domingo, 29 de dezembro de 2019

Os queridos do zodíaco: esses signos conquistarão tudo o que desejam em 2020. O seu é um deles?

os queridos do zodíaco



Para essas pessoas, 2020 será um dos melhores anos de sua vida, elas estarão com sorte, autoestima e muita determinação para buscar a realização dos seus sonhos. Uma aura de positividade estará ao seu redor e elas estarão capacitadas para conquistar tudo aquilo que for de seu direito.
Será que o seu signo é um deles?

 Se quiser descobrir se 2020 será o seu ano, basta conferir a lista abaixo. Desejamos muita sorte para você!

1. Touro

Os taurinos estarão completamente tranquilos em 2020. É um tempo de boas novas e surpresas agradáveis surgirão, quando menos esperarem.
Será um período muito positivo, no entanto, não devem se esquecer de continuar aprendendo, esforçando-se e mantendo boa relação com o seu lado espiritual. Essa fase de calmaria deve ser usada como oportunidade de investir mais em si mesmo e aumentar sua bagagem de conhecimento.
Sejam responsáveis e positivos consigo mesmos, e esse novo ano será certamente um dos melhores da sua vida.

2. Virgem

Para os virginianos, muita estabilidade e progresso em todas as áreas da vida estarão disponíveis em 2020. Essas pessoas colherão os frutos dos trabalhos realizados nos últimos anos e entrarão em nova fase da vida.
No entanto, precisarão manter as emoções sob controle e praticar mais a empatia, para que não desperdicem esse momento tão importante e especial com brigas e maldades. O respeito por si mesmas e pelas outras pessoas será fundamental para que possam curtir o ano novo da maneira certa.
A calma e a confiança serão fundamentais para a conquista de sucesso na sua vida pessoal e profissional.

3. Aquário

O novo ano será um tempo de liberdade e relaxamento para os nativos de Aquário. Eles estarão muito conectados consigo mesmos e comprometidos com a busca da felicidade e realização. Colocarão a si mesmos em primeiro lugar e cuidarão muito bem da sua saúde mental e física.
Ao buscar alguma atividade que lhes traga inspiração e disposição, estarão ainda mais contentes e satisfeitos. O amor sorrirá para eles e a proximidade com a família e os amigos fará com que se sintam cada vez mais completos. Precisam ter cuidado apenas com a impulsividade, para que não os leve a escolhas erradas.
Ao manter sua concentração nas coisas realmente importantes da vida, essas pessoas encontrarão a verdadeira realização.

4. Peixes

Nesse novo ano, os piscianos poderão sentir o gosto de uma vida realmente positiva, em que as coisas acontecem sempre como desejam e a sorte parece lhes sorrir a cada passo.
Estarão muito confortáveis e despreocupados, mas precisarão tomar cuidado para não se tornar displicentes e correr o risco de perder todas as coisas boas que o futuro tem reservado para eles. Essa boa fase será melhor aproveitada com muita responsabilidade e sabedoria.
O ano novo lhes dará uma rara chance de viver como sempre sonharam, mas será necessário obedecer às regras do jogo.
E aí, o que achou dessa lista? Encontrou o seu signo? Era isso mesmo que esperava? Comente sua opinião abaixo!

Texto escrito com exclusividade para o site O Segredo. É proibida a divulgação deste material em páginas comerciais, seja em forma de texto, vídeo ou imagem, mesmo com os devidos créditos. Direitos autorais da imagem de capa: Alexandra Kirr/Unsplash.




ENTREVISTA: ‘LEI MARIA DA PENHA E LEI DO FEMINICÍDIO SÃO RETROCESSOS’, DIZ JUÍZA MARIA LUCIA KARAM




OS ANOS QUE PASSOU como juíza em varas criminais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ensinaram a Maria Lucia Karam uma coisa: o sistema penal está falido. Era junho de 1982 quando a ex-defensora pública assumiu o cargo de magistrada, alheia às discussões sobre punitivismo, ainda embrionárias no Brasil. Mas a experiência com réus e o estudo mais aprofundado da criminologia logo a fizeram perceber que o sistema a que servia não protegia cidadãos. Pelo contrário, só causava mais danos à sociedade – e precisava ser abolido.

Eu estava curiosa para conhecer uma ex-juíza favorável ao fim do sistema penal quando me encontrei com Karam, há algumas semanas. Mas estava, sobretudo, ansiosa para ouvir como uma abolicionistaenxergava o cruzamento dessa luta com o enfrentamento à violência contra a mulher. Foi para discutir esse tema que fui até seu apartamento, motivada pelo questionamento de uma leitora sobre a eficácia da criminalização do estupro.


A conversa com Karam foi, em diversos momentos, indigesta. Pesquisando violência contra a mulher há quase cinco anos, já ouvi centenas de sobreviventes, como eu, narrarem os horrores a que foram submetidas por agressores. Foi difícil escutar, por exemplo, que, quando o sistema penal entra em ação, a parte mais frágil do processo não é a vítima. “É sempre o réu”, me disse a juíza aposentada. “A vítima é uma depoente.”

Tirada de minha zona de conforto, eu tentava manter em mente que suas palavras, embora difíceis de engolir, abriam caminho para uma discussão necessária. A seletividade racista e a violação constante de direitos humanos básicos no sistema penal são fatos. Também são sua ineficácia como instrumento de promoção da harmonia social e de enfrentamento à violência contra a mulher, que continua a crescer apesar do endurecimento penal. O número de assassinatos de mulheres no Brasil é o maior da América Latina e bateu recorde em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde – e o maior crescimento foi das mortes dentro de casa, típicas de casos de feminicídio. O Brasil é o pais com o maior número de assassinatos de mulheres na América Latina. Em 2018, o número de estupros no Brasil também atingiu seu pico, chegando a mais de 66 mil casos registrados em delegacia.

Para a juíza aposentada, a punição não ajuda agressores a entenderem os abusos que cometeram, nem a impedir que os repitam no futuro. Não há, porém, opção que não a via penal para sobreviventes que desejam tomar uma atitude em relação a esses homens. Isso porque, como coloca Karam, o foco na punição a transforma em objetivo final, impedindo a criação de mecanismos realmente transformadores. Queria saber que caminhos poderiam haver no futuro. Me mantive, então, aberta às palavras da ex-juíza, por mais difíceis que fossem de processar.

Aqui estão os principais trechos da conversa:

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Foto: Amichavy/The Intercept Brasil
Intercept – Parte do movimento feminista vem reivindicando a criação de uma série de leis penais, como a Lei Maria da Penha, apesar de ela ter um lado voltado à prevenção, a Lei do Feminicídio e a Lei de Importunação Sexual. Elas são um avanço no enfrentamento à violência contra a mulher?

Maria Lucia Karam – São um retrocesso. Os direitos das mulheres se inserem nos direitos fundamentais, e qualquer criminalização é sempre uma ameaça a esses direitos. Me parece absolutamente contraditório, paradoxal mesmo, pretender avançar por meio de um instrumento como o sistema penal, que, na sua própria natureza, fere direitos.

Como o sistema penal fere direitos?

O centro do sistema penal é a prisão, então já começa por privar as pessoas da liberdade, que é um dos direitos fundamentais. Além disso, é profundamente estigmatizante, o que afeta a questão da igualdade. Você divide as pessoas entre o criminoso e o dito “cidadão de bem”. Lógico que a imensa maioria das condutas criminalizadas são negativas, que afetam direitos de terceiros. Mas todas as pessoas têm um lado bom e um lado mau.

Por pior que sejam as condutas cometidas, as pessoas mantêm sua dignidade, pelo simples fato de serem pessoas. Nesse sentido, todas as pessoas são iguais. E o sistema penal é profundamente desigual. É um sistema de poder que recai preferencialmente sobre as pessoas mais vulneráveis e que não serve para promover direitos. E os direitos das mulheres se baseiam fundamentalmente na promoção de direitos, não na retirada de direitos de terceiros.

A Lei Maria da Penha propõe mecanismos de conscientização, prevenção e acolhimento. Foram criados vários centros especializados de atendimento, com psicólogas, assistentes sociais e advogadas. Isso não é um avanço?

A criação de instituições com atendimento específico a mulheres que sofrem violência doméstica não surgiu com a Lei Maria da Penha. Iniciativa muito anterior aconteceu com a criação das Delegacias da Mulher em 1985. A lei apenas ampliou a previsão dessas instituições – que não dependem dela para serem desenvolvidas –, ao dispor que a União, os estados e os municípios pudessem criar esses centros, casas-abrigos, programas de enfrentamento à violência, centros de reabilitação para agressores, bem como delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados.

Os direitos das mulheres se baseiam fundamentalmente na promoção de direitos, não na retirada de direitos de terceiros.
Mas o foco na criminalização enfraquece a construção e o desenvolvimento dessas instituições. A reação punitiva, especialmente por sua visibilidade, força e rigor, tem sempre uma tendência monopolizadora. Ela projeta a falsa ideia de que, com a punição, o problema estaria resolvido, o que joga para um plano secundário outras formas mais eficazes, mas menos imediatistas e visíveis de enfrentar esse problema.

As feministas favoráveis ao endurecimento penal batem na tecla do poder simbólico da criminalização, que funcionaria como um selo do estado confirmando que a violência contra a mulher não é aceitável. Esse simbolismo tem efeitos práticos?

O que é simbólico não é real, então a própria palavra já mostra que não tem efeito prático. Esse argumento é uma das tentativas mais recentes de legitimar o sistema penal. Todas as tentativas anteriores fracassaram.

Primeiro, [a justificativa era] de que a pena iria dissuadir outras pessoas de praticarem crimes, o que a história do sistema penal, aplicado há mais de 200 anos, mostra que não funcionou. As pessoas não deixaram de cometer crimes. Pelo contrário, a criminalidade se tornou mais ampla. Então essa função de prevenção geral demonstradamente não funcionou.

É uma ideia absurda você ensinar alguém a viver em sociedade tirando essa pessoa da sociedade.
A outra justificativa era a de transformar o autor do crime. Também foi demonstrado que não funciona. A prisão, em geral, torna as pessoas mais desadaptadas ao convívio social. Até porque é uma ideia absurda você ensinar alguém a viver em sociedade tirando essa pessoa da sociedade. Não vai funcionar. O que a pessoa vai aprender é [como] viver na prisão. A prisão não serve para reeducar ninguém.

Verificado o fracasso dessas justificativas, se criou essa coisa da função simbólica. Pena é sofrimento. Você impor sofrimento a alguém da veiculação de uma determinada mensagem não me parece muito coerente com a luta por direitos fundamentais.

Como suas posições são recebidas, em geral, pelo movimento feminista?

Tem muita gente que não gosta. Até mesmo na Defensoria Pública de São Paulo, quando falei [sobre isso], a repercussão foi péssima. A defensoria tem um núcleo especializado [no atendimento a mulheres que sofreram violência]. Foi horrível. Não tem cabimento a Defensoria Pública acusar. Um núcleo de acolhimento de mulheres vítimas de violência deveria estar no Ministério Público. A defensoria é para defender – inclusive o autor de estupro, o autor de qualquer violência contra mulheres. Parece um desvio de função. Mas tem muita gente nos movimentos feministas que tem essa consciência antipunitivista.

Você já argumentou que o desejo punitivista de quem exige rigor penal contra os responsáveis pela violência contra a mulher acaba reafirmando a ideologia patriarcal. Pode falar mais sobre isso?

Eu falei isso a partir de um exemplo da Lei Maria da Penha que inferioriza a mulher em relação a outras vítimas de lesões corporais. Em caso de lesões leves, o Ministério Público só pode agir se as vítimas manifestarem vontade – é o que a gente chama de representação – e todas podem desistir. O Ministério Público não pode agir. No caso da Lei Maria da Penha, a mulher só pode desistir da representação em audiência com o Ministério Público. E aí o Supremo Tribunal Federal piorou as coisas. Decidiu que a ação penal no caso de violência doméstica seria sempre ação penal pública. Ou seja, a iniciativa do Ministério Público independe da vontade da vítima. Isso, para mim, é a afirmação da ideologia patriarcal. A mulher é uma coitadinha que não pode decidir sozinha. É o estado que decide o que é melhor para ela.

Retira a autonomia dela.

É, ainda que ela não queira processar o agressor, o estado é que decide. A decisão do Supremo, que tinha todo um discurso de defesa dos direitos das mulheres, foi na verdade uma afirmação da inferioridade das mulheres. Surpreendentemente, os movimentos feministas aplaudiram essa decisão. Esse desejo de punir chega a um ponto de cegueira, de não se perceber esse tipo de paradoxo.

DSC3040-1573494761Para a juíza, quando a ação penal é proposta, a vítima deixa de ser a protagonista. Foto: Amichavy/The Intercept Brasil
O advogado Filipe Knaak Sodré defende que o sistema penal nunca seria eficaz em proteger as mulheres por ser uma institucionalização da desigualdade de gênero. Um exemplo seria o escrutínio machista que as vítimas de estupro enfrentam ao terem suas histórias postas em dúvida por conta do horário em que estão na rua, por exemplo. Você concorda?

O preconceito que ainda se reflete na atuação dos agentes do sistema penal. E, na mais ampla defesa, você tem que considerar o que tiver que ser considerado para defender o réu. A partir do momento em que o sistema penal começa a agir, a parte mais frágil é sempre o réu. E, na defesa, você vai explorar tudo, incluindo o comportamento da vítima. O sistema penal facilita esse tipo de coisa.

Há casos no mundo de juízes que entenderam que o réu não era culpado de estupro, porque ele e a mulher eram conhecidos, ou porque ela não gritou na hora do abuso. Nos processos por estupro, a mulher não está numa situação tão ou até mais frágil do que o réu?

Quando é proposta a ação penal, a alegada vítima do estupro deixa de figurar como protagonista, já que o protagonismo se transfere para o estado – o Ministério Público. Digo que o réu e o investigado são a parte frágil, pois, do outro lado, figura o todo poderoso estado. A alegada vítima é uma depoente.

Os movimentos feministas aplaudiram essa decisão. Esse desejo de punir chega a um ponto de cegueira, de não se perceber esse tipo de paradoxo.
Ultimamente, tem acontecido uma supervalorização do depoimento da alegada vítima, muitas vezes se sustentando que sua palavra seria suficiente para uma condenação, o que contraria clássicas posturas garantidoras. Por que razão a mera palavra da alegada vítima seria mais crível do que uma negativa do réu? Não havendo outras provas que corroborem a palavra da alegada vítima, como muitas vezes acontece, não é possível a formação da certeza exigível para uma condenação.

No Brasil, o número de denúncias de estupro é gigante e, ainda assim, representa uma pequena parcela da real quantidade de casos. Poucos se transformam em processo e ainda menos terminam em condenação. Então, mesmo dentro do próprio paradigma penal, a lei não é eficaz. Você é a favor da descriminalização do estupro?

De qualquer conduta. Até do homicídio, que é pior do que o estupro. E descriminalização, é importante deixar claro, não significa aprovação. É deixar de tratar com prisão. Não quer dizer que seja uma coisa aprovável. A gente tem que ter algum mecanismo, não só de amparar a vítima como de ajudar o agressor a superar esse tipo de conduta. As reuniões, os cursos para o cara compreender. Especialmente nessas condutas de estupro e violência doméstica, o que é fundamental é mudar o pensamento dominante. Enquanto houver um pensamento dominantemente machista, essas condutas vão acontecer. A mentalidade não vai mudar porque tem uma lei penal dizendo que estupro é crime.

Em um artigo, você escreve que o sistema penal não é eficaz na prevenção de crimes e não alivia as dores de quem sofre perdas. Ele estimula sentimentos de vingança, criando novos sofrimentos.

A pena é a imposição de sofrimento. Você vai impor sofrimento não só ao autor do crime, como aos seus familiares. Em um primeiro momento, saber que alguém que te fez mal está sofrendo satisfaz um desejo de vingança, que é natural. Você está sofrendo e quer que ele sofra também. Mas isso não vai aliviar o seu sofrimento.

A Vera Pereira de Andrade argumenta que, se todos os furtos, abortos, ameaças, lesões e outras ilegalidades fossem punidas, basicamente toda a população seria criminalizada. O sistema judicial é seletivo por essência e seus alvos preferenciais são negros jovens e pobres. A ideia de reforma do sistema penal é uma ilusão?

Totalmente. Ele tem que ser seletivo. Se todo mundo que violou a lei penal fosse punido, é aquela ideia do conto do Machado de Assis, do Alienista: não vai sobrar ninguém para ser carcereiro.

Muito do debate da esquerda sobre encarceramento gira em torno da reforma prisional. Mas como tornar a prisão um local mais humano, se esse não é, por essência, o objetivo dela?

É perfeitamente válido você discutir e procurar mecanismos que reduzam a população prisional e melhores condições materiais, mas sabendo que são meros paliativos. Se você quer construir uma sociedade mais harmônica, não dá para trabalhar com esse poder do estado impor sofrimento. Mas isso não impede que até lá – porque esse é um objetivo mais distante – você reivindique também o mínimo de condições para as pessoas que sobrevivem nesses lugares. É menos pior uma prisão norueguesa do que aqui em Bangu.

Abolicionista desde os anos 80, juíza diz que a esquerda hoje é mais punitivista do que antes.
Abolicionista desde os anos 80, juíza diz que a esquerda hoje é mais punitivista do que antes. Foto: Amichavy/The Intercept Brasil
O que é o abolicionismo penal?

A prisão nem sempre existiu. E, por pior que seja, é uma evolução. Antes, a pena era a morte ou castigos físicos. [A prisão] faz parte de um processo em que a humanidade vai buscando formas menos cruéis de tratar as pessoas que violam regras de boa convivência. Nesse processo, o caminho é no sentido de superar esse instrumento. Isso assusta as pessoas por conta da imagem de que a prisão resolve, de que se houve um determinada conduta negativa, desagradável, que você prendeu e resolveu. [Mas] essa pessoa voltará para a sociedade, de forma mais desadaptada e, portanto, mais apta a realizar mais condutas desagradáveis. Só punir cria outros problemas. Muitas vezes, desestrutura a família do preso e, se ele tiver filhos, a tendência é que essa desestruturação aumente as dificuldades deles no convívio social.

O mais importante é focalizar medidas que funcionem para prevenir e diminuir a ocorrência desses fatos e, quando acontecerem, privilegiar medidas que amparem quem sofreu e que tentem compreender por que aquela pessoa que agiu daquela forma negativa realizou essa conduta. Dar outras oportunidades para que essa pessoa viva de outra forma. Normalmente, quando se fala de abolicionismo, [perguntam]: “Sim, mas aí o que faz com ele [criminoso]?”. As pessoas não se conformam de não ter um castigo. Tem mil outras formas de resolver essas questões, como a própria justiça restaurativa. Nessa questão de violência doméstica, ela é perfeita, mas os movimentos feministas costumam rejeitar.

Pode explicar esse conceito?

É basicamente você botar o agressor e a vítima para conversarem – obviamente, com uma intermediação. Primeiro para que quem sofreu explique como está sofrendo, e que os agressores expliquem por que realizaram aquela conduta. Muitas vezes nenhum dos dois conseguiu compreender por que aconteceu aquela situação. E dessa conversa pode surgir uma proposta de como reparar o que aconteceu. Seja uma reparação financeira, um pedido de desculpas. .

Desde quando você se considera abolicionista?

Desde a década de 80.

Esse debate continua sendo tão controverso e a esquerda segue tão punitivista quanto nessa época?

É até mais punitivista. Só critica quando é contra seus amigos. Quando é contra seus inimigos, vale tudo. Nos anos 80, pouco se discutia a respeito do sistema penal dentro da esquerda. Primeiro, tem um abandono de uma perspectiva de transformação social por uma coisa de assumir funções no aparelho de estado. Então tem muito a ver com campanhas eleitorais, que aí o discurso de segurança assume uma importância. Eu não vejo muita diferença entre esquerda e direita em matéria de punitivismo. Cada um tem lá seus inimigos e quer puni-los.

O tipo de mudança cultural e estrutural que você mencionou leva tempo. Como que a descriminalização funcionaria a curto prazo?

O sistema penal não vai acabar a curto prazo. A proposta é de construção de uma outra sociedade. É evidente que não vai acontecer amanhã. O que tem que se fazer é falar dentro dessa perspectiva futura, não importa que seja daqui a séculos, porque [se não falar] aí é que não vai acontecer, mesmo. O de imediato são medidas fundamentais para reduzir o sistema penal. Por exemplo, é fundamental a legalização do comércio e do consumo de todas as drogas. E, de modo nenhum, tentar aumentar [os tipos penais].

É uma grande fantasia achar que o sistema penal se preocupa com as vítimas.
Vem daí minha crítica à esquerda punitiva, aos movimentos feministas e outros movimentos. Não me parece cabível você querer acabar com uma coisa e, no caminho para acabar essa coisa, aumentá-la. É um paradoxo. Tem pessoas que se dizem abolicionistas, mas querem punir.

A Angela Davis explica que a prisão é vista como “um fato inevitável da vida, como o nascimento e a morte”, por isso seu fim parece impensável. Muitos leitores vão comentar que você está defendendo bandido ou relativizando a violência contra a mulher. Como debater um assunto que desperta tantos ânimos?

Insistindo em falar. É uma grande fantasia achar que o sistema penal se preocupa com as vítimas. Ele focaliza no agressor e coloca todas as suas energias para puni-lo. A vítima fica para lá, não recebe assistência nenhuma. O estado acha que, punindo o agressor, já deu uma satisfação. Ela também é desprezada pelo sistema penal. Sem o sistema penal, talvez ela receba assistência. Esse é um discurso muito manipulador. Não tem essa preocupação real com a vítima.

Como desconstruir esse foco no castigo, que é anterior ao sistema penal?

Questionando o que o castigo resolve e deixando a pessoa responder. Falando da forma mais simples: quero acabar ou pelo menos diminuir as coisas ruins. Aí, para acabar com as coisas ruins, eu faço uma coisa ruim?

Mas isso entra na ideia de que a pessoa que faz coisas ruins passa a merecer um outro ato ruim.

Mas aí você multiplica os atos ruins, em vez de diminuí-los. Não tem lógica, não vai resolver, porque a coisa ruim já aconteceu. Num homicídio, que é a pior coisa, você não traz a vítima de volta ao prender o autor. Você tem que tentar diminuir o sofrimento das pessoas que perderam a vítima, com apoio psicológico. Prender não vai mudar nada. Eu ia tentar conversar por aí.

ANTES QUE VOCÊ SAIA… Quando Jair Bolsonaro foi eleito, sabíamos que seria preciso ampliar nossa cobertura, fazer reportagens ainda mais contundentes e financiar investigações mais profundas. Essa foi a missão que abraçamos com o objetivo de enfrentar esse período marcado por constantes ameaças à liberdade de imprensa e à democracia.

Para isso, fizemos um chamado aos nossos leitores e a resposta foi imediata. Se você acompanha a cobertura do TIB, sabe o que conseguimos publicar graças à incrível generosidade de mais de 11 mil apoiadores. Sem a ajuda deles não teríamos investigado o governo ou exposto a corrupção do judiciário. Quantas práticas ilegais, injustas e violentas permaneceriam ocultas sem o trabalho dos nossos jornalistas?

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Fonte. https://theintercept.com/

Só a união das forças democráticas pode derrotar o bolsonarismo. E ela tem de começar agora.


BRAZIL-POLITICS-LULA
APESAR DOS INÚMEROS crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente neste primeiro ano de governo, não há no horizonte qualquer articulação da oposição pelo impeachment. A despeito dos escândalos de corrupção envolvendo a cúpula bolsonarista, Jair Bolsonaro segue com seu projeto de destruição da democracia e o aparelhamento ideológico do estado brasileiro com certa tranquilidade.
Ao final do primeiro ano de mandato, o presidente conta com 30% da aprovação dos brasileiros. A popularidade parou de cair, e a rejeição estancou em relação às pesquisas anteriores. Se a eleição presidencial fosse hoje, Bolsonaro estaria garantido no segundo turno e com condições de ser reeleito.
As notícias são ruins para o campo democrático, que parece ainda não ter entendido o que representa o bolsonarismo no poder. Até agora, não vimos uma oposição atuante no Congresso no enfrentamento ao extremismo governista. Há combates pontuais aqui e ali, mas não uma articulação entre os partidos, que consolide a formação de um bloco único em defesa da democracia. O governo é quem pauta a oposição, que tem uma atitude meramente reativa e quase nada propõe. É necessário que a oposição abandone a postura defensiva, na qual se limita a dançar a música escolhida pelo bolsonarismo, e juntar forças para iniciar uma ofensiva propositiva. Se isso não acontecer, a caravana da extrema-direita continuará passando enquanto a oposição fragmentada permanecerá latindo.
Como apontou o cientista social Marcos Nobre em texto fundamental na revista piauí, Bolsonaro se elegeu vendendo a ideia de que lutaria contra o sistema que seria representado por uma democracia contaminada pelas esquerdas. Qualquer um que se opor ao seu projeto de destruição do “sistema” será automaticamente classificado como esquerdista, até mesmo aqueles que até pouco tempo fizeram parte do bolsonarismo, como Alexandre Frota e Joice Hasselmann. Foi baseado nesse discurso fantasioso que ele se elegeu, continua governando e tentará a reeleição. Enquanto a realidade mostra que a polarização é entre civilização vs. barbárie, Bolsonaro continuará apostando na polarização sistema (esquerda) vs. antissistema (extrema-direita).
Levando em conta o fato de que todos que se opõem ao Bolsonaro são classificados como “esquerdistas”, está na hora do campo democrático – esquerda, centro e direita – se articular contra o bolsonarismo e montar um bloco de defesa da democracia no Congresso, já visando as próximas eleições municipais e presidenciais. Bolsonaro precipitou a corrida eleitoral, e a disputa deve ser encarada como prioridade desde já por quem zela pela democracia. Há ainda a eleição do presidente da Câmara logo no início de 2021, e a vitória de um deputado extremista representaria o aprofundamento da tragédia antidemocrática que vivemos. Os democratas não têm mais o direito de errar.
As esquerdas têm de entender rapidamente que qualquer opositor ao bolsonarismo deve ser encarado como um aliado tático. Não estamos falando de alinhamento ideológico, mas de uma aliança tática que faça frente ao desmonte do país e pavimente o caminho para a construção de uma chapa única que evite a divisão dos votos antibolsonaristas. E quando eu digo qualquer opositor é qualquer opositor mesmo, inclusive com liberais dispostos a proteger os direitos individuais e a manutenção do estado laico. Pelo jeito que a coisa se encaminha e pela matemática dos votos, uma frente ampla pura de esquerda – que parece ser a tendência – não será suficiente para vencer a eleição.
Recuar da hegemonia agora seria o melhor não só para o país, mas para o próprio PT.
Lula saiu da prisão acenando positivamente para novas alianças, mas não parece disposto a fazer o PT recuar da sua hegemonia histórica. O partido ainda é rejeitado por 43% da população, e esse é um dado que não pode continuar sendo ignorado. O PT é o maior e mais forte partido do país, com maior apelo eleitoral. É natural que busque o protagonismo. Mas não vivemos em tempos normais. Vivemos tempos atípicos, e o sucesso da fórmula eleitoral petista não se repetiu na última eleição e nada indica que se repetirá na próxima.
As condições materiais dadas não são mais as mesmas e está claro que compartilhar o comando da oposição com novos atores, com um novo pacto em defesa da democracia, é o melhor caminho para não morrer na praia no segundo turno, mais uma vez. Recuar da hegemonia agora seria o melhor não só para o país, mas para o próprio PT, arrefecendo o antipetismo e aumentando as chances de voltar ao poder, ainda que com participação reduzida.
As esquerdas parecem ter a certeza de que o governo Bolsonaro é inviável e entrará em colapso sozinho. Mas não é possível dizer que isso irá acontecer. Se não for formada uma frente que abarque os interesses de um eleitorado que não é tradicionalmente identificado com a esquerda, Bolsonaro e seu discurso antissistema – ou algum candidato de direita que se vender como um Bolsonaro mais moderado – têm potencial maior de pegar os votos do um terço do eleitorado de centro que não se identifica nem com o PT nem com o Bolsonaro. É uma questão matemática, que foi ignorada em 2018.
Lula é o nome de maior apelo eleitoral, mas está inelegível e dificilmente deixará de estar. A última eleição demonstrou que os votos dele não se transferem na sua totalidade para um candidato do PT. Muitos petistas acreditam que o partido só não ganhou na última eleição por causa da facada sofrida por Bolsonaro – e não pela alta rejeição ao partido –, o que é uma tremenda ingenuidade. Não há sinais de que a fervura do antipetismo irá diminuir, já que o bolsonarismo aumenta o fogo todos os dias. É hora de dividir o protagonismo no campo oposicionista para aumentar o poder eleitoral dos democratas contra o bolsonarismo.
No Reino Unido, o líder do partido trabalhista Jeremy Corbyn se recusou a compor uma frente ampla com outros partidos de esquerda e de centro, apesar da insistência da militância anti-Boris Johnson. Perderam miseravelmente nas urnas e permitiram o crescimento da direita mais obscura. Fica mais essa lição para Lula e o PT.
Lideranças esquerdistas do Nordeste como Flávio Dino, do PCdoB, e o petista Rui Costa  entenderam que a saída é ampliar a articulação com setores antibolsonaristas, sejam eles do espectro político que for. Segundo Dino, “eles (extrema-direita) conseguiram cindir o bloco histórico do lulismo. Precisamos cindir o pacto antinacional e antipopular, e isolar o bolsonarismo hard. Precisamos ter amplitude.” A deputada Luiza Erundina aponta o mesmo caminho: “Não é um partido, dois partidos, esquerda, direita ou centro, não é isso mais. Todos os segmentos devem se juntar para salvar o Brasil, salvar o projeto democrático”.
Os democratas não têm mais o direito de errar.
Outro nome importante da esquerda, Ciro Gomes, que resolveu viajar para Paris enquanto a democracia estava à beira do precipício, passou o ano inteiro atacando Lula e o PT, contribuindo ainda mais para a divisão do campo oposicionista. As críticas corretas e necessárias ao petismo que o pedetista fez durante as eleições deram lugar a ataques virulentos recorrentes, dificultando ainda mais a formação de uma unidade. O PT é o maior partido do país, tem alcance nacional e força eleitoral. Ciro aparece semanalmente no noticiário implodindo as poucas pontes que tinha com o petismo. Não tem como isso dar certo. Não existe qualquer possibilidade de se formar uma frente ampla em defesa da democracia sem a participação do principal partido de oposição. Chegou a hora de guardar o rancor, justificado ou não, e parar de fazer política com o fígado.
Como apontou Marcos Nobre, a direita comprometida com a democracia também tem enorme responsabilidade no enfrentamento ao governo extremista: “a centro-direita precisa parar de fazer o jogo ‘me engana que eu gosto’, como se estivesse usando o atual governo para passar as mudanças legislativas com que sonha há mais de duas décadas. Quem usa os outros é quem está no poder. E quem está no poder é a extrema-direita”. O cientista social aponta também a importância de um cessar-fogo entre Lula e a centro-direita: “O centro precisa parar de tratar Lula e o PT como inimigos preferenciais e passar a considerá-los como adversários com os quais é necessário se entender sobre o que será a democracia brasileira. Porque, como se sabe, na democracia há apenas adversários, e não inimigos”.
O PSL tem uma rejeição ainda maior que a do PT. Em pesquisa de novembro feita pelo Ibope, 50% dos eleitores disseram que não votariam de jeito nenhum no ex-partido do presidente. Acontece que o próprio Bolsonaro já rejeitou o PSL, sinalizando para o eleitorado que a sigla está corrompida pelo sistema. Agora está prestes a construir o Aliança pelo Brasil, o partido centrado na lealdade à sua figura, que se venderá como antissistema, mas não é nada mais que um partido neofascista que tem como objetivo consolidar o processo de destruição da democracia. Pelo que vimos neste primeiro ano de mandato, Bolsonaro usará a máquina do governo em favor da sua reeleição de forma ostensiva, como nenhum outro governante já fez. É ingenuidade supor que ele chegará sangrando em 2022 e será facilmente batido.
A indignação e a lacração não estão funcionando. Há de se propor novas ideias de forma conjunta para reformar as instituições e não deixar Bolsonaro monopolizar a bandeira antissistema. É preciso chacoalhar o sistema de representação e abrir os olhos do eleitorado para a importância da defesa da democracia. Só uma frente ampla com todos os setores antibolsonaristas reunidos em torno de um novo pacto democrático seria capaz disso. É isso ou assistiremos o colapso completo das instituições. Não dá mais para perder tempo apenas denunciando os absurdos bolsonaristas e se limitando a cumprir o papel de indignados. É hora de união e enfrentamento concreto.
Se os votos antibolsonaristas forem pulverizados entre várias candidaturas, há chance de um candidato de esquerda nem chegar ao segundo turno.
Bolsonaro continuará dissolvendo a democracia pelos próximos três anos, alegando estar lutando contra o sistema. Continuará fidelizando a sua base de 30%, que apoia o colapso ao qual as instituições estão sendo submetidas, sem se preocupar com sua popularidade ou em formar maioria no Congresso. O objetivo é destruir o SUS, a educação pública, a cultura e todas as políticas públicas das quais dependem os mais pobres. Nas próximas eleições, Bolsonaro jogará todos os problemas do seu governo nas costas do Congresso, do Supremo Tribunal Federal, das instituições, enfim, do “sistema”. Dirá que precisará de mais quatro anos para varrer completamente a “esquerda” do poder. E, não duvidem, a lorota pode colar.
Se os votos antibolsonaristas forem pulverizados entre várias candidaturas, há chance de um candidato de esquerda nem chegar ao segundo turno. Há o risco de Bolsonaro disputar a presidência com alguém igualmente autoritário como Sergio Moro ou até mesmo um outsider eleitor de Bolsonaro como Luciano Huck ou qualquer outro palhaço do momento disposto a surfar a onda do bolsonarismo moderado. As estratégias do jogo político devem ser mudadas e isso cabe principalmente às esquerdas. Não vivemos uma democracia em que progressistas e liberais, por exemplo, possam exercer suas divergências históricas.
O momento é de salvar a democracia e restaurar a normalidade do jogo político. E, para isso, é essencial estabelecer um novo pacto com todos os setores democráticos, propor reformas institucionais necessárias (não apenas defendê-las da destruição governista). Se tudo continuar como está, a esquerda – e todos os que viraram “esquerdistas” – caminha para apanhar mais uma vez nas urnas em 2020.
ANTES QUE VOCÊ SAIA… Quando Jair Bolsonaro foi eleito, sabíamos que seria preciso ampliar nossa cobertura, fazer reportagens ainda mais contundentes e financiar investigações mais profundas. Essa foi a missão que abraçamos com o objetivo de enfrentar esse período marcado por constantes ameaças à liberdade de imprensa e à democracia. Para isso, fizemos um chamado aos nossos leitores e a resposta foi imediata. Se você acompanha a cobertura do TIB, sabe o que conseguimos publicar graças à incrível generosidade de mais de 11 mil apoiadores. Sem a ajuda deles não teríamos investigado o governo ou exposto a corrupção do judiciário. Quantas práticas ilegais, injustas e violentas permaneceriam ocultas sem o trabalho dos nossos jornalistas? Este é um agradecimento à comunidade do Intercept Brasil e um convite para que você se junte a ela hoje. Seu apoio é muito importante neste momento crítico. Nós precisamos fazer ainda mais e prometemos não te decepcionar.Faça parte do TIB 

OS BASTIDORES DO PLANO PARA ASSASSINAR A ATIVISTA AMBIENTAL HONDURENHA BERTA CÁCERES



JÁ FAZ MAIS de três anos que Berta Cáceres foi assassinada em sua casa, em Honduras. Cáceres era uma ativista de 44 anos, tinha quatro filhos e era uma celebridade internacional: ganhou o Prêmio Goldman de Meio Ambiente em 2015 por liderar uma campanha de resistência contra a construção de uma barragem hidrelétrica em território indígena por uma empresa privada de energia, a Desarrollos Energéticos Sociedad Anónima (DESA). Perto da meia-noite do dia 2 de março de 2016, assassinos contratados invadiram sua casa, atiraram nela e fugiram. Ela morreu, minutos depois, nos braços de um amigo.
Na preparação para o julgamento dos assassinos, o Ministério Público de Honduras conseguiu extrair dos telefones dos acusados milhares de registros de telefonemas privados e mensagens de WhatsApp e SMS. Os históricos de ligações foram analisados por um perito independente e mostraram que os assassinos tinham se comunicado por meio de uma cadeia compartimentada que chegava até os níveis administrativos mais altos da empresa responsável pela barragem alvo dos protestos de Berta. Essas mensagens, analisadas abaixo, fornecem um panorama impressionante da trama para matá-la.
O diretor financeiro, Daniel Atala Midence, frequentemente conversava com o presidente da empresa, Roberto David Castillo Mejía. Castillo, então, se comunicava com o ex-diretor de segurança da DESA, que coordenava o chefe dos assassinos. Não era por acaso que se evitava contato direto entre os assassinos e os administradores da empresa: todos os executivos de alto escalão eram membros da poderosa família hondurenha Atala Zablah, ligada ao governo e ao setor financeiro internacional.
Os executivos ficaram irritados quando os protestos de Cáceres atrapalharam seus investimentos, declararam os ministros da Suprema Corte de Honduras ao proferir a condenação final no julgamento. Eles começaram a vigiar Cáceres e contrataram informantes para se infiltrarem nas organizações lideradas por ela. O tribunal então concluiu que “os executivos da DESA começaram a planejar a morte da Sra. Cáceres”, sem apontar nomes de suspeitos específicos. O plano foi executado com “ciência e consentimento” de outros administradores da DESA, afirmou o tribunal, mais uma vez sem nomeá-los.
Antes e depois do assassinato de Cáceres, em um grupo de chat corporativo chamado Seguridad PHAZ (Segurança do Projeto Hidrelétrico Agua Zarca), lideranças da empresa discutiram a possibilidade de usar seus contatos para fazer tráfico de influência com autoridades nacionais, com as forças de segurança estatais e com a mídia. Centenas de outras mensagens publicadas pelos advogados da DESA indicam que o presidente da empresa, Castillo, manteve ao mesmo tempo contato regular com Cáceres antes de seu assassinato. Embora sejam de caráter público, muitas conversas em grupo e mensagens privadas nunca foram publicadas.
Até agora, nenhum dos gestores foi responsabilizado por seu envolvimento no caso. Apenas um grupo de sete assassinos, que incluía dois ex-empregados da DESA, foi condenado em novembro de 2018. Em 2 de dezembro de 2019, os sete assassinos receberam penas que variavam entre 30 e 50 anos de prisão.
Castillo foi preso em 2 de março de 2018, acusado de ser o mandante do crime, mas o Ministério Público vem repetidamente adiando sua audiência preliminar. O mais recente desses adiamentos aconteceu em 10 de outubro de 2019. Enquanto isso, nenhum membro da diretoria da DESA – e ninguém da família Atala Zablah – foi ainda acusado de crime ou intimado a depor.
O rio Gualcarque, a jusante da barragem de Agua Zarca.
O rio Gualcarque, a jusante da barragem de Agua Zarca.
 
Foto: Giles Clarke / Getty Images

Duplicidade inicial

O grupo Seguridad PHAZ incluía Castillo, Atala Midence, e os diretores da DESA José Eduardo Atala Zablah e Pedro Atala Zablah. O número de telefone de Jacobo Nicolas Atala Zablah, o patriarca da família, também diretor da DESA, não aparecia no grupo, mas seu nome era mencionado nas mensagens quando decisões de negócios e coordenação com aliados de alto escalão se faziam necessárias.
Todos os quatro Atala Zablah corriam o risco de perder muito dinheiro caso a barragem proposta pela empresa não fosse construída. Como diretor financeiro, Atala Midence havia dedicado sua carreira à Agua Zarca. E José Eduardo, Pedro e Jacobo Nicolas tinham participação acionária relevante na Las Jacarandas, a empresa que detinha a maioria das ações da DESA. José Eduardo, além disso, fazia parte da diretoria do Banco Centro-Americano de Integração Econômica, que emprestou US$24,4 milhões à DESA para a construção de Agua Zarca.
À medida que aumentava a frustração expressada por eles nos chats, aumentava também o volume de dinheiro que estavam dispostos a investir para deter Cáceres.
Em 15 de julho de 2013, a organização fundada por Cáceres, o Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras, conhecido como COPINH, organizou um protesto no canteiro de obras da barragem hidrelétrica. Como a DESA não obteve o consentimento prévio da comunidade indígena local de Lenca, em cuja terra ancestral a barragem estava sendo construída, muitos na comunidade acreditavam que a empresa não tinha o direito de estar lá.
A manifestação logo terminou com violência. A DESA havia solicitado ao exército de Honduras proteção do local contra os manifestantes. Um dos soldados destacados para esse fim usou sua arma para atirar em Tomás García, um membro do COPINH.
Naquele dia, Atala Midence enviou uma mensagem a Castillo.
“Os militares mataram um indio“, ele relatou, usando o termo pejorativo em espanhol para se referir a um homem de ascendência indígena. “Parece que há um outro deles morto.”
A morte de García foi uma emergência de relações públicas para a DESA, mas Castillo já tinha uma solução preparada. “Pague o repórter da HCH”, respondeu imediatamente, referindo-se a um canal de notícias hondurenho chamado HCH Televisión Digital.
“1.000 lempiras [moeda hondurenha] pela semana passada… e agora podemos dar mais 1.000 a ele.” O total equivalia a aproximadamente 100 dólares.
Quando a HCH deu a notícia sobre o protesto no dia seguinte, a matéria parecia parcial em favor da DESA. A morte de García foi mencionada, mas o âncora da HCH enfatizou o argumento da empresa de que os manifestantes do COPINH também estavam com as mãos sujas de sangue, e afirmou que eles teriam matado o filho de alguém que trabalhava na barragem. No entanto, embora os registros mostrem que houve uma morte na comunidade naquele dia, não há indício de que os membros do COPINH tenham sido os responsáveis, e eles negam qualquer envolvimento no fato. Enquanto isso, o militar que atirou em García já foi identificado e acusado.
‘Você precisa ligar para Berta Cáceres e dizer a ela para parar de fazer coisas estúpidas’.
Para encerrar o bloco, que foi transmitido com uma barra de texto anunciando “Duas pessoas mortas em confronto por oposição à barragem”, o âncora enfatizou que os membros do COPINH não deveriam ter entrado em propriedade particular guardada pelo exército. Disse que o exército estava fazendo a segurança da empresa privada que trabalhava na barragem hidrelétrica. A HCH Televisión Digital não respondeu às solicitações para comentar a transmissão em questão.
Enquanto planejava o pagamento de propinas para controlar sua narrativa midiática, Castillo seguia entabulando comunicação amistosa com Cáceres. As mensagens mostram que o relacionamento era estratégico.
“Você precisa ligar para Berta Cáceres e dizer a ela para parar de fazer coisas estúpidas”, disse a Castillo um número não identificado, no dia seguinte à morte de García. “Nesse exato momento eles estão preparando outro acampamento de protesto.”
Quatro dias depois, Atala Midence reclamou de Cáceres e de outros dois líderes do COPINH. “Gastei muito dinheiro e capital político para conseguir esses 3 mandados de prisão”, escreveu ele.
Dali a poucos dias, os três foram acusados de ocupação ilegal de terras e de danos à DESA. Um tribunal de segunda instância posteriormente reverteu a decisão e afastou a acusação.
Castillo continuou a se esforçar para estabelecer uma amizade com Cáceres. Poucos dias depois de enviar felicitações de Natal em 2014, ele entrou em contato novamente para desejar a Cáceres um feliz Ano Novo, e aproveitou a oportunidade para obter dela informações sobre suas atividades e seu paradeiro.
Segundo a mensagem, ele tinha ouvido falar que ela andava bastante ativa na área próxima ao canteiro de obras da empresa.
“Quando você veio aqui? E quem te conta isso?” respondeu Cáceres, com aparente desconfiança. De qualquer forma, segundos depois ela deu a informação a ele: “Estou em Eza. E amanhã em Teg”, disse, usando formas abreviadas do nome da cidade onde morava, La Esperanza, e de Tegucigalpa, e capital de Honduras.
Sergio Rodriguez, à direita, juntamente com outros seis acusados pelo assassinato da ativista ambiental indígena Berta Cáceres, espera que os juízes suspendam o julgamento após a apresentação de uma contestação judicial em 17 de setembro de 2018 em Tegucigalpa.
Sergio Rodriguez, à direita, juntamente com outros seis acusados pelo assassinato da ativista ambiental indígena Berta Cáceres, espera que os juízes suspendam o julgamento após a apresentação de uma contestação judicial em 17 de setembro de 2018 em Tegucigalpa.
 
Foto: Orlando Sierra / AFP / Getty Images

‘Pode acontecer a qualquer momento, agora’

Em abril de 2015, Cáceres visitou San Francisco e Washington, D.C., para receber o respeitado Prêmio Goldman de Meio Ambiente por seu ativismo em Honduras. “Nossas consciências serão sacudidas pelo simples fato de estarmos contemplando a autodestruição baseada na depredação capitalista, racista e patriarcal”, disse ela, em seu discurso. “A Mãe Terra militarizada, cercada, envenenada, onde se violam sistematicamente os direitos fundamentais, exige de nós a ação.”
A DESA também estava partindo para a ação naquele ano. Desde pelo menos março de 2015, Douglas Bustillo, chefe de segurança da DESA e ex-tenente do exército hondurenho, vinha se comunicando com um líder de inteligência do exército, Mariano Díaz. Ambos foram condenados, três anos depois, por ajudar a coordenar o assassinato de Cáceres.
Em 31 de julho, Bustillo saiu da empresa, mas a análise dos registros telefônicos determinou que ele continuava a se comunicar frequentemente com Castillo, que por sua vez se comunicava com o diretor financeiro, Atala Midence.
Em setembro, Bustillo ligou diretamente para um matador de aluguel, Henry Hernández, pela primeira vez. Hernández tinha sido um franco-atirador das forças especiais sob o comando de Diaz.
Enquanto isso, a comunicação entre Castillo e Cáceres permanecia ativa. Na metade do mês, Castillo informou a Cáceres que estava saindo de férias e gostaria de conversar com ela quando voltasse. Em 28 de setembro, seus comentários ganharam um toque mais pessoal. Ele manifestou condolências pelos problemas de saúde na família estendida de Cáceres, e disse a ela que poderia contar com seu apoio.
Cáceres parece ter ficado confusa com as mensagens. “Não sei por que você se importa em me ajudar”, ela respondeu. Castillo assegurou que se importava com ela e a considerava uma amiga. “Espero que algum dia encontremos um meio termo em que possamos fazer nossos ideais convergirem de uma vez por todas e encontrar uma solução que seja boa para ambos”, disse ele.
Uma semana depois, no entanto, Castillo estava reclamando de Cáceres e do COPINH no grupo de chat da DESA. “Precisamos tomar as providências legais e submetê-los ao escritório do Procurador-Geral”, disse, dando a entender que eles deveriam ser processados com ajuda da polícia.
Nesse ponto, as tensões no chat haviam aumentado sensivelmente. A DESA tinha movido o canteiro de obras para o outro lado do rio, em território menos disputado, numa tentativa de aplacar os protestos – mas a estratégia fracassou.
O histórico do grupo de chat está cheio de situações em que os executivos da DESA discutiram a possibilidade de recrutar as forças estatais de segurança e as autoridades governamentais de Honduras.
Quando um estrangeiro apareceu em diversos eventos do COPINH, o chat mostra que a DESA passou meses investigando sua identidade, cidadania espanhola e perfil do Facebook. Eles planejaram fazer com que a polícia obtivesse seu número de passaporte, para que pudessem denunciá-lo ao governo espanhol. “É essencial informar ao embaixador”, disse o engenheiro-chefe da DESA, José Manuel Pages, também cidadão espanhol. De acordo com as mensagens, Pages, que não foi acusado de conexão com o assassinato, aparentemente foi enviado por Castillo em um veículo da empresa para se encontrar com o dignitário.
Não foi a única oportunidade em que a DESA se envolveu na esfera diplomática. O chat revela que a empresa também se infiltrou em uma visita do alto escalão da ONU à sede do COPINH. O infiltrado se fez passar por morador local, fotografou os presentes e registrou o que havia sido discutido.
“Somos nós ou eles”, o diretor Pedro Atala Zablah escreveu para o grupo em 11 de outubro. “Vamos dar o recado de que nada vai ser fácil para esses FDPs.” Jorge Avila, que havia assumido o lugar de Bustillo como chefe de segurança da DESA, respondeu pedindo a Atala Zablah para solicitar proteção policial para a barragem.
Era uma proposta comum; o histórico do grupo de chat está cheio de situações em que os executivos da DESA discutiram a possibilidade de recrutar as forças estatais de segurança e as autoridades governamentais de Honduras. Algumas vezes, os pedidos eram feitos por membros da família Atala Zablah – Daniel e Pedro. Em 13 de outubro, Pedro deu a entender que a DESA poderia motivar agentes policiais “com algo além de comida”. A empresa já abrigava e alimentava os policiais que guardavam a represa, como faria com seguranças particulares.
No dia seguinte a essas mensagens, Castillo relatou ao grupo notícias de Cáceres: ela logo viajaria para a América do Sul, e o momento era adequado para coordenar uma oposição local à sua organização. Sérgio Rodriguez, gerente de comunidades e meio ambiente da DESA, observou que o movimento do COPINH ficava mais fraco sem a presença de Cáceres e de um outro líder. “Diante disso, deveríamos também direcionar nossas ações contra eles”, propôs ao grupo.
1 Bustillo: Bom dia, Sr. Castillo. Me dê os 50%.
2 Castillo: 18:15
3 Castillo: Vamos nos encontrar em 30 no Chili’s no shopping.
4 Qual desses dois horários é o certo?
5 Bustillo: 6:15 ou em 30 minutos?
6 Castillo: Bustillo, se ligue.
7 Castillo: Isso não é uma festa.
8 Bustillo: E deixe tudo pronto, porque pode acontecer a qualquer momento.
Documento: Suprema Corte de Honduras
Em 22 de novembro, Castillo recebeu uma mensagem de Bustillo, que já não trabalhava para a DESA havia quatro meses. “Boa noite, Sr. Castillo. Me dê os 50%”, dizia a enigmática mensagem.
Castillo respondeu pedindo par encontrar Bustillo naquela mesma tarde em um restaurante da cadeia Chili’s, numa parte nobre de Tegucigalpa. Ele sugeriu dois momentos diferentes para a reunião e, quando Bustillo pediu esclarecimentos, Castillo respondeu: “Bustillo, se ligue. Isso não é uma festa. Bustillo respondeu: “E deixe tudo pronto, porque pode acontecer a qualquer momento.”
Eles não especificaram o que estavam discutindo. Mas o registro de ligações preparado para o julgamento mostra que, naquele momento, a empresa tinha implementado um método de comunicação compartimentado, em grande parte devido ao “alto grau de especialização do pessoal militar que compõe essa estrutura”, dizia a análise.
Gráfico: The Intercept; Fotos: Getty Images
A estrutura de comunicação era composta de dois grupos. Um deles era a “rede executiva”, que incluía Castillo e Atala Midence. No outro, a “rede operativa”, estavam os assassinos. Os grupos eram conectados por Douglas Bustillo.
“A compartimentalização é uma tática bem estabelecida na inteligência militar para evitar infiltração e não comprometer o conjunto de informações e estruturas”, informa a análise. “A tomada de decisões está reservada exclusivamente para o nível máximo de liderança. (…) É uma tática para ocultar preventivamente todo o círculo criminoso”.
As comunicações pessoais entre Castillo e Cáceres, no entanto, continuaram, e os dois encerraram 2015 exatamente como haviam feito no ano anterior. Na noite de 25 de dezembro, trocaram gentilezas.
“Querida Berta”, escreveu Castillo. “Espero que você e sua família tenham um Natal abençoado. Como sempre, desejo a vocês apenas o melhor.”

‘Uma pedra no sapato daquela senhora’

Em 10 de janeiro de 2016, Castillo tinha voltado a agitar o chat da DESA.
“Não podemos baixar nossa guarda. Mas é nessa semana que precisamos derrotar o COPINH. Nossos esforços essa semana serão produtivos, e nosso trabalho ficará mais fácil no restante de 2016″, disse ele. Encaminhou então ao grupo uma nota que havia enviado ao chefe de polícia local, que ele parecia considerar um aliado.
“Agradeço o apoio que nos deram ontem, os ‘Copinhes’ perceberam a presença da Polícia Nacional (…) e ficaram com medo de atravessar o rio”, dizia a nota. “Espero contar com seu apoio hoje e nos dias que restam até que a agitadora se vá, que é quando acaba a ameaça”.
Quando dois outros estrangeiros, holandeses, começaram a aparecer nos protestos do COPINH, a DESA também os investigou, como mostram mensagens de chat do final de janeiro. “Por favor, tirem fotos”, disse Roque Galo, consultor de relações públicas da empresa. Ele sugeriu que usassem a câmera da empresa, que tinha o melhor zoom. Galo não foi acusado de nenhum crime relacionado ao assassinato de Cáceres.
Dois dias depois, Díaz e Hernández debateram por mensagens privadas um outro tipo de tecnologia: uma pistola emprestada. “Não quero que você fique carregando essa coisa por toda parte”, Díaz disse a Hernández. “É perigoso, e você pode se meter em confusão.”
Em 2 de fevereiro, Hernández, que se referia a Díaz como “señor”, apresentou uma estratégia para blindar Díaz de qualquer suspeita: “vou trabalhar com outros caras, senhor, porque você precisa estar limpo para que tudo dê certo na sua carreira”, escreveu. Pediu a Díaz dinheiro emprestado para contratar mais dois, para que eles três pudessem executar “o serviço”. E esclareceu: “você sabe qual”.
Eles não identificaram as pessoas que os haviam contratado para “o serviço”, mas se referiram a eles como “amigos”. Tampouco disseram o nome de seu alvo.
1 Bustillo para Castillo: A missão foi abortada ontem. Hoje não deu. Vou esperar o que você disse: não tenho mais a logística, estou em zero.
Documento: Suprema Corte de Honduras
Em 5 de fevereiro, Bustillo usou seu telefone para baixar três fotografias do rosto de Berta Cáceres. Uma delas era uma imagem que posteriormente se tornaria viral. Cáceres está de pé, ladeada pelas margens verdes do rio que ela lutou para proteger, a boca aberta no meio da fala, a mão direita erguida.
Naquele mesmo dia, choveram mensagens e ligações entre os assassinos, como mostra a análise dos registros. A análise também mostra que o celular de Hernández enviou sinal às torres de comunicação próximas à casa de Cáceres.
As mensagens sugerem que Hernández e um segundo assassino desconhecido tentariam matar Cáceres naquele dia, mas cancelaram a missão porque havia pessoas demais perto da casa. Eles pegaram ônibus comuns e deixaram o local.
“Missão cancelada ontem”, Bustillo escreveu para Castillo. “Não foi possível. Vou aguardar sua reação. Não tenho mais a logística preparada, estou de volta à estaca zero.”
Naquele mesmo dia, mais tarde, Bustillo pediu a Castillo mais dinheiro para bancar uma segunda tentativa. “Chefe”, disse ele. “Preciso saber o seu orçamento para o serviço.” Três semanas depois, Bustillo repetiu o pedido. Castillo respondeu que ele mesmo só iria receber no dia seguinte.
Enquanto isso, os participantes do grupo de chat continuavam a difamar Cáceres. Em 20 de fevereiro, um consultor de relações públicas da DESA não identificado, que não sofreu acusações relacionadas ao caso, comemorou ter conseguido complicar os planos do COPINH de realizar um protesto. “É ótimo que sejamos uma pedra no sapato daquela senhora”, escreveu.
O engenheiro-líder Pages respondeu que eles deveriam divulgar fotos da casa e do carro de Cáceres, bem como o fato de que ela tinha filhos estudando fora do país, como forma de colocar os ativistas contra ela. Ele informou ao grupo que a empresa poderia contar com a presença de 45 policiais e membros de um grupo de forças especiais treinadas nos EUA, conhecidos como TIGRES, fazendo a guarda do local da barragem durante um protesto.
Numa discussão sobre a cobertura midiática do evento, Castillo escreveu: “Em vez de pedir a um jornalista que não publique uma notícia, prefiro dar a eles instruções sobre o que incluir na notícia, e qual mensagem transmitir.”
Em menos de um mês, Berta Cáceres estaria morta.

Assassinato preservado nas mensagens

Em 2 de março de 2016, os assassinos decidiram tentar de novo. A análise dos registros de ligação mostrou que seus celulares enviaram repetidamente sinais para a torre de celular próxima à casa de Cáceres.
1 Cáceres para número desconhecido: Bem, onde quer que você vá, espero que esteja bem. De verdade. Vai com cuidado, tá? Beijos.
Documento: Suprema Corte de Honduras
Às 23h25, Cáceres mandou sua última mensagem de WhatsApp. “Bem, seja lá para onde vá, espero que esteja bem. De verdade”, ela escreveu a uma pessoa amiga, em um número não identificado. “Tenha cuidado, por favor, ok? Beijos.”
Ao mesmo tempo, Bustillo e os assassinos trocavam um turbilhão de mensagens e ligações.
Quatorze minutos depois, às 23h39, Gustavo Castro, um ambientalista mexicano que estava hospedado na casa de Cáceres naquela noite, começou a fazer ligações desesperadas, que não foram atendidas, do telefone de Cáceres para as pessoas mais próximas dela.
1 Gustavo: Ajuda.
2 Gustavo: Este é Gustavo. Acabaram de matar Berta. Estou ferido.
3 Gustavo: Victor, sou o Gustavo Castro. Eles acabaram de matar Berta.
4 Gustavo: estou sozinho na casa dela e ninguém sabe que estou ferido. Vou avisar o Salvador.
5 Gustavo: Alvador, eles mataram Berta.
6 Gustavo: É o Gus. Eles mataram Berta.
7 Gustavo: Estou ferido na casa dela.
8 Gustavo: Ajuda.
Documento: Suprema Corte de Honduras
Às 00h09, ele enviou uma mensagem a uma pessoa da família de Cáceres: “Socorro”.
“Aqui é Gustavo, acabaram de matar Berta e estou ferido.”
Seguiu enviando uma sequência de mensagens angustiadas, repetindo várias vezes os mesmos detalhes, sem receber resposta.
“Socorro.” “Aqui é Gustavo e eles acabaram de matar Berta.” “Estou sozinho na casa dela e ninguém sabe.”
“Por favor contem ao copinh.” “Algum vizinho ou contato em La Esperanza.”
Às 5h37, o chat da DESA acordou.
Sergio Rodriguez foi o primeiro a enviar uma notícia sobre a morte de Berta. Doze minutos depois, Castillo também mandou uma mensagem ao grupo. “Para nós essa é uma situação de crise. Precisamos nos antecipar ao que virá para o nosso lado.”
Parentes e amigos colocam flores no túmulo da ambientalista Berta Cáceres em La Esperanza, Honduras.
Parentes e amigos colocam flores no túmulo da ambientalista Berta Cáceres em La Esperanza, Honduras.
 
Foto: Orlando Sierra/AFP/Getty Images

Um empate burocrático

Depois do assassinato de Cáceres, enquanto a ira pública se voltava contra a empresa, as mensagens de chat mostram que os executivos da DESA se atropelaram para buscar a ajuda de seus poderosos aliados.
Em 7 de março de 2016, o ministro da segurança de Honduras, Julián Pacheco Tinoco, assegurou a Pedro Atala Zablah que a morte de Cáceres seria enquadrada como “crime passional”.
Quando hordas de manifestantes começaram a se reunir no local da barragem, Pages pediu a Atala Midence que conversasse com um famigerado chefe de polícia chamado Héctor Iván Mejía e solicitasse mais agentes para confrontá-los. Atala informou a Pages que já tinha falado com ele, juntamente com Pacheco Tinoco.
Em 1º de abril, quando o governo hondurenho anunciou uma investigação sobre o assassinato, o consultor de relações públicas não identificado tentou levantar os ânimos no chat da DESA. “Até agora, o Ministério Público foi um aliado, não um inimigo”, escreveu. “Precisamos pensar estrategicamente, e o que é possível e mais provável e verdadeiro é que o Ministério Público tenha dito isso para calar as acusações do copinh.”
Era melhor para a DESA permanecer em silêncio sobre o assassinato, ele aconselhou, porque se a empresa criticasse publicamente a ação do Ministério Público, “isso lançaria dúvida sobre o processo de investigação das autoridades hondurenhas e isso aumentaria consideravelmente as acusações contra nós”.
Mais para o fim daquele mês, Avila, o chefe da segurança da DESA, relatou ao grupo que suas fontes de inteligência militar tinham alertado sobre os planos do COPINH para realizar outro protesto. Pages sugeriu que atuassem com a polícia para intimidar os manifestantes, registrando seus nomes e as placas de seus carros. Logo depois disso, Rodriguez disse que havia encarregado os infiltrados da empresa no COPINH de espalhar rumores para dividir e enfraquecer a organização.
Entre os dados que os promotores extraíram do telefone de Rodriguez está um arquivo com data de 3 de março: uma foto de Cáceres esparramada no chão, um dos braços sobressaindo em um ângulo estranho, o outro coberto por uma poça de sangue. Sua boca está aberta, o cabelo enrolado sobre a cabeça.
Rodriguez e seis outros agora estão presos, condenados pela execução do assassinato de Cáceres: Bustillo, Díaz, Hernández, e três outros assassinos chamados Edilson Duarte Meza, Elvin Rápalo e Oscar Torres. Depois que as sentenças condenatórias foram proferidas, em 2 de dezembro, os deputados norte-americanos Hank Johnson, do estado da Georgia, Jan Schakowsky e Mark Pocan emitiram uma declaração de que as condenações seriam um “primeiro e pequeno passo” rumo à justiça. “A verdadeira justiça inclui o julgamento e a punição de todos os responsáveis pelo assassinato, inclusive os executivos da empresa que estava construindo a barragem, a DESA, que foram os mentores intelectuais e financiadores do plano.”
Em resposta a um pedido de comentário, Nelson Dominguez, advogado de Daniel, Pedro e José Eduardo Atala Zablah, afirmou que os homens “negam completamente qualquer participação neste infeliz crime” e “acreditam firmemente na inocência do Sr. David Castillo e do Sr. Sergio Rodríguez.”
Robert Amsterdam, que disse que sua empresa Amsterdam and Partners LLP representava a DESA até meses atrás, mas não é mais contratada pela empresa, sustenta que seus antigos clientes não estavam envolvidos no assassinato de Cáceres. “Estes eram jovens idealistas que queriam livrar Honduras de sua dependência do gás e queriam criar uma situação sustentável”, disse ele ao Intercept. “Eles colocaram a inocência absoluta atrás das grades e, nisso, estou falando de Castillo”.
Amsterdam traçou a defesa da empresa em um documento publicado em 2018, intitulado “Guerra ao desenvolvimento: expondo a campanha de desinformação da COPINH em torno do caso Berta Cáceres, em Honduras”. O documento sugeria que os dados de celulares apresentados em tribunal poderiam estar “incompletos ou corrompidos”.
Dominguez repetiu essa afirmação. Ele escreveu que a família Atala Zablah havia apresentado uma queixa legal ao Ministério Público por “manipulação de evidências” e alegado “violações graves do direito ao devido processo”.
Yuri Mora, porta-voz do Ministério Público de Honduras, respondeu: “Esses são argumentos e estratégias da Defesa. O Ministério Público tem certeza de suas acusações e de todas as evidências”.
Galo, Mejía, Pages e Pacheco Tinoco não responderam aos pedidos de comentário.
O destino de Castillo permanece em aberto. Caso seu julgamento seja adiado por tempo demais, ele pode ser libertado da prisão em razão de uma lei hondurenha que proíbe manter indivíduos presos sem condenação por prazo superior a dois anos. Enquanto isso, um dossiê investigativo publicado em agosto pelo grupo de direitos americanos School of the Americas Watch revelou supostas atividades criminosas praticadas por Castillo, com habitualidade, em benefício de pelo menos seis empresas hondurenhas com as quais estava envolvido, incluindo a DESA, e possíveis ligações com um importante cartel de drogas. Naquele mesmo mês, a jornalista Nina Lakhani, do Guardian, divulgou a compra por Castillo de uma casa de US$1,4 milhão no Texas, oito meses depois do assassinato de Cáceres.
Mas Roxanna Altholz, professora da faculdade de Direito da Universidade de Berkeley, na Califórnia, e ex-membro do GAIPE, uma equipe internacional que investigou o assassinato, diz que o problema é mais extenso que a falta de progresso no caso de Castillo. A questão de fundo, para ela, é que o assassinato de Cáceres foi a culminância de anos de corrupção e violência coordenadas. A rede ilícita responsável por isso, incluindo os executivos da família Atalah Zablah na DESA e seus aliados, permanece intacta.
“A responsabilização não é atingida com uma sentença condenatória para cada um desses indivíduos”, declarou ela. “Para que haja efetiva responsabilização nesse caso, a rede criminosa precisa ser desmantelada”.
Tradução: Deborah Leão
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