Goleiro assume homossexualidade e enfrenta preconceito no interior do RN
Goleiro assume homossexualidade e enfrenta preconceito no interior do RN
Xodó do Palmeira de Goianinha, Messi abstrai xingamentos das torcidas adversárias e lida com o desgosto dos pais devido à sua opção sexual
Por Mariana KneippDireto de Goianinha, RN
Apito final, e termina mais um treino do Palmeira de Goianinha-RN, cidade com 18 mil habitantes que fica a 54km de Natal. Xodó da torcida por defender um pênalti na final de um campeonato amador da região e garantir o título, Messi é escolhido para uma entrevista com o profissional de marketing, que quer conhecer melhor os jogadores. De forma tímida, ele sai de campo, ajeita os óculos no rosto, abre um sorriso discreto com o aparelho nos dentes e fala sobre o que para ele não era algo digno de despertar tamanho interesse: sim, é homossexual.
O jogador passou a ficar sob os holofotes da região, a poucos dias do início da disputa da Segunda Divisão do Campeonato Potiguar. Alheio a qualquer indício de preconceito, Jamerson – nome que deu origem ao apelido Messi – fez questão de atender aos pedidos da mídia local, sem alterar sua rotina. Treinos pela manhã ou à tarde, e festas com os amigos à noite. Mudança de comportamento para não chamar a atenção na balada? Também não. Blusas baby-look, brincos com pedrinhas brilhantes e coreografias de forró não saíram da programação do solteiro de 24 anos, que terminou um relacionamento há pouco tempo, por “problemas de interesse financeiro” (Messi recebe um salário de R$ 850).
- Quando eu era mais novo, não fazia muita amizade, nem gostava de comprar coisas para mim. Era muito preso aqui dentro (aponta para o coração). Depois que eu assumi, tudo mudou. Agora, quando não atrapalha os treinos, vou para todas as festas da região. Gosto de sair com as minhas blusas coladas, calças da moda e meus brincos. Para enfeitar mesmo. E, se eu não fosse goleiro, gostaria de ser dançarino de forró. Adoro dançar.
Dentro de campo, a conversa é outra. Discreto, Messi pouco orienta a zaga do Palmeira durante o coletivo. Porém, o comportamento não se dá por qualquer discriminação do time, que até brinca com ele sobre seu “físico bonito” durante as aulas de musculação. Na hora, recebem a resposta do magrinho de 1,78m: “O de vocês é mais”.
O goleiro divide um alojamento de três dormitórios, com apenas colchões no chão, com três jogadores: Zig Zig, Josiclei e Pedro Pancada. O último, um zagueiro que tem fama de ser durão dentro de campo – e é, faz faltas duras, com direito a muitos carrinhos –, deixou o preconceito de lado e aceitou o colega, quando chegou ao time, há cerca de um mês.
Depois que eu assumi, tudo mudou. Agora, quando não atrapalha os treinos, vou para todas as festas da região. Gosto
de sair com as minhas blusas coladas, calças da moda e meus brincos. Para enfeitar mesmo"
de sair com as minhas blusas coladas, calças da moda e meus brincos. Para enfeitar mesmo"
Messi
- Nem precisou ter conversa séria com ele. É muito quietinho. Não tenho nenhuma reclamação sobre as preferências dele. Só não costumamos sair juntos porque temos gostos musicais diferentes, mas isso também não seria um problema - garantiu Pancada.
Messi afirma que não sente discriminação à frente do gol, mas, longe dele, já foi defendido por seus colegas. Além de xingamentos da torcida adversária, respondidos pelos fãs do jogador nas arquibancadas, há também provocações mais próximas. Zig Zig, por exemplo, ouviu “besteiras” de um funcionário do campo do Seu Neto, local de treinos do Palmeira. Sentado no banco de reservas devido a uma lesão no pé direito, o zagueiro foi questionado: “E aí, quando vai assumir o namoro com aquela ali?”. O retorno foi “ligeiro”, como se diz no Rio Grande do Norte.
- Olha aqui, seu cabra, não venha aqui pegar no pé de ninguém, ouviu? Ele é o melhor goleiro que eu já vi na minha vida. E é só isso que importa - gritou, encarando o engraçadinho.
Messi posa para foto ao lado da mãe (dir.) e da avó (Foto: Mariana Kneipp / Globoesporte.com)
Para mãe, homossexualismo é o ‘único desgosto’ dado pelo filho
Apesar de ser defendido e aceito pelos jogadores, Messi faz questão de ir para casa quase todos os dias. Ao fim do treino, sobe em sua moto e dirige por 20km até Passagem, município com apenas três mil habitantes. É lá, na Rua da Esperança, que fica a casa de seus pais, construção simples, de dois cômodos, em cor laranja, onde guarda seus troféus e recordações de infância. Ao olhar para um retrato do filho de uniforme escolar, dona Odete suspira. Muito religiosa, ela conta que o dia que teve “aquela conversa” com o filho foi o pior de sua vida.
- Até ele fazer 18 anos, eu ouvia coisas, mas não acreditava que era possível. Quando ele disse que queria conversar e me contou, só faltei morrer. Se dependesse da minha vontade, ele não seria isso. Mas foi o único desgosto que ele me deu, porque é um menino de ouro. Eu o amo, acima de tudo.
Até ele fazer 18 anos, eu ouvia coisas, mas não acreditava que era possível. Quando ele disse que queria conversar e me contou, só faltei morrer. Se dependesse da minha vontade, ele não seria isso"Odete, mãe de Messi
Mais arredio, o pai tenta não deixar transparecer uma atitude machista, que foi assim descrita pelo próprio filho, quando contou sobre sua reação ao assumir a homossexualidade. Sempre em pé e com os olhos desconfiados, seu José Roberto diz que “teve de aceitar” a opção do primogênito e logo muda de assunto para algo que sabe que consegue conversar com ele: o futebol.
- Eu também fui jogador, dos bons. Era atacante, assim como o Messi quando era criança. Ele chutava com os dois pés, engenhoso mesmo. Mas tem que aprender que não tem essa de Palmeiras, o Tricolor é o melhor time do mundo - afirmou, em tom forte, para ver Messi revirar os olhos sentado no sofá.
O goleiro é fã de Marcos e torce pelo Palmeiras, clube que deu origem ao nome de seu time atual. O Palmeira de Goianinha foi fundado por dois palmeirenses, Antônio Barbosa de Lima e João Pereira dos Santos, que queriam homenagear o time paulista. Porém, um erro de digitação na hora do registro deixou a letra s fora do documento.
Ídolo nas ruas, adversário em campo
Messi sonha conhecer Marcos e jogar ao seu lado no Palmeiras. Seus planos são apoiados pelo goleiro reserva. Delano já teve passagens por clubes do Recife e não está gostando nada do foco dos holofotes estar virado apenas para o concorrente da posição.
- Ele é muito bom, mas acho que essa atenção toda pode virar a cabeça dele. A gente sabe que futebol é muito ligado à disciplina, rigidez nos treinamentos. Então, ficar pensando em outras coisas, falar o que não deve, pode prejudicá-lo até na hora da transferência para um clube maior.
O goleiro - que nega a ajuda da mãe na função de empresária - já teve propostas de três clubes da região Nordeste, como o Botafogo-PB. Também já treinou nas categorias de base do América-RN, mas foi dispensado por sua baixa estatura. Com contrato assinado por mais uma temporada, será valorizado em uma possível negociação, garante o presidente do Palmeira, Cláudio José Freire, o Cal.
Presidente do Palmeira no estádio da cidade
(Foto: Mariana Kneipp / Globoesporte.com)
(Foto: Mariana Kneipp / Globoesporte.com)
- Ele é excelente. Conquistou todo mundo na cidade, é muito querido. Torço para que ele cresça na profissão, mas, para sair daqui, vão ter que me convencer de que vai ser realmente bom para ele.
A opinião de Cal é reforçada pela torcida. Basta uma caminhada curta pelas ruas de Goianinha para perceber. O goleiro é realmente idolatrado pelo povo da pequena cidade potiguar. Em lojas, restaurantes e pontos de moto-táxi, é difícil achar torcedores do Palmeira, mas fãs de Messi estão em cada esquina.
- Melhor goleiro, não tem. Podem mexer com ele durante todo o jogo, que ele nem se abala. Fica até mais forte depois disso. É uma muralha. Não me importo com o que ele gosta ou o que faz depois, o que vale é como joga bem dentro do campo - disse o motoboy Bolacha.
‘Celebridade? Não, obrigado’
Apesar de ser reconhecido em todos os cantos de Goianinha, Messi não gosta de ser tratado como ídolo. Humilde, acatou a decisão do treinador Erijânio Lunga, que pediu para ele diminuir o número de entrevistas para não atrapalhar os treinos.
- Veio muita gente aqui. Tudo virou de cabeça para baixo há cerca de um mês. Então, pedi que maneirasse mesmo. Mas ele é um menino bom, com cabeça boa. Como goleiro, ainda precisa superar a altura e trabalhar mais a parte técnica. Fora isso, não dá trabalho nenhum. Se pensarmos na quantidade de jogador que faz besteira por aí, bebendo, se drogando... ele é excelente.
Messi realmente nega esse efeito celebridade causado após sua declaração. Sabe que é algo que fará seu nome ser projetado nacionalmente, o que pode iniciar um interesse de outros times e levá-lo a sofrer preconceitos fora de seu estado. Se ele tem medo disso?
- Não, a minha cabeça é aberta.
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