, ele estava tomado por raiva e frustração. Mas e o amigo que conduziu a filmagem? O rapaz coloca lenha na fogueira o tempo todo. É claro, no tom de voz e em cada comentário proferido, que o que ele quer é ver o circo pegar fogo e o barraco se armar. Quase como se a infelicidade do amigo e de Fabiola fossem cômicos, engraçados.
“Tamo vendo aqui a Fabíola, no motel com o Leo, tá” – narrando o episódio.
“Que isso, Fabíola, que isso, Leo!”
“Desce do carro Fabíola, mostra a cara aqui ó.”
“Ei menino, pode chamar a polícia!”
“Parabéns pra vocês dois hein, velho! Que papelão, hein?”
Ele incita agressão e violência ao invés de acalmar o amigo traído e amenizar a situação. Depois, disponibiliza o vídeo na web. Que tipo de amigo é esse?
5. Perpetuamos um humor sexista e pautado na desgraça alheia
Quando fazemos piadas sobre a Fabiola e o episódio nas redes sociais, não estamos agindo muito diferente do cara que fez o vídeo.

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Estamos perpetuando estereótipos de gênero, sendo sexistas. Também estamos nos dando o direito de rir da desgraça alheia sem qualquer empatia, como se nada parecido pudesse acontecer com a gente ou com pessoas próximas.
Precisamos crescer. Parar de agir sem pensar nas consequências dos nossos atos do cotidiano. Deixar de vomitar besteiras em troca de uma centena de likes e retuítes.
Precisamos parar, todos nós – marido da Fabiola, Leo, amigo narrador, eu, você e todas as milhares de pessoas nas redes sociais – de reproduzir machismo. É hora de começarmos a construir a cultura em que queremos viver.
Via http://www.geledes.org.br/




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