Rio gasta milhões com prisões indevidas de acusados por tráfico, diz pesquisa Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/rio-gasta-milhoes-com-prisoes-indevidas-de-acusados-por-trafico-diz-pesquisa-18053588#ixzz3rWQLXoYT © 1996 - 2015. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.


Para ex-diretora do sistema penitenciário do Rio, prisão provisória deve ser o último recurso

Todas as 1.330 prisões em flagrante por tráfico na capital em 2013 foram acompanhadas pela equipe de pesquisadores, coordenada por Julita Lemgruber. O trabalho durou dois anos e tinha como objetivo analisar o acesso dos presos ao direito de defesa. O estudo conclui que o número de pessoas à espera de julgamento é excessivo: 72,5% ficaram encarcerados durante o processo. Destes, apenas 45% acabaram condenados à pena privativa de liberdade. As prisões restantes (55%) são consideradas indevidas pelos pesquisadores, e custaram ao estado R$ 8 milhões, considerando o gasto de R$ 1,7 mil mensais por preso.
— O Brasil tem taxas vergonhosas de presos provisórios em comparação com outros países. O que acontece é um desrespeito à legislação. Prisão provisória deve ser o último recurso. Algumas sentenças são patéticas, mostram quão conservador é o Fórum fluminense, e como o tema das drogas foi demonizado. O traficante virou a síntese do mal na sociedade — afirma Julita, coordenadora do Cesec e diretora do sistema penitenciário do Rio entre 1991 e 1994.
UM ANO PARA FALAR COM O JUIZ
Em média, os acusados ficaram presos 221 dias, pouco mais de sete meses. Há casos grotescos, como o de um homem que passou um ano e um mês atrás das grades antes de ser absolvido pelo juíz por falta de provas. Mas absolvição é prática incomum quando o assunto é tráfico. Um recorte mais minucioso sobre 242 casos mostrou que falta de provas não é algo que impeça a condenação. Especialmente quando os policiais que efetuaram a prisão são as únicas testemunhas de acusação, o que aconteceu em 88,4% dos casos. Trata-se de uma prática exclusiva do Fórum fluminense, autorizada pela chamada Súmula 70, segundo a qual "o fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação".
— A alegação de tráfico quase sempre é feita pelos policiais e aceita pelos juízes, o que contraria a Constituição e o Código Penal. Alguns magistrados se recusam a aceitar a Súmula 70, mas são pouquíssimos — afirma Julita.
Apesar de 80,6% dos réus serem primários, 72,2% estarem sozinhos no momento da prisão, 92,5% não portarem arma de fogo e 85,5% não apresentarem nenhum objeto indicativo de tráfico (prensas, balanças, material de embalagem, dinheiro), as acusações de envolvimento com o comércio do drogas são quase sempre mantidas.
Para Julita, ser acusado de traficante tem a ver com a "rotulagem dos réus segundo atributos econômicos e sociorraciais, que acabam por levar jovens pobres e negros, sem recursos para pagar advogados, ao encarceramento por tráfico". Enquanto isso, continua a professora, "outros jovens, com a mesma quantidade de drogas, mas com melhores circunstâncias sociais e pessoais, são enquadrados como usuários e não submetidos à prisão".
A pesquisadora usa o trecho de uma das sentenças analisadas como exemplo de uma pré-disposição do Judiciário a condenar: "Foi indiciado (o réu) pela prática, em tese, do delito de tráfico de drogas, que é assemelhado ao hediondo, o que evidencia por si só a sua periculosidade".
LUZ NO FIM DO TÚNEL
O estudo mostra que o tempo médio para a primeira intervenção da defesa é de 50 dias após a distribuição do processo. Após este período, 59,6% dos réus foram assistidos por defensores públicos. No entanto, 97% não tinham nenhuma assistência jurídica no momento em que o auto de flagrante foi lavrado na delegacia. Embora seja considerada a mais bem estruturada do Brasil, a Defensoria Pública fluminense tem apenas 35 defensores na área criminal.
— Nada justifica manter uma pessoa presa no início do processo se no fim a perspectiva jurídica é de não condenação à prisão — afirma Márcia Fernandes, coordenadora jurídica da pesquisa.
A pesquisa traz uma revelação otimista, apesar de tudo. A Lei das Cautelares, de 2011, que criou alternativas à prisão provisória, fez cair de 95% para 72,5% o número de acusados de tráfico que continuam presos durante o processo. A queda também é puxada pela implantação das Audiências de Custódia, que preveem a apresentação do acusado em juízo em até 24 horas após a prisão. Mas, por enquanto, as audiências só acontecem na capital, de segunda a sexta-feira.
Via O Globo

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