Na decisão, a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura afirmou que "o Judiciário só pode proibir a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio"
Por Sérgio Rodas, do Conjur – Por não enxergar violação à liberdade de crença e incitação ao ódio, a 16ª Vara Cível do Rio de Janeiro negou, nesta quinta-feira (19/12), pedido de liminar para tirar do ar o "Especial de Natal Porta dos Fundos: a primeira tentação de Cristo", disponível no Netflix.
A ação foi movida pela Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. De acordo com a entidade, na produção, “Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído”.
Segundo a instituição, o filme viola a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana.
A promotora Barbara Salomão Spier enviou um despacho para a 16ª Vara Cível do Rio em que defende a censura da produção do Porta dos Fundos.
No texto, a promotora afirma que “o que é sagrado para um, pode não ser sagrado para o outro, e o respeito deve, portanto, imperar”.
Segundo ela, “fazer troça aos fundamentos da fé cristã, tão cara a grande parte da população brasileira, às vésperas de uma das principais datas do cristianismo, não se sustenta ao argumento da liberdade de expressão”.
Spier também alega que seu posicionamento não pode ser enquadrado como censura, mas de “evitar o abuso do direito de liberdade de expressão através do deboche, do escárnio”.
Na decisão, a juíza Adriana Sucena Monteiro Jara Moura afirmou que "o Judiciário só pode proibir a publicação, circulação e exibição de manifestações artísticas quando houver a prática de ilícito, incitação à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio".
"E o 'Especial de Natal Porta dos Fundos: a primeira tentação de Cristo' não tem nada disso", apontou, ressaltando que a obra não fere a liberdade religiosa.
“Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau gosto, utilizando-se de expressões grosseiras relacionadas a símbolos religiosos. O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa. Contudo, há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que matéria estranha às suas atribuições”, avaliou a juíza, ressaltando que, como o filme está no Netflix, só assiste a ele quem quiser.
Fonte. Brasil 247.com
Leia á decisão.
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110 ADRIANAM
Fls.
Processo: 0332259-06.2019.8.19.0001
Processo Eletrônico
Classe/Assunto: Ação Civil Pública - Dano Moral - Outros/ Indenização Por Dano Moral
Autor: ASSOCIAÇÃO CENTRO DOM BOSCO DE FÉ E CULTURA
Réu: PORTA DOS FUNDOS PRODUTORA E DISTRIBUIDORA AUDIOVISUAL S/A
Réu: NETFLIX ENTRETENIMENTO BRASIL LTDA
___________________________________________________________
Nesta data, faço os autos conclusos ao MM. Dr. Juiz
Adriana Sucena Monteiro Jara Moura
Em 19/12/2019
Decisão
Trata-se de Ação Civil Pública movida pela Associação Centro Dom Bosco De Fé e Cultura em
face de Porta Dos Fundos Produtora e Distribuidora Audivisual S/A e NETFLIX Entretenimento
Brasil LTDA.
Alega a parte autora que a honra e a dignidade de milhões de católicos foi gravemente
vilipendiada pelos réus, com a produção e exibição do Especial de Natal Porta dos Fundos: A
Primeira Tentação de Cristo, onde "Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como
uma adúltera desbocada e José como um idiota traído", partindo de uma compreensão
equivocada do que seja liberdade de manifestação do pensamento e de criação artística.
Aponta que o teor do filme produzido e exibido afronta princípios assegurados
constitucionalmente, como o da dignidade da pessoa humana ( art.1º, III da CF/88); o da liberdade
religiosa ( art.5º, VI) e o do respeito aos princípios éticos e sociais da pessoa e da família(
art.221,IV), bem como afronta diversos outros dispositivos legais que protegem e imunizam os
grupos religiosos contra ataques dolosos à sua fé, ao seu corpo de crença e valores, com o
manifesto propósito de desprezar e ridicularizar os membros do referido grupo.
Desta forma, requer a parte autora a concessão de liminar visando: (i) com fundamento nos
arts. 11 e 12 da lei 7347/85 e art. 300 do Código de Processo Civil, determine ao segundo réu a
imediata suspensão da exibição do "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de
Cristo", assim como trailers, making of, propagandas, ou qualquer alusão publicitária ao referido
filme; e ao primeiro réu que se abstenha de autorizar a sua exibição e/ou
divulgação por qualquer outro meio, assim como de trailers, propagandas, ou qualquer alusão
publicitária ao mesmo filme, sob pena de multa diária de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil
reais), em caso de descumprimento da determinação judicial; (ii) ao final, a suspensão da
exibição do filme e conexos (iii) a condenação solidária dos réus a ressarcirem os
danos morais coletivos decorrentes do período em que a película esteve ou estiver em exibição,
em valor equivalente à soma dos faturamentos de ambas as empresas rés com
o programa ora questionado (caráter pedagógico da indenização), acrescido de valor não inferior a
R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), correspondentes a aproximadamente R$0,02 (dois
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centavos) por brasileiro que professa a fé católica, devendo os valores da condenação reverterem
ao fundo instituído pelo art. 13 da LACP.
O citado filme teve sua estreia no Netflix em 03 de dezembro de 2019 e desde então vem
causando bastante polêmica em razão do seu conteúdo, considerado por muitos como
extremamente ofensivo à fé dos católicos e também a outras religiões, em especial por ter sua
veiculação se iniciado em período próximo ao Natal, data em que milhões de fiéis preparam-se
para celebrar o nascimento de Jesus.
O grupo Porta dos Fundos é um grupo de humor, muitas vezes escrachado, reconhecido em
âmbito nacional e mesmo internacional e que em diversas de suas produções opta por fazer
sátiras e críticas a temas sensíveis da sociedade moderna, como religião, homossexualidade,
racismo, política e outros.
Em razão de seu estilo de humor tem inúmeros fãs e seguidores, ao mesmo tempo que cria
antipatia e é objeto de desprezo ou desconsideração por número também considerável de
integrantes de nossa sociedade, que não gostam do estilo e das abordagens feitas pelo grupo em
suas produções e interações com o público.
A sátira religiosa, notadamente em período que antecede a celebração do Natal, não é nova na
temática desse grupo de humor, como se vê do especial do ano passado, "Se Beber não Ceie",
que recentemente ganhou o Emmy Internacional de melhor comédia do ano; a veiculação do
vídeo denominado "Ele está no meio de nós", assim como o especial de Natal do mesmo grupo
em 2013, que também foram considerados por uns ofensivos à fé cristã e deram ensejo a
questionamentos judiciais.
Quem os assiste certamente não espera encontrar em suas manifestações artísticas
informações fidedignas ou mesmo embasadas em conteúdos históricos. O que muitas vezes se vê
é o humor pelo humor, ainda que ácido.
No introito desta decisão pontuo que muitos optaram por ver a produção questionada antes
mesmo da polêmica gerada, enquanto outros foram instigados a assistir em razão da mesma e
outros tantos optaram por não assistir, justamente em razão das críticas e spoilers divulgados.
Inúmeras manifestações artísticas e jornalísticas no Brasil e no Mundo também já optaram na
história recente por abordar, criticar e mesmo satirizar temas sensíveis a diversas religiões,
gerando reações diversas e mesmo violentas e extremadas. Como exemplos cito os filmes " Je
vous Salue, Marie", de Jean-Luc Godard e a "Vida de Brian", do Monty Python, assim como as
charges próprias e republicadas da revista semanal francesa, Charlie Hebdo.
O inciso V do artigo 5º da Carta Magna assegura ser livre a manifestação de pensamento,
vedando-se apenas o anonimato, enquanto o inciso IX do mesmo artigo assegura ser livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença.
O artigo 220 da Constituição Federal consagra ainda o direito a manifestação do pensamento, a
criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, vedando-se
qualquer restrição, observado o disposto na Constituição, e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística e o inciso VI do mesmo artigo 5º agasalha a inviolabilidade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a
proteção aos locais de culto e as suas liturgias.
Portanto, latente que estamos diante de um conflito claro entre valores, princípios
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constitucionais. De um lado está o direito à liberdade de expressão artística enquanto corolário da
liberdade de expressão e pensamento e de outro a liberdade religiosa e a proteção aos locais de
culto e as suas liturgias, consubstanciadas no sentimento religioso.
A melhor técnica ensina que nessas hipóteses, a ponderação de valores diante do caso
concreto é o caminho para equacionar o conflito, pois, abstratamente, nenhum dos
princípios/direitos é absoluto, devendo sempre ser visto e cotejado àquele contraposto.
Esse conflito entre direitos fundamentais tão caros e sensíveis a toda a sociedade vem sendo
objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal, a quem compete interpretar e salvaguardar
nossa Constituição, seus princípios e garantias.
Nesse sentido, cumpre destacar trecho do voto do Ministro Marco Aurélio de Melo no ARE
790813 RG/ SP, onde também se tratou da tutela do sentimento religioso e da liberdade de
expressão:
"(...)Conforme asseverado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assentou consubstanciar
censura prévia e violação da liberdade de expressão artística a proibição de circulação de revista
contendo foto de mulher despida com rosário à mão. Os recorrentes alegam que atividades
pornográficas não se confundem com imprensa e que a associação do rosário a imagem erótica
revela abuso da liberdade de expressão e ofensa ao sentimento religioso. Presente conflito entre
direitos fundamentais, compete ao Supremo definir, com vista à orientação de casos futuros, o
equilíbrio adequado entre bens tão caros à Constituição e à sociedade brasileira, como são as
liberdades religiosa e de expressão artística. Cabe elucidar se a jurisprudência do Tribunal acerca
das garantias de imprensa é observável no tocante às publicações destinadas ao público adulto ou
mesmo se essas, por si só, são merecedoras da tutela prevista nos artigos 5º, inciso IX, e 220 da
Carta Federal".
Não obstante, cabe mencionar que o plenário virtual do STF, apesar de ter reconhecido neste
caso específico que havia matéria constitucional a ser analisada, entendeu não ser hipótese de
reconhecimento da repercussão geral da matéria, atribuindo-se a relatoria do Acórdão ao Ministro
Dias Toffoli, em razão de ter ficado vencido nesse aspecto o Ministro Marco Aurélio:
"REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 790.813 SÃO
PAULO RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. DIAS
TOFFOLIRECTE. (S) : INSTITUTO JUVENTUDE PELA VIDA E OUTRO (A / S) ADV. (A/S) :
RENATO RESENDE BENEDUZI E OUTRO (A / S) RECDO. (A/S) : ABRIL COMUNICAÇÕES S/A
ADV. (A/S) : ALEXANDRE FIDALGO ADV. (A/S) : ANA PAULA FULIARO E OUTRO (A/S)Direito
constitucional. Convivência entre princípios. Limites. Recurso extraordinário em que se discute a
existência de violação do princípio do sentimento religioso em face do princípio da liberdade de
expressão artística e de imprensa. Publicação, em revista para público adulto, de ensaio
fotográfico em que modelo posou portando símbolo cristão. Litígio que não extrapola os limites da
situação concreta e específica. Plenário Virtual. Embora o Tribunal, por unanimidade, tenha
reputado constitucional a questão, reconheceu, por maioria, a inexistência de sua repercussão
geral. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por
maioria, reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional suscitada,
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Não se manifestou o Ministro Roberto Barroso.
Ministro DIAS TOFFOLI Relator para o acórdão".
Ainda neste diapasão, também se mostra pertinente trazer a lição do Ministro Gilmar Mendes,
citado no Agravo de Instrumento nº 15538375 PR, de 10/03/2017, cujo relator de caso análogo ao
presente foi o Desembargador Hamilton Rafael Marins Schwartz, do Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná :
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"(...)A colisão de princípios, da mesma forma que o conflito de regras, refere-se a situação em que
a aplicação de duas ou mais normas ao caso concreto engendra consequências contraditórias
entre si. A solução para o conflito entre regras é solucionado tornando-se uma das regras como
cláusula de exceção da outra ou declarando-se que uma delas não é válida. Já quando os
princípios se contrapõem em um caso concreto, há que se apurar o peso ( nisso consistindo a
ponderação) que apresentam neste mesmo caso, tendo presente que, se apreciados em abstrato,
nenhum desses princípios em choque ostenta primazia definitiva sobre o outro. Nada impede
assim, que, em caso diverso, com outras características, o princípio antes preterido venha a
prevalecer (grifo nosso)."
Assim, com a devida vênia do entendimento do Parquet, tenho que a análise do julgamento do
STF não revela que tenha sido assegurado naquele caso concreto, também referente a Tutela do
sentimento religioso versus liberdade de expressão artística, a primazia do primeiro em relação ao
segundo. O voto do Ministro Marco Aurélio não diz isto e apenas reconheceu a existência de
matéria constitucional considerando configurada a repercussão geral para prover e determinar a
sequência do Recurso Extraordinário que havia sido inadmitido no Tribunal de Origem.
Da simples leitura do voto do Ministro Marco Aurélio, observa-se que o Tribunal de Justiça de
São Paulo veio a reformar a decisão de primeiro grau que havia proibido à circulação de novos
exemplares da revista Playboy por entender que a inadequação da imagem não é suficiente a
inviabilizar a divulgação e circulação da mesma, ausente prova de ofensa objetiva a indivíduo ou a
instituição específica e ressaltando pressupor considerações ideológicos-subjetivas o acolhimento
da pretensão dos autores, o que extrapolaria os estreitos limites de motivação de toda e qualquer
prestação jurisdicional.
Destaco ainda, que o entendimento final do STF, como acima pontuado no julgamento do
Agravo 790.813 de São Paulo, foi para reconhecer a existência de matéria constitucional a dar
ensejo ao provimento do Agravo para admitir o processamento do Recurso extraordinário
interposto, mas ao contrário do estabelecido no voto do Ministro Marco Aurélio Melo, não houve o
reconhecimento de repercussão geral.
Não há ainda qualquer decisão do Supremo no julgamento do Recurso Extraordinário,
permanecendo íntegra até este momento a decisão de improcedência do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, que assim restou ementada:
"TJSP. Apelação n. 0124915-79.2009 São Paulo. Voto n. 28.474 - 8ª Câmara de Direito Privado
Apelante: Editora Abril S/A. Apelados: Instituto Juventude Pela Vida e outro. Juiz: Rodolfo César
Milano. Registro: 2012.0000616464. Imprensa. Pedido de proibição de veiculação de revista.
Desrespeito ao sentimento religioso. Matéria com fotos que, na visão dos autores, ofendem este
sentimento. Censura prévia vedada. Ação improcedente. Recurso provido."
A análise dos julgados da nossa Corte Constitucional sobre esses sensíveis temas deixa claro
que tanto o sentimento religioso, como a liberdade de expressão artística merecem a Tutela do
Judiciário quando este é chamado a intervir, mas que não é estabelecido previamente o caráter
absoluto de qualquer um deles ou a preponderância de um sobre o outro de forma abstrata.
Assim, nenhuma ponderação pode ser cega ao caso concreto, devendo o julgador primar
sempre pela análise da situação fática em todas as suas circunstâncias, inclusive no que tange à
sua repercussão.
Acerca desse confronto, cabe citar a passagem do livro Direitos da Personalidade, 2ª Edição,
Editora Atlas, página 89, Anderson Schreiber, que se mostra pertinente, embora não trate de
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hipótese idêntica:
"O confronto entre o direito de sátira e a tutela da honra é realmente delicado. Por um lado, é
evidente a necessidade de proteção à reputação da pessoa, que não pode sofrer arrefecimento
pelo simples intuito humorístico de quem publica um texto, uma caricatura ou uma fotomontagem.
Por outro lado, a sátira representa manifestação da liberdade artística e intelectual, também
tutelada constitucionalmente, e calcada, por definição, no brincar com costumes sociais,
valendo-se, com frequência, de certa abordagem jocosa dos fatos públicos e das pessoas
notórias. Somente a ponderação entre esses dois interesses igualmente protegidos pode conduzir
a uma solução justa para o caso concreto. Significa dizer que a solução não está na prevalência
abstrata de um interesse sobre outro, mas no sopesamento entre eles diante das circunstâncias
específicas do caso concreto." (grifo meu)
Faz-se necessário, portanto, analisar o filme em si, o meio em que este é exibido e o alcance
de sua veiculação, a fim de averiguar se houve ou não abuso da liberdade de expressão e do
direito de sátira e crítica, de forma a justificar o acolhimento da liminar requerida, que pretende
proibir a exibição do mesmo ou qualquer outro tipo de referência e de propaganda correlata por
parte dos réus, o que configuraria inequivocamente censura decretada pelo Poder Judiciário.
Ressalte-se que a análise feita neste momento, em fase inicial do processo, antes de
assegurado o contraditório, a ampla defesa e antes de permitida a dilação probatória a gerar
elementos de formação do convencimento, não pretende esgotar o tema e limita-se ao pedido
liminar de proibição de exibição e propaganda do filme, não adentrando na análise do pedido de
indenização por dano moral coletivo, inclusive por manifesta ausência de periculum in mora em
relação ao último.
Ao longo da história o humor sempre foi utilizado como instrumento de crítica através de
sátiras, charges e outros meios de expressão artística, sendo o riso mesmo considerado essencial.
O humor não necessariamente é utilizado com o intuito de ferir, ofender, menosprezar.
Como referido no texto de Ivana Pedreira Coelho- Direito de sátira: conflitos e parâmetros de
ponderação- a doutrina aponta o século IV antes de Cristo como marco inicial dos primeiros
registros de diálogos satíricos, sendo a sátira definitivamente estabelecida como gênero literário,
para além do dramático e teatral, por meio da obra do poeta romano Homero que em seus textos
impunha críticas aos costumes sociais e ao governo.
O discurso crítico por intermédio do humor, a livre expressão de ideias e de criação artística
são assegurados por diversos Estados, inclusive o brasileiro, em uns com maior alcance que
outros, como no direito americano, em razão da Primeira Emenda.
Via de regra o objetivo do humorista é levar seu público a rir, gerar divertimento, sem que tenha
necessariamente qualquer intenção depreciativa ou desrespeitosa. Muitas vezes o humor carrega
em seus textos e diálogos manifestações ácidas e críticas diretas ou indiretas de maior ou menor
intensidade, com propósito nem sempre definido a não ser o do riso pelo próprio riso.
Não obstante, em algumas situações o uso do humor desmedido fere e gera consequências
indesejadas para as pessoas ou para determinados grupos sociais.
O direito a sátira não é absoluto como acima já exposto, mas o que cabe neste momento é
sopesar se eventual abuso ao direito de sátira no caso concreto dá razão ao pleito de proibir a
exibição, veiculação e propaganda do controverso filme, concretizada pela censura, de forma a
preponderar na situação específica o direito à proteção do sentimento religioso em relação ao
direito da liberdade de expressão artística.
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A tarefa certamente não é fácil como se prova pelo campo fértil de debate que se instaurou
desde a estreia do filme, onde a sociedade brasileira e mesmo internacional, em razão de boicote
lançado, de forma livre, passou a se posicionar sobre o tema. Profissionais de diversas áreas de
conhecimento, o público em geral, pessoas de fé cristã, de outras religiões, ateus e agnósticos
vêm se manifestando, cada qual defendendo seu ponto de vista, sem que necessariamente haja
uma concordância absoluta, mesmo dentro de cada um dos segmentos sociais e religiosos. O que
para uns é escárnio, deboche e desrespeito para outros é apenas humor e crítica desprovida de
maiores consequências.
Ao juiz cabe em hipótese tão sensível observar balizas legais, constitucionais e jurisprudenciais
para formação do seu convencimento, não lhe sendo permitido decidir conforme sua crença ou
ausência desta ou baseado em sentimentos pessoais.
Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal recentemente veio a reconhecer a existência
de Repercussão Geral quanto ao tema da definição dos limites da liberdade de expressão em
contraposição a outros direitos de igual hierarquia, bem como para fixar parâmetros para identificar
hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de
danos morais ou ainda a outras consequências jurídicas:
"REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 662.055 SÃO PAULO RELATOR:
MIN. ROBERTO BARROSO RECTE.(S) :PEA - PROJETO ESPERANCA ANIMAL ADV.(A/S)
:ESTÊVÃO MALLET RECDO.(A/S) :OS INDEPENDENTES ADV.(A/S) :LUIZ MANOEL GOMES
JUNIOR. DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LIBERDADE DE
EXPRESSÃO, DIREITOS DOS ANIMAIS E RELEVANTE PREJUÍZO COMERCIAL A EVENTO
CULTURAL TRADICIONAL. RESTRIÇÕES A PUBLICAÇÕES E DANOS MORAIS. PRESENÇA
DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A decisão recorrida impôs restrições a publicações em sítio
eletrônico de entidade de proteção aos animais, que denunciava a crueldade da utilização de
animais em rodeios, condenando-a ao pagamento de danos morais e proibindo-a de contactar
patrocinadores de um evento específico, tradicional e culturalmente importante. 2. Constitui
questão constitucional da maior importância definir os limites da liberdade de expressão em
contraposição a outros direitos de igual hierarquia jurídica, como os da inviolabilidade da honra e
da imagem, bem como fixar parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser
proibida e/ou o declarante condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras
consequências jurídicas. 3. Repercussão geral reconhecida."
Assim a definição do paradigma do Tema nº 837 do seu repertório:
"Definição dos limites da liberdade de expressão em contraposição a outros direitos de igual
hierarquia jurídica - como os da inviolabilidade da honra e da imagem - e estabelecimento de
parâmetros para identificar hipóteses em que a publicação deve ser proibida e/ou o declarante
condenado ao pagamento de danos morais, ou ainda a outras consequências jurídicas."
Entretanto, não houve até este momento a análise desse Tema pelo STF, de forma que não há
qualquer parâmetro fixado para os julgamentos, com repercussão geral. Consigno ainda que não
houve determinação de suspensão dos julgamentos que possam envolver a matéria.
Assim, no exercício do juízo de ponderação entre caros princípios, direitos constitucionais como
os que se confrontam neste feito e na linha do entendimento jurisprudencial ao qual me filio,
entendo que somente deva ser proibida a exibição, publicação ou circulação de conteúdo, em
verdadeira censura, que possa caracterizar ilícito, incitando a violência, a discriminação, a violação
de direitos humanos, em discurso de ódio.
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Neste sentido saliento trecho do voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da Ação Direta
de Inconstitucionalidade 4.451:
"(...)Vê-se, portanto, que o direito de crítica e o direito ao dissenso desde que não resvalem,
abusivamente quanto ao seu exercício, para o campo do direito penal, vindo a concretizar, em
virtude da conduta desviante, qualquer delito contra a honra (...)".
Na mesma linha, por via transversa, na percepção desta Magistrada, seguiu o posicionamento
do Supremo Tribunal Federal no julgamento habeas corpus nº 82.424-2, onde buscou-se analisar
se a discriminação encontrada nos livros publicados por Siegfried Ellwanger com conteúdo
antissemita poderia ensejar a exceção constitucional da imprescritibilidade.
Mas o que efetivamente interessa ao caso em tela é que, ao debater o assunto da segregação
racial, os ministros concluíram que racismo é a ideologia que defende a superioridade de um
grupo étnico sobre o outro, tendente a promover a discriminação ou até mesmo a eliminação de
determinados grupos étnicos. No livro escrito pelo paciente do referido HC havia insultos e ofensas
que estimulavam a intolerância e o ódio ao público judeu, negando fatos históricos de tal forma
que não mereceu a proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão do
pensamento, tendo em vista que continha manifestações revestidas de ilicitude penal.
Portanto, diante do confronto entre direitos igualmente protegidos pelo ordenamento
constitucional, há que se assegurar que a preponderância de um direito sobre o outro não sirva de
salvaguarda para práticas ilícitas.
Assim, entendo, enquanto não haja decisão diversa do STF em sede de Repercussão Geral,
que somente possa haver a proibição da publicação, circulação e exibição de conteúdos de
manifestações artísticas, filmes e livros pelo Judiciário quando houver a prática de ilícito, incitação
à violência, discriminação e violação de direitos humanos nos chamados discursos de ódio.
Neste sentido a jurisprudência em caso análogo:
"Agravo de Instrumento nº 1553837-5, Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Curitiba-PR Vara: 24ª Vara Cível Agravante: Conselho de Ministros Evangélicos do Estado do
Paraná Agravados: Mariana Zanette e Outros Relator: Juiz Hamilton Rafael Marins Schwartz
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DE CRENÇA E RELIGIÃO.
PEDIDO PARA OBSTAR A APRESENTAÇÃO DA PEÇA TEATRAL DENOMINADA "PORNÔ
GOSPEL". SUPOSTA VINCULAÇÃO DA IGREJA EVANGÉLICA A COMPORTAMENTOS
REPROVADOS PELA INSTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO DA LIMINAR PELO JUÍZO A QUO.
IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE. CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
SOPESAMENTO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA (ARTIGO 5º, IX, 220, §2º,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL) E LIBERDADE DE CULTO RELIGIOSO (ARTIGO 5º, VI, VII, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM
ANÁLISE SUMÁRIA DOS AUTOS. MITIGAÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE
SOMENTE É POSSÍVEL EM CASO EXCEPCIONAL. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES A JUSTIFICAR O
DEFERIMENTO DA MEDIDA NO CASO CONCRETO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO
PROBATÓRIA PARA COMPROVAR O DIREITO ALEGADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO".
O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que sopesados os valores em conflito
mostra-se recomendável que se dê prevalência a liberdade de informação e crítica, como preço
que se paga por viver num Estado Democrático de Direito" ( STJ, Resp 801.109. Rel, Min, Raul
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raújo, 4ª T, DJ 12.3.2013).
Mesmo os julgados da Corte Europeia de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Direitos
Humanos citados pelo parecer do Ministério Público não estabelecem o entendimento defendido
naquela peça. Ao contrário, deixam claro que não pode haver censura prévia, ainda que
posteriormente venha a se reconhecer responsabilidades por exercício abusivo da liberdade de
expressão, a menos em casos excepcionalíssimos.
A recentíssima decisão do Ministro Alexandre de Moraes, proferida nos autos da Reclamação
38.201 de São Paulo, embora não trate do sentimento religioso de forma específica, entende que
não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão em seu sentido negativo,
ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura
sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter sobre o público.
Deixa claro, no entanto, o referido Ministro, que a liberdade de expressão permite posterior
responsabilidade civil e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do Direito de Resposta:
"STF. Reclamação nº 38.201/ SP. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 18/12/2019.
Reclamante: U.C.C. Reclamado: Juíza de Direito da Unidade Regional de Departamento Estadual
de Execução Criminal DEECRIM 9ª RAJ da Comarca de São José dos Campos.
"A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é
exatamente "o cidadão pode se manifestar como bem entender", e o negativo, que proíbe a
ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu
aspecto positivo, permite posterior responsabilidade civil e criminal pelo conteúdo difundido, além
da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a
liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo
do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a
ter junto ao público."
Observa ainda o Ministro, que o funcionamento da democracia exige absoluto respeito à ampla
liberdade de expressão, inclusive da criação artística garantindo-se, portanto, os diversos
discursos, antagônicos - moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos,
literários, jornalísticos ou humorísticos.
Pertinente ainda destacar outro trecho da mesma decisão:
"O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as
opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são
duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas
pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959). Ressalte-se que,
mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional." (STF.
Reclamação nº 38.201/ SP. Relator: Min. Alexandre de Moraes. Julgado em 18/12/2019.
Reclamante: U.C.C. Reclamado: Juíza de Direito da Unidade Regional de Departamento Estadual
de Execução Criminal DEECRIM 9ª RAJ da Comarca de São José dos Campos)"
Os próprios julgados das Cortes Internacionais citadas na decisão também convergem no
mesmo sentido da presente.
Superado esse ponto, não posso deixar de consignar que tenho a compreensão de que
algumas pessoas são mais permeáveis ao riso e ao humor que outras, sem que isto possa
significar falta de caráter, falta de inteligência ou mesmo de cultura, como alguns possam aventar.
Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário
Tribunal de Justiça
Comarca da Capital
Cartório da 16ª Vara Cível
Av. Erasmo Braga, 115 2º Pav. 216c 218 220CEP: 20210-030 - Castelo - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 2588-2499 e-mail:
cap16vciv@tjrj.jus.br
110 ADRIANAM
Ao assistir ao filme podemos achar que o mesmo não tem graça, que se vale de humor de mau
gosto, utilizando-se de expressões grosseiras relacionadas a símbolos religiosos.
O propósito de muitas cenas e termos chulos podem ser questionados e considerados
desnecessários, mesmo dentro do contexto artístico criado com a paródia satírica religiosa.
Contudo, há que se ressaltar que o juiz não é crítico de arte e, conforme já restou assente em
nossa jurisprudência, não cabe ao Judiciário julgar a qualidade do humor, da sátira, posto que
matéria estranha às suas atribuições.
Em que pese a manifesta independência entre o âmbito cível e penal e em análise perfunctória,
típica desta fase processual, não constatei a ocorrência de qualquer ilícito, nem mesmo o do tipo
previsto no artigo 208 do Código Penal, que assim dispõe:
"TÍTULO V DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS
MORTOS CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO. Ultraje a culto e
impedimento ou perturbação de ato a ele relativo
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir
ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto
religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da
correspondente à violência.".
Também não verifiquei violação aos Direitos Humanos, incitação ao ódio, à discriminação e ao
racismo, sendo que o filme também não viola o direito de liberdade de crença, de forma a justificar
a censura pretendida.
Este também foi o entendimento do Juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Zoega
Coelho, ao decidir caso análogo em referência ao "Especial de Natal" do mesmo grupo
humorístico, exibido em 23 de dezembro de 2013, determinando, em acolhimento ao parecer
Ministerial, o arquivamento de Representação Criminal e que à época foi amplamente noticiado
nas mídias.
Ademais, também considero como elemento essencial na presente decisão que o filme
controverso está sendo disponibilizado para exibição na plataforma de streaming da ré Netflix,
para os seus assinantes. Ou seja, não se trata de exibição em local público e de imagens que
alcancem àqueles que não desejam ver o seu conteúdo. Não há exposição a seu conteúdo a não
ser por opção daqueles que desejam vê-lo.
Resta assim assegurada a plena liberdade de escolha de cada um de assistir ou não ao filme e
mesmo de permanecer ou não como assinante.
O periculum in mora para o deferimento da liminar também não se mostra evidentemente
configurado, na medida que a exibição do filme se iniciou no último dia 3 de dezembro e, segundo
notícias divulgadas pela imprensa, já se tornou a obra nacional mais assistida da plataforma ré.
Assim sendo, neste momento, não vislumbro estarem presentes os requisitos legais para à
concessão da liminar requerida na presente Ação Civil Pública.
Cito ainda neste mesmo sentido as recentes decisões proferidas sobre o mesmo filme por outros
Juízos:
Estado do Rio de Janeiro Poder Judiciário
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Comarca da Capital
Cartório da 16ª Vara Cível
Av. Erasmo Braga, 115 2º Pav. 216c 218 220CEP: 20210-030 - Castelo - Rio de Janeiro - RJ Tel.: 2588-2499 e-mail:
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"TJSP. Ação de Obrigação de fazer nº 1016645-74.2019.8.26.0016. Juíza Luciana Antoni Pagano.
1ª Vara do Juizado Especial Cível - Vergueiro. Decisão proferida em 17/12/19. Requerente:
Emanuelle Fischer Saraiva. Requerido: Netflix Entretenimento Brasil Ltda.
"Indefiro o pedido de tutela (para abstenção de veiculação de programa humorístico), por não
verificar neste momento em sede de cognição sumária perigo de dano ou risco ao resultado útil do
processo, também sopesando o direito à liberdade de expressão e livre manifestação o
pensamento (art. 5º, incisos IV e IX da CF), sendo portanto recomendável aguardar a regular
formação do contraditório com manifestação da parte contrária e devida instrução processual -
quando a questão poderá ser apreciada mais profundamente."
"TJSP. Ação de Obrigação de Fazer nº 1071622-58.2019.8.26.0002. Juiz Marcos Blank
Gonçalves. 1ª Vara do Juizado Especial Cível - Foro Regional III - Jabaquara. Decisão proferida
em 13/12/2019. Requerente: Alessandro Fischer Martins Silveira. Requerido: Netflix
Entretenimento Brasil Ltda.
"(...) o pedido de retirada do filme "A primeira tentação de Cristo" da internet ou da programação
das requeridas é um ato de censura. Trata-se de uma obra de ficção, na categoria comédia. A
requerida Porta dos Fundos é conhecida pelo seu humor ácido, se valendo de diversos assuntos
atuais e polêmicos contra tudo e todos. Estamos vivendo no Brasil (pós ditadura militar) um regime
de liberdade de expressão, onde ninguém é obrigado a fazer algo, exceto por força de lei. Nessa
linha de raciocínio, quem se sentir ofendido ou incomodado com esse tipo de humor não deve
assistir, mas nem por isso o Estado-juiz deverá intervir para proibir quem o assim desejar.
O humor ácido também está presente em diversos cantos do mundo, principalmente onde existe a
liberdade cultural de expressão. Na França., circula o Charlie Hebdo, que é uma revista semanal
satírica. Ricamente ilustrada, publica crônicas e relatórios sobre a política, a economia e a
sociedade francesas, mas também ocasionalmente jornalismo investigativo com a publicação de
reportagens sobre o estrangeiro ou em áreas como as seitas, a extrema-direita, o cristianismo, o
islamismo, o judaísmo, a cultura, entre outros temas. A publicação frequentemente satiriza o
Partido Comunista Francês, o catolicismo conservador, a hierarquia judaica e o fundamentalismo
islâmico. O editorial se define como libertário anarquista, sendo um reduto muitíssimo diversificado
do pensamento de esquerda não oficial. De acordo com Charb, a redacção do jornal Charlie
Hebdo "reflete todos os componentes da esquerda plural, e mesmo os abstencionistas". Para
Ziraldo o jornal é corajoso na sua forma de fazer humor. (Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre).
Nos EUA, The Simpsons usam a configuração padrão de uma sitcom, centrada em uma família de
classe média e sua vida em uma cidade norte-americana típica. No entanto, devido à sua natureza
de animação a série tem um escopo mais amplo d que o de um sitcom normal. A cidade de
Springfield age como um universo completo, no qual os personagens podem explorar os
problemas enfrentados pela sociedade contemporânea. Por Homer ter um trabalho em uma usina
nuclear, a série pode comentar sobre o meio ambiente. Através de Bart e Lisa na Escola Primária
de Springfield, os autores ilustram questões controversas no campo da educação. Alguns críticos
dizem que a série é de natureza política e suscetível a um viés esquerda-direita. Al Jean admitiu
numa entrevista que "Nós [a série] somos de tendência liberal", sendo que o termo "liberal" nos
Estados Unidos equivale a progressista, ou seja, a esquerda estadunidense. Os autores
frequentemente evidenciam uma valorização de ideais liberais, mas a série faz piadas com todo o
espectro político. Retrata o governo e as grandes corporações como entidades insensíveis, que se
aproveitam do trabalhador comum. Assim, os autores frequentemente mostram autoridades de
maneira pouco lisonjeira. Em The Simpsons, os políticos são corruptos, os religiosos, como o
Reverendo Lovejoy, são indiferentes aos fiéis e a polícia local é incompetente. A religião também
figura como um tema recorrente. Em tempos de crise, a família muitas vezes se volta para Deus e
assim o desenho tem abordado a maioria das grandes religiões. (Origem: Wikipédia, a
enciclopédia livre. Desta forma, diante da liberdade que cada um dispõe de assistir ou não a
programação de natal humorística citada na inicial, não vislumbro a necessidade prévia de uma
proibição, estando ausentes os requisitos legais para a concessão da tutela antecipada."
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"TJSP. Ação cível nº 1072015-80.2019.8.26.0002. Juíza Marian Najjar Abdo. 1ª Vara do Juizado
Especial Cível - Foro Regional II - Santo Amaro. Decisão proferida em 17/12/19. Requerente:
Munir Selmen Younes. Requerido: Fabio Porchat de Assis.
"Uma das principais lições ensinadas por Jesus é a da tolerância, sobretudo em relação aos
pobres de espírito (e também aos "espíritos de porco"). Embora o autor - como cristão - esteja se
sentindo ultrajado em seu sentimento religioso pelo programa televisivo produzido pela corré Porta
dos Fundos e seus integrantes, e veiculado pela corré Netflix, entendo ausente o perigo de dano
irreparável ou de difícil reparação. A liberdade de expressão, no presente caso, parece, de fato, ter
sido utilizada de forma desvirtuada e abusiva, mas, em princípio, basta que o autor não assista ao
programa em questão e até mesmo não mais mantenha contrato com a corré Netflix, em sinal de
sua indignação. (...) Diante disso, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela."
Isto posto, indefiro o pedido liminar requerido.
Citem-se e Intimem-se, devendo ainda as partes se manifestarem sobre o pedido de Assistência
formulado. Dê-se ciência ao Ministério Público em atuação no feito.
Rio de Janeiro, 19/12/2019.
Adriana Sucena Monteiro Jara Moura - Juiz Titular
___________________________________________________________
Autos recebidos do MM. Dr. Juiz
Adriana Sucena Monteiro Jara Moura
Em ____/____/_____
Código de Autenticação: 4XGB.4AIV.57QD.T3K2
Este código pode ser verificado em: www.tjrj.jus.br – Serviços – Validação de document
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