domingo, 1 de novembro de 2015

Do Hip Hop para o Estado Islâmico

Do hip-hop à jihad, um rapper alemão que virou símbolo do EI

Como Denis Cuspert se transformou em um dos principais recrutadores do grupo

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Denis Cuspert (C), também conhecido como "Deso Dogg", "Abu Malik" e "Abu Talha al-Almani", antes de partir para a Síria. Rapper alemão se transformou em um dos principais recrutadores do Estado Islâmico, antes de morrer em um ataque aéreo no dia 16 de outubro - Henning Kaiser / AFP
WASHINGTON — Por anos as mãos do militante que se apresentava como “Abu Talha Al-Almani” carregaram lembranças, gravadas na pele com tinta preta, de sua antiga vida. “STR8” ( “Straight” ou “sóbrio”) dizia uma tatuagem. “Thug” (“bandido”) dizia outra.
— Isso é da época em que eu vivia como um infiel — afirmou Denis Cuspert, um rapper alemão que se tornou um recrutador do Estado Islâmico (EI), ao “New York Times” em 2011. — Alá irá apagá-las de mim um dia.
Cuspert morreu este mês durante um ataque aéreo americano na Síria. Na ocasião, recrutava militantes fluentes em alemão para o EI e era “um promotor voluntário das atrocidades do grupo”, de acordo com um documento do Departamento de Estado que o classifica como um terrorista.
“Cuspert representa o tipo de recrutador estrangeiro que o EI busca para suas fileiras — indivíduos com um passado criminoso em seus países de origem que viajam para o Iraque a Síria para cometer crimes muito piores contra a população local”, diz o documento.
Ele apareceu, em alguns casos cantou, nos vídeos produzidos pelo grupo. Em um dos vídeos ele aparece sorrindo em um córrego não identificado. Em outro, carrega uma cabeça decepada.
A transformação de “Deso Dogg”, a furiosa estrela do hip-hop em “Abu Talha Al-Almani”, o militante com sangue nas mãos e alvo de ataques é menos incomum do que parece. Como vários dos voluntários ocidentais do EI, Cuspert era um rebelde indignado, sobrevivente de uma criação problemática e de uma vida conturbada, que viu algo na jihad — fé, propósito e a promessa de redenção — que não tinha em seu lar.
Lar, para Cuspert, era Berlim, onde foi criado por uma mãe alemã e um padrasto americano, veterano do Exército. Seu pai, natural de Gana, abandonou a família quando Cuspert era um bebê, afirmou o diário alemão “Der Spiegel”.
Depois de brigar com o padrasto, Cuspert foi mandado a uma instituição para crianças problemáticas por cinco anos, e passou um tempo em uma fazenda na Namíbia, criada para reabilitar delinquentes juvenis. Constantemente, mesmo quando criança, ele se sentia deslocado na Alemanha.
— Cresci com o racismo — afirmou ao “New York Times” em 2011. — Embora minha mãe seja alemã, os professores me chamavam de “Negro” e tratavam mal todas as crianças muçulmanas.
Em busca de uma identidade, ele se juntou a gangues juvenis com outros filhos de imigrantes. A política também lhe deu um propósito — entre a Guerra do Golfo nos anos 1990 e a invasão americana do Iraque em 2003, Cuspert era um rosto frequente nos protestos em Berlim. Sua revolta com a política externa americana também não ajudou a melhorar sua relação com seu padrasto.
O rap lhe deu outra plataforma de protesto. Cuspert lançou seu primeiro álbum em 1995 e adotou o nome “Deso Dogg” anos depois — “Deso” era uma abreviação de “Devil’s son” (“Filho do diabo”). No fim dos anos 2000 ele excursionava com rappers como DMX e sua música tocava na TV alemã.
E então Cuspert encontrou Deus.
Não está claro se Cuspert era muçulmano desde que nasceu — cerca de 15% dos militantes europeus do EI se converteram em algum momento. Mas independentemente de sua exposição prévia, é evidente que seu interesse no Islã teve uma guinada extrema por volta de 2010, logo após um acidente automobilístico que quase o matou.
De acordo com o “Der Spiegel”, a carreira de Cuspert estava em baixa na época, e seus amigos dizem que ele parecia sofrer de surtos psicóticos. O rapper tentou se concentrar nas artes marciais, mas fracassou. A religião se mostrou “uma oportunidade para apertar o botão de recomeço”, afirmou o diário. “Cuspert cometeu vários pecados, e gostava da ideia de poder começar de novo”.
Pouco tempo depois, ele pareceu em um vídeo na internet com Pierre Vogel, um clérigo islâmico que buscava recrutar rappers para espalhar sua mensagem religiosa. “Deixe-me sugerir que você procure outra ocupação”, disse Vogel a Cuspert, segundo o “Der Spiegel”.
No vídeo seguinte, Cuspert se apresentava como Abu Malik e convidava o público para um encontro em uma mesquita.
“Estarei lá também”, diz o rapper no vídeo. “Um fim de semana sem discoteca e sem diversão, para variar”. Ele então se corrige: “Você também pode se divertir lá. É hora de aprender algo para você, sua alma e seu coração”.
Em poucos meses, Abu Malik se tornou um dos principais cantores de nasheeds (canções religiosas), e conquistou um público que nunca alcançara com o hip-hop, e, em março de 2011, conquistou também a desconfiança do governo alemão.
No dia 2 de março de 2011, um imigrante kosovar de 21 anos chamado Arid Uka matou dois soldados americanos no aeorporto de Frankfurt. Pouco antes do ataque, Uka escreveu em sua página no Facebook: “Eu te amo por Alá, Abu Malik”. E, de acordo com o “New York Times”, em seu julgamento, Uka afirmou que escutou as canções religiosas de Cuspert no caminho para o aeroporto. “Ela me deixaram bastante furioso”, disse o imigrante ao juiz.
Na época, Cuspert negou qualquer conexão com Uka, embora afirmasse que apoiava o atentado. Autoridades alemãs tentaram banir seus vídeos e prendê-lo por apologia à violência, mas nunca foram capazes de coletar evidência suficiente para prendê-lo, afirma o diário novaiorquino.
Em 2012, ele havia partido. Em um último vídeo antes sua ida para a Síria, Cuspert, sentado às margens do Rio Reno, anunciava que a Alemanha estava prestes a se tornar uma zona de guerra, afirma o “Der Spiegel”. No mesmo ano, segundo o Departamento de Estado, ele se juntou ao Estado Islâmico e se tornou um dos mais eficientes recrutadores do grupo.
“Irmãos”, ele afirma no vídeo filmado no córrego em 2013. “Eu os convoco para a jihad! É aqui que vocês encontrarão a liberdade”. Com sons de tiros ao fundo, ele sorri enquanto atira água para o alto. “É possível viver aqui. E é divertido. A Jihad é um barato!”
Como muitos outros recrutadores virtuais do EI, o background de Cuspert — músico e ocidental — era parte de seu apelo para o grupo. Em um vídeo publicado em abril deste ano, ele cantava um rap sobre imagens do piloto jordaniano Moaz al-Kassasbeh sendo queimado vivo, informou o site Daily Beast.
“Na França, ações foram realizadas. Na Alemanha, ainda estamos esperando. Queremos o seu sangue”, diz ele em uma canção encorajando seguidores europeus a cometerem ataques em seus países de origem.
“Cuspert era um terrorista estrangeiro e integrante do EI que usiu mídias sociais para se aproveitar de jovens alienados e possíveis militantes ocidentais”, afirmou a porta-voz do Pentágono Elissa Smith ao site Buzzfeed. Elissa confirmou que Denis Cuspert morreu em Raqqa — a cidade no Norte da Síria que se transformou na capital do EI — no dia 16 de outubro.
Via O globo.-

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