Pular para o conteúdo principal

Carta a Sacha Meneguel



Sasha virou jogadora de vôlei do Flamengo. Mas não pode ser fotografada. Imagina se na transmissão de um jogo do Barcelona os fotógrafos forem impedidos de fotografar o Neymar?
Sasha virou jogadora de vôlei do Flamengo. Mas não pode ser fotografada. Imagina se na transmissão de um jogo do Barcelona os fotógrafos forem impedidos de fotografar o Neymar?
Sasha virou jogadora de vôlei do Flamengo. Mas não pode ser fotografada. Imagina se, em um jogo do Barcelona, os fotógrafos forem impedidos de fotografar o Neymar?
Olá, Sasha,
Queria fazer uma pequena provocação para você.
Não do tipo que você recebeu quando postou tweets com “erros gramaticais”, aos 11 anos de idade. Como se todos os brasileiros fossem letradíssimos, ainda mais nessa idade. Aquele bullying virtual que você sofreu foi um absurdo, principalmente por ser direcionado a uma criança.
Agora minha provocação é dirigida a uma adolescente, a uma pré-adulta. Afinal, você tem 15 anos, pelo que pesquisei agora no Google.
Foi aos 15 anos que comecei a pensar com a minha própria cabeça. Acho que é mais ou menos por essa idade que a maioria das pessoas começa a virar quem elas realmente são. Comecei a refletir sobre a profissão que eu queria seguir pelo resto da vida — o jornalismo –, sobre religião, sobre a família. Foi também quando vivi um pequeno choque pessoal: tive que abandonar a natação por causa de uma tendinite crônica no ombro (eu era atleta do Minas Tênis Clube, um rival do Flamengo, e palco do que vamos relatar abaixo). Também foi o ano que perdi minha avó paterna. E também foi quando perdi minha cachorrinha, e só quem tem um cachorrinho por mais de dez anos sabe como isso é importante a ponto de entrar nessa lista. Foi quando acho que me apaixonei pela primeira vez. Foi quando fiz minha primeira viagem internacional. Foi quando li Carl Sagan e descobri as belezas do ceticismo. E decidi que não queria festa de 15 anos, que sempre achei um porre (ia para as festas dos colegas mais por obrigação do que por vontade, e sempre ia embora logo que o baile acabava). Enfim, foi um ano bem movimentado na minha vida, principalmente do ponto de vista intelectual.
Com você não é diferente. Porque é assim com todas as meninas. Não sei quanto aos meninos, eles costumam ser mais atrasados. Mas as meninas todas passam por uma sacudida nessa idade.
Sei muito pouco sobre você. Não costumo ler revistas de “celebridades”, inclusive porque as celebridades que me interessam não costumam entrar nessas revistas. O que sei sobre você cabe em um parágrafo curto: quando sua mãe ficou grávida de você, isso foi anunciado no Domingão do Faustão. Quando você nasceu, o parto foi televisionado pelo Jornal Nacional, o telejornal mais influente do país, numa “reportagem” que durou uns dez minutos — provavelmente o parto mais documentado e exposto da história do Brasil. Quando já conseguia andar, você começou a aparecer de vez em quando nos programas da sua mãe. Todos os seus aniversários foram expostos nas tais revistas e na “mídia especializada”. Tudo isso aconteceu contra a sua vontade, porque crianças não têm discernimento para decidir sobre como expor as próprias vidas — pelo contrário, elas precisam ser protegidas pelos pais e existe um Estatuto da Criança e do Adolescente justamente para garantir isso. Tudo aconteceu, portanto, a sua revelia. Você não pôde nem tinha condições de opinar, porque já estava presa nessa bolha desde antes de nascer.
Passei uns bons anos sem me lembrar da sua existência. Até que, na semana passada, li uma notícia que dizia que você tinha virado jogadora de vôlei do Flamengo e chegou a ser convocada pela seleção carioca da categoria infanto-juvenil. Muito legal que esteja praticando esportes e tenha encontrado um talento próprio, uma luz à parte das pretensões de vida de modelo-apresentadora-e-atriz que parecia ser reservada a você desde sempre. Não fosse por um porém: fiquei sabendo dessa sua nova fase da pior maneira possível: repórteres-fotográficos que cobriam o jogo — como cobrem qualquer jogo — foram ameaçados e, no caso de um deles, agredido por seguranças truculentos (supostamente) do Flamengo, que diziam ter feito isso porque o clube tinha um acordo com você de preservar sua imagem.
Repare bem: não eram paparazzi te perseguindo para falar da sua noitada, mas profissionais cobrindo um jogo de um dos maiores times do Brasil, fotografando não só você, mas toda a equipe. O fotógrafo agredido talvez tenha sofrido uma fratura na coluna — em seu nome, veja bem. Terá que ficar dez dias afastado do trabalho.
Fotográfico do "Estado de Minas" Gladyston Rodrigues sofreu fratura na coluna após agressão cometida em nome da proteção a Sasha. Foto: "O Tempo".
Repórter-fotográfico do “Estado de Minas” Gladyston Rodrigues sofreu fratura na coluna após agressão cometida em nome da proteção a Sasha. Foto: “O Tempo”.
Depois do incidente, sua mãe não veio a público lamentar o que houve e garantir que não concorda com essa agressão gratuita. Ela silenciou.
Se a ideia era te proteger de superexposição, falhou imensamente, já que sua foto saiu estampada na primeira página dos jornais do dia seguinte — e associada a uma agressão absurda. O assunto passou a ser comentado nos sites, nas redes sociais, blogs, rádios e todo tipo de mídia — e não era destacando seu desempenho no jogo. Seu brilho pessoal na sua escolha de seguir uma outra carreira foi totalmente ofuscado pela superproteção desnecessária e truculenta — que é totalmente espantosa, levando em conta a superexposição em que você vive desde antes de nascer.
Imagino o quanto deve ter chorado ao ver o papelão que te fizeram passar naquele dia. Como deve ter batido portas e gritado um sonoro “Te odeio!”, como costumam fazer alguns adolescentes em relação a pais opressores. Eu te entendo. Você não é um fantoche, é uma pessoa. E agora está na idade de ser você mesma, como dizia aquele poema do Paulo Leminski que linkei alguns parágrafos acima.
Por isso, Sasha, resolvi te escrever esta carta. É hora de você romper essa bolha. É a idade de se rebelar desse mundinho que te constrange e envergonha, em vez de te incentivar no único momento em que decidiu alçar seu próprio voo-solo. Se você é atleta de um clube como o Flamengo, e quer mesmo seguir nessa vida de atleta (é árdua, viu?), é preciso que saiba que você é a pecinha de um time e que essa engrenagem só funciona porque todos são igualmente importantes em sua função. Vôlei é um esporte de equipe, de coletivo. Você não pode impedir que o jogo seja coberto e transmitido pelas TVs, como sempre foi. Você não pode constranger as colegas de equipe, que nem podem falar a seu respeito, por força de contrato. Você tem que se impor, se quiser ter luz-própria, para garantir o seu sagrado direito de ser como todas as outras do time.
Reaja, menina! E sirva de inspiração a outras crianças e adolescentes que, em vez de receberem o cuidado dos pais “famosos”, se veem presos numa armadilha de constrangimento e de cerceamentos e agressões inadmissíveis, cometidos em seu nome.
De cá, fico na torcida para que sua vida seja muito feliz e você encontre seu próprio lugarzinho no mundo. Que a opção e a liberdade de escolha cheguem algum dia para você, antes tarde do que nunca ;)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CANCRO MOLE