domingo, 8 de novembro de 2015

Oito meses após criação de lei, crimes de feminicídio ainda são ignorados pelas autoridades


A dançarina foi morta pelo ex-companheiro que não aceitava o fim da separaça; ele confessou o crime. Foto: Reprodução / Facebook
Fabrício Provenzano, Júlia Zaremba, Paolla Serra e Thais Carreiro
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O sonho da dançarina Ana Carolina Vieira, de 30 anos, de encantar as pessoas com a arte foi brutalmente interrompido pelo ex-namorado na última quarta-feira. Talvez ela não conhecesse o caso que ocorrera alguns meses antes, quando Adriana Moraes, de 38 anos, e sua filha de oito meses foram mortas a tiros por Marcelo Barberena, marido e pai das vítimas. Ou o da operadora de telemarketing Camila Castro, de 20 anos, esfaqueada e queimada viva pelo homem com quem mantinha um relacionamento na Bahia, em agosto. As três têm em comum a transformação do amor num ato de crueldade que acabou levando embora suas vidas. Deixou dor para as famílias e engrossou as estatísticas ainda falhas de casos de feminicídios no país.
Adriana e a filha de oito meses foram mortas por Marcelo Barberena Moraes, marido e pai das vítimas, em agosto.
Adriana e a filha de oito meses foram mortas por Marcelo Barberena Moraes, marido e pai das vítimas, em agosto. Foto: Reprodução / Facebook
Os três casos são os poucos exemplos de crimes de feminicídio no país. Levantamento do EXTRA junto às secretarias de segurança de 26 estados revela que apenas quatro passaram a contabilizar este tipo de crime desde março, quando as penas de homicídios contra mulheres foram endurecidas: Acre (2), Brasília (5), Goiás (21) e Paraná (6). A pena do criminoso, neste caso, pode aumentar mais do que o dobro. Ou seja, em vez de 6 a 12 anos, pena para homicídio simples, o acusado pode ser condenado de 12 até 30 anos de prisão.
A maioria, entretanto, ainda não registra estes casos de assassinatos contra mulheres como feminicídio, o que pode acabar beneficiando os autores dessas mortes. A regra, como revela levantamento do EXTRA em casos publicados nos últimos três meses — o jornal noticiou cerca de 50 assassinatos do tipo — , são de casos cometidos por ciúmes de maridos, namorados ou por homens que não aceitaram o fim do relacionamento e que, na maioria das vezes, apresentavam um histórico de violência contra a vítima. Foi o que aconteceu com a operadora de caixa Fabiana Carvalho, de 37 anos, morta pelo namorado em Minas Gerais. O estado é um dos locais onde foram registrados mais casos de mortes de mulheres.
Pesquisas comprovam a gravidade do problema: de acordo com o Mapa da Violência de 2012, 4.465 mulheres foram mortas em 2010 por aqui. Um relatório da organização suíça Small Arms Survey, também publicado em 2012, apontou que o Brasil estava entre os 25 países com maiores taxas de homicídios contra mulheres - 4,3 para cada 100 mil, ocupando o 20° lugar.
Foto: Reprodução / Facebook
Rio de Janeiro: oito meses, uma sentença
Pesquisa feita pelo EXTRA nos registros de ocorrência da Polícia Civil do Rio de Janeiro mostra que, desde março, 267 mulheres foram vítimas de homicídio em todo o estado. De acordo com o delegado Fábio Barucke, na Divisão de Homicídios (DH) de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí, seis casos foram registrados com a qualificadora feminicídio — quatro deles em São Gonçalo e dois em Niterói. Em dois dos casos, os autores foram presos em flagrante e, nos outros quatro, os inquéritos já foram relatados ao Ministério Público.
Na DH da Baixada, dos 62 acusados de morte de mulheres, três foram indiciados por feminicídios. Na capital, foram abertos 85 registros de homicídios contra mulheres, no entanto a delegacia não tem levantamentos sobre quais casos seriam qualificados como feminicídio. Para a advogada Leila Linhares Barsted, Membro do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero, o número de vítimas deve ser ainda ser maior:
— É importante que haja uma boa investigação para saber a relação do autor com a vítima e a natureza do crime, para o feminicídio ser detectado. Precisamos levar em conta que existem tentativas de homicídio que são desclassificadas para lesão corporal grave.
Lecindia Souza, de 31 anos, foi morta por um tiro no peito, disparado pelo marido, o motorista de van Leandro da Cruz, em setembro deste ano.
Lecindia Souza, de 31 anos, foi morta por um tiro no peito, disparado pelo marido, o motorista de van Leandro da Cruz, em setembro deste ano. Foto: Reprodução / Facebook
Segundo Leila, a qualificadora é um grande avanço, mas não pode existir sozinha:
— O Estado viu que existe uma especificidade ao homicídio contra a mulher. Esse crime está ligado aos costumes, ao machismo, ao direito de matar por ciúmes. Por outro lado, não basta a lei. É importante que as instituições façam com que não seja só uma política de repressão, mas de prevenção.
Titular do I Tribunal do Júri da capital há 13 anos, o juiz Fábio Uchoa defende que o sistema penal mais rigoroso tem que ser acompanhado de efetividade também do judiciário.
— A qualificadora ainda não caiu na consciência popular e, talvez por isso, pode não estar trazendo o efeito intimidatório que deveria. Aumentar a pena inibe? Sim, mas tem que haver a certeza de que a decisão será cumprida. Se o homem sabe da existência desse binômio, vai pensar duas vezes antes de matar ou tentar matar a mulher — garante.
A violência não escolhe idade, cor ou classe social
A ONU Brasil aponta que a violência contra a mulher está presente em 70% dos relacionamentos entre homem e mulher. De todos os atendimentos registrados através do 180 nos últimos 10 meses, quase metade deles relatam agressões que começaram no primeiro ano de convivência do casal. E não existe uma faixa etária ou classe social que se destaque nas denúncias:
— A violência contra a mulher acontece em todos os lugares e com todas as mulheres. Ocorre na rua, em espaços públicos e dentro de casa. Este imaginário de que é uma condição exclusiva das classes mais baixas deve ser mudado, pois impede que muitas mulheres e pessoas próximas percebam os sinais da violência a tempo. Para reverter essa falsa percepção no Brasil, é crucial que ela seja entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade física ou a saúde corporal das mulheres — explica Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil.
Elton esfaqueou e ateou fogo no corpo da amante, Camila Castro de Novaes.
Elton esfaqueou e ateou fogo no corpo da amante, Camila Castro de Novaes. Foto: Reprodução / Facebook
Segundo a promotora do Ministério Público de São Paulo e coordenadora nacional da Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), Valéria Scarance, o feminicídio é o “capítulo final” de uma sequência de violências:
— A morte da mulher não é um ato isolado, é o capítulo final em uma história de violência, de uma história de dominação, de humilhação da mulher. Se na primeira notícia de violência, ou quando a vitima procura ajuda, ela é atendida e o agressor é modificado, a tendência é que os índices diminuam. O feminicídio é uma morte que pode ser evitada sabendo identificar a violência — explica.
De acordo a promotora, é possível evitar que as taxas desse crimes, hoje classificados como passionais, continuem a crescer. Para isso, é necessário criar a conscientização nas vítimas de violência sobre a necessidade de falar sobre o tema e denunciar os agressores desde a primeira agressão:
— Os organismos internacionais mencionam que a melhor forma de evitar o feminicídio é interromper a história da violência daquele casal, daquela família. Muitas mulheres acham que só são vítimas de violência quando têm uma marca, mas a agressão psicológica também tem que ser levada em conta. O homem mata a mulher porque vê o corpo dela como seu território, porque acredita que ela lhe pertence. Então, ele não suporta receber um “não”, ou perder o controle sobre a parceira — afirma.
O que é feminicídio?
O feminicídio é uma qualificadora de homicídio que foi incluída no Código Penal pela Lei n° 13.104, de 9 março de 2015. É aplicada em casos de assassinato praticados contra mulheres em razão do gênero, seja por discriminação à condição de mulher ou por violência doméstica e familiar. A pena é de reclusão de 12 a 30 anos.

Via Jornal Extra/Rio


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