TERRA INDÍGENA ALTO RIO GUAMÁ, Pará (Reuters) - Com medo de
um ataque noturno, a indígena Rita de Cassia Tembé dorme com lanças pontiagudas
debaixo de sua rede para se proteger de uma possível invasão na Terra Indígena
Alto Rio Guamá, que tem sido visada por madeireiros que atuam de forma ilegal
no nordeste do Pará.
Sérgio Muxi Tembé, cacique da tribo Tembé, posa em sua casa
em aldeia perto de Paragominas, no Pará 12/09/2019 REUTERS/Ricardo Moraes
“Os madeireiros estão dentro da nossa área, eles ficam invadindo
e nós ficamos muito preocupados”, disse a indígena, de 26 anos, em entrevista à
Reuters.
“De noite a gente não dorme direito, fica pensando nos
madeireiros chegando aqui e matando a nossa gente dormindo. Por isso que a
gente dorme com as armas debaixo da rede, não está bom para a gente não.”
A tribo Tembé, que ocupa uma das terras indígenas mais
antigas do país, enfrenta constantes invasões, principalmente de quadrilhas de
madeireiros ilegais, de acordo com o Ministério Público Federal no Estado do Pará,
que no início do mês solicitou uma operação urgente da PF e do Exército na
região.
No mês passado, quando o Pará foi um dos Estados da região
amazônica a registrar alta expressiva no número de focos de incêndios
florestais em relação a 2018, indígenas da tribo decidiram expulsar invasores
por conta própria, o que aumentou o clima de tensão na região.
“A quentura já está
ficando muito quente e nós não gostamos disso”, afirmou o líder indígena
Jacinto Tembé, um dos vigilantes armados da tribo.
“Eles querem invadir a nossa aldeia... Nós não podemos dizer
que estamos preparados para guerra, porque nós não temos poder de ir de
encontro com o mundo. Eles têm arma pesada, eles têm arma boa, nós não temos,
mas nós também não ficamos quietos. Nós pisamos em cima do sangue dos nossos
avós, dos nossos pais que já passaram, e vamos lá, não tem jeito, vamos morrer,
mas nós vamos matar também.”
De acordo com o pedido de operação apresentado pelo MPF no
início de setembro, há necessidade de “atuação urgente” por parte dos órgãos
estatais competentes na terra indígena, uma vez que, embora a situação de
conflito já seja de conhecimento dos órgãos públicos, novos relatos indicam
“ter havido agravamento no risco de conflitos, com resultados potencialmente
graves e imprevisíveis”.
Procurada pela Reuters, a Secretaria de Segurança Pública e
Defesa Social do Pará (Segup) disse que a terra indígena encontra-se em área
federal, sendo, portanto, de responsabilidade da Polícia Federal.
“A Segup esclarece ainda que com a instalação da Garantia da
Lei e da Ordem (GLO), o Exército Brasileiro é quem conduz as ações em áreas
federais, e que deve, ao julgar necessário, solicitar o apoio dos órgãos de
segurança pública estadual, fato este que ainda não ocorreu”, afirmou, em nota.
Também procurado, o Ministério da Defesa não respondeu a um
pedido de comentário. O Ministério da Justiça e Segurança Pública encaminhou a
solicitação para a Polícia Federal, que não respondeu de imediato.
O cacique Sérgio Muxi Tembé, que afirma ter sido ameaçado
diretamente de morte pelos madeireiros, disse que autoridades federais e do
Pará foram diversas vezes informadas sobre as ameaças, mas que nada foi feito
em defesa da tribo.
Segundo o cacique, declarações do presidente Jair Bolsonaro
contra as reservas indígenas e em defesa da exploração da floresta contribuem
para aumentar as invasões.
“A gente sabe que o atual presidente da República, pela
formação que ele está passando, é um incentivo mais ainda aos invasores para
invadir, ou seja, destruir com a Amazônia, ou seja, a terra indígena”, afirmou.
O Pará é o Estado onde foi deflagrado no mês passado o
chamado “dia do fogo”, que ficou internacionalmente conhecido pelos focos de
incêndio na Amazônia que resultaram em cobrança internacional sobre o Brasil
pela preservação da floresta.
De acordo com o MPF, as autoridades de segurança do Estado
poderiam ter até mesmo evitado o incidente se tivessem garantido suporte
policial para ações de fiscalização promovidas pelo Ibama e ICMBio no combate a
desmatamento, queimadas e outros crimes ambientais no Estado.
“Não fosse a negativa da PM de suporte ao Ibama, o evento
que ficou mundialmente conhecido como ‘dia do fogo’ poderia ter sido minorado
ou até mesmo evitado, além de diversas outras situações de riscos e de afetação
direta à integridade da biodiversidade do país”, disse o MPF em documento do
início de setembro em que cobrou suporte da PM do Pará em ações de fiscalização
ambiental.
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