Ter, 27/08/13
Depois dos jantares em casa e da tipirraca no Santo António de Lisboa que
ajudaram o Tiago Dias a cumprir o sonho de ir para o Quénia e prestar
apoio na área da Saúde, Educação, Enfermagem, HIV e outras temáticas, o
jovem relata-nos a sua experiência em África na primeira pessoa:
Quase a finalizar a minha quarta semana de
voluntariado em Nairobi no Quénia consegui, por fim, uma resposta
positiva para uma entrevista com a maior e mais reconhecida associação
LGBT queniana. Quis conhecer as dificuldades reais e diárias que as
minorias enfrentam em alguns países mais fechados à diferença, e esta
entrevista possibilitou-me uma experiência única num mundo desconhecido à
população queniana e desvendar a realidade por detrás da legalidade e
aproximar-me do ciclo restrito da vida gay em Nairobi.
Convém referenciar em primeiro lugar que a
homossexualidade continua a ser punida por lei e a mostra de carinho ou
comportamentos homossexuais em locais públicos pode dar direito a cadeia
(em pleno século XXI, no Quénia que se afirma um dos países mais justos
e menos conservador de África).
Na passada sexta-feira, depois de muitos contactos
por via e-mail e telefone por parte de uma amiga queniana colaboradora
no projecto Passo Positivo (projecto pessoal na área de HIV que realizo
em Kibera, a maior favela do mundo) surge uma mensagem inesperada para
um encontro com um activista gay queniano disposto a falar abertamente, e
na primeira pessoa, sobre o que é viver com a diferença e com a
discriminação diariamente em Nairobi. Inúmeras mensagens depois, apanhei
um táxi para uma zona de Nairobi desconhecida para mim até então e para
o taxista, ao ponto de que para obter as indicações correctas sobre o
local de encontro fiquei sem saldo. Após 10 euros e 40 minutos dentro do
táxi consegui chegar a uma zona industrializada e bastante deserta de
Nairobi. Na realidade, pareceu-me mais perigoso e sinistro do que as
favelas onde trabalho diariamente. Quando o táxi parou aproximou-se de
mim o Bonnie, um queniano de 30 anos, com tamanho de impor respeito a
muitos lutadores profissionais. Depois de uma breve apresentação, onde
não faltou uma referência ao nome de Cristiano Ronaldo (é uma constante
sempre que digo que sou de Portugal), finalmente chegamos às instalações
da GALCK – Gay and Lesbian Coalition of Kenya, localizadas num 3º andar
de um edifício industrial onde a luz do dia é pouca, mas se encontram
muito bem organizadas e com condições que considero óptimas dada a
realidade do país. O primeiro passo foi a apresentação das instalações,
divididas em diferentes secções: uma sala para o apoio legal, apoio
psicológico para transexuais, salas de reuniões, sala de convívio e,
claro, a cozinha onde o chá e o café está sempre pronto e é grátis para
todos os que aparecem para dar ou procurar ajuda. Foi ali que comecei
por me hidratar com um chá frio (os 39 graus de Nairobi não perdoam) e
fiz a primeira pergunta ao Bonnie:
Tiago Dias: O que é a GALCK e para que é que existe?
Bonnie: A GALK surge de uma coligação de várias
associações minoritárias do mundo LGBT e de Direitos Humanos. Pretende
criar um ambiente seguro de trabalho para todas as micro-organizacoes
LGBT existentes e uma plataforma com mais força legal e social para
lutar pelos direitos das pessoas LGBT. O objectivo é promover o
reconhecimento, a aceitação e a defesa dos interesses e direitos das
organizações LGBT e dos seus membros. Surgiu em 2006.
Existem outras organizações que defendem os direitos
dos gays e cada ano surgem novas e em diferentes cidades, o que revela
um sinal positivo no esforço para o maior reconhecimento da verdadeira
realidade vivida no país. Temos por exemplo, o Gay Kenya (grupo de
advocacia que defende os Direitos Humanos, comprometido em lutar por
todas as opressões legais, sociais económicas e culturais sofridas pela
comunidade LGBT queniana), a TEA- Transgender Education and Advocacy
(trabalha para a defesa dos direitos dos transexuais e na defesa destes
contra acções legais discriminatórias por parte do governo) e a
AFRA-Kenya - Artists for Recognition and Acceptance (grupo de lésbicas,
bisexuais e transexuais que quer o reconhecimento artístico).
És originalmente de Nairobi? Que funções desempenhas nesta organização?
Sou natural de Nairobi, tenho trinta anos recém
cumpridos e neste momento sou voluntário, pois recentemente passei a
pasta da presidência da GALCK a uma colega. Senti que tinha chegado o
momento de uma geração mais nova assumir a responsabilidade e lidar com
uma abordagem fresca os problemas passados e os novos que têm surgido.
Acredito que é nas novas gerações que podemos encontrar novas soluções
para os problemas, apesar de eu não ser muito velho (risos). No Quénia
aos 40 é normal ser-se avô e pensar na reforma (risos)
Como foi a descoberta da tua sexualidade?
Sempre senti curiosidade pelo mesmo sexo, sempre
tive uma vontade presente, mas foi muito mais tarde quando tive o meu
primeiro contacto sexual com um homem. Aconteceu entre os meus 24/25
anos, com um desconhecido. Não foi romântico nem muito pensado, surgiu
de forma inesperada e eu respondi por impulso. Fui abordado por um
desconhecido numa paragem de autocarro. Um homem perguntou-me sem
rodeios se eu queria “brincar um pouco em casa dele”. Com medo do risco,
mas com vontade de poder ter a minha primeira aproximação sexual
respondi que sim, sem medir o risco desta decisão. Infelizmente ocorrem
muitos casos desta forma aqui, porque não temos locais de convívio
público para estas situações acontecerem com normalidade.
Continua a ler a restante entrevista nos próximos dias aqui no dezanove.pt
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