sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Conheça a Igreja Apostólica Brasileira que permite padres casados







Católicos que romperam com o Vaticano, propõem uma “modernização” das práticas católicas, permitindo, assim, casamento de divorciados e padres
Por Redação
Você conhece a Igreja Católica Apostólica Brasileira (ICAB)? Não, não a homônima, a Igreja Católica em Roma, a mais popular do país. A ICAB é uma igreja totalmente independente, sendo fruto justamente de uma ruptura com o Vaticano, visando uma modernização das práticas católicas e por considerá-lo “dogmático”.
Quando surgiu, na década de 1940, a ICAB rompia com uma tradição que a Igreja Romana só aboliria 20 anos depois, por exemplo: a missa na língua vernácula, em vez do latim. A igreja dissidente não só segue o papa Francisco, como casa divorciados. Os padres podem casar.
“Deus não colocou ninguém no mundo para sofrer. O casamento, quando não dá certo, você tem que viver até que a morte separe?”, justifica dom Luiz Fernando Cabral de Barros, bispo da Diocese Brasileira de Fortaleza. Já com relação ao casamento de padres, ele cita a I Carta de São Paulo a Timóteo, da Bíblia. “O diácono seja marido de uma só mulher e governe bem seus filhos e a própria casa”, diz o versículo 12 do capítulo III.
Foi isso, aliás, que levou dom Fernando à ICAB: após concluir o seminário católico romano, ele deixou a Igreja. Dom Fernando se via com vocação para o sacerdócio, mas não para o celibato. “O celibato tem sido apenas motivo de escândalos dentro da Igreja”, dizia, já na década de 1930, dom Carlos Duarte Costa, o fundador da ICAB, segundo lembra dom Fernando.
Outra diferença entre as igrejas católicas referem-se aos santos — a ICAB ordena os seus próprios, o que o que tem consequência direta na religiosidade cearense. Se Padre Cícero só conseguiu em 2015 reabilitar-se historicamente na Igreja do Vaticano e sua beatificação ainda é um sonho para seus seguidores, desde a década de 1970, ele é considerado santo pela ICAB. É o “São Cícero de Juazeiro”.
No Ceará, a religião reúne 24.262 pessoas, conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o nono Estado com mais adeptos da religião no país — ao todo, são 560 mil as pessoas que declararam ao Censo 2010 pertencimento ao credo. Em Fortaleza, a igreja tem 14 templos. Sua catedral está no Parque Itamaraty, no bairro São Bento.
História
A ICAB tem como marco de sua história o ano de 1945. Em 6 de julho daquele ano, dom Carlos Duarte Costa fundava a nova igreja, no mesmo momento em que era expulso da Igreja Romana, da qual era bispo desde a década de 1920.
Em Manifesto à Nação — Igreja Livre no Estado Livre, publicado pela ocasião da expulsão, o religioso elencava os motivos que o levaram a ser excomungado e fundar a nova igreja. Muito do documento é dedicado a denunciar uma suposta omissão da Cúria Romana frente ao Nazi-Fascismo.
Em 1942, ele havia enviado uma carta ao então presidente Getúlio Vargas parabenizando-o por declarar guerra às Potências do Eixo, na Segunda Guerra Mundial. No entanto, ele alertava: era preciso expulsar do país os membros da Igreja Católica simpáticos ao Fascismo.
“Os crimes praticados pelo clero, durante a guerra, são domínio público. Ficaram impunes, porque a Nação sabe que o Tribunal de Segurança é composto de fascistas”, afirmava dom Carlos no manifesto, em referência ao órgão destinado a julgar “subversivos” durante o Estado Novo.
Ele também via como “instrumentos de defesa do fascismo” as encíclicas Divini Redemptoris, Rerum Novarum e Quadragésimo Anno, esta publicada em ocasião do aniversário da segunda. As encíclicas são parte da base da Doutrina Social da Igreja. Mostravam preocupação com a concentração de riquezas e com a insegurança social dos mais pobres, mas também defendiam a inviolabilidade da propriedade privada, condenando, assim, o socialismo — especialmente, na vertente marxista.
“Sendo a questão da propriedade privada a mais importante de todas, porque, enquanto ela não for resolvida, o mundo continuará sendo de poucos, este o motivo porque achei que estas encíclicas devem ser arquivadas, porque fascistas”, afirmava dom Carlos.
Em um contexto de polarização que prenunciava a Guerra Fria, dom Carlos recebia constantemente “acusações” de ser simpatizante do comunismo. Reforçava essa noção o prefácio que escreveu do livro O Poder Soviético, de Hewlett Johnson, deão da Igreja Anglicana. Lá, ele defendia que o regime soviético deixara de “inspirar terror”, inclusive, religioso. “A Rússia, soldado a serviço das democracias contra os tiranetes totalitários que, na embriaguez do sangue, golpeiam as culturas, retardando, assim, a marcha da civilização”, escreveu.
Em 1944, ele havia sido preso, por ordem do governo da República, que atendia a pedido do Núncio Apostólico e do Arcebispo do Rio de Janeiro — “mancomunado com um grupo de fascista brasileiros”, denuncia Dom Carlos. Na prisão, foi fichado como comunista. A pena foi convertida para prisão domiciliar, “com sentinela à porta e investigadores dentro de casa”. “Ele foi um precursor da Teologia da Libertação, um profeta”, comenta Dom Fernando, em referência a uma corrente doutrinária que defende a preferência da Igreja aos pobres e ao combate das injustiças sociais.
“Ele falava muito na questão da terra, quando raramente alguém tinha coragem de falar nisso — e, ainda hoje, não tem”. Não a toa, o tema da ICAB é “Deus, Terra e Liberdade” — atualmente, também se usa “A Igreja que ama você”. Para dom Fernando, a postura de dom Carlos era coerente com os os ideais de fraternidade deixados por Jesus Cristo, cujos princípios seriam hoje considerados socialistas, como dividir o pão. Ele defende que cristãos “autênticos” precisam se engajados.
Outra polêmica doutrinária era tida com relação ao poder do Vaticano. “O papa é simplesmente o Bispo de Roma, como eu fui Bispo de Botucatu, e posteriormente, Bispo titular de Maura e agora, por vontade popular Bispo do Rio de Janeiro”, declarava dom Carlos. Para ele, tal hierarquia era uma subversão das práticas da Igreja Católica em seus primeiros séculos.
“Suas igrejas não se prendiam à de Roma, por nenhuma filiação vigorosa: eram irmãs dela, não filhas, sendo absolutamente desconhecido o sumo pontificado romano, ao qual, durante os primeiros seiscentos anos, nenhuma igreja se filiou, senão somente pelos fins do século IV, a Saxonia”.
Em 1970, nove após a sua morte, dom Carlos Duarte Costa foi alçado a São Carlos Duarte. “Ele não queria sair da Igreja: ele queria uma modernidade, que foi alcançada, depois, em algumas coisas, com o Concílio Vaticano II, como o idioma da missa e o padre deixar de usar batina 24 horas”, diz dom Fernando.
Mais Polêmicas
Assim que a igreja foi estabelecida, um partido também foi criado para fazer ressoar na política as orientações da ICAB. No seu programa, o Partido Socialista Cristão reivindicava defender, dentre outras coisas, o “verdadeiro cristianismo” e que “cada homem tem direito exclusivo ao uso e gozo do produto de seu trabalho”. Consequência direta disso era uma das plataformas do partido, que pregava a socialização progressiva de todos os recursos naturais, “por meio de imposto lançado sobre o valor do solo livre de benfeitorias e a redução simultânea e equivalente de todos os outros tributos”.
A nova agremiação, no entanto, não teve vida longa. Em 1948, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deferiu o pedido de cancelamento do registro provisório, feito pela Procuradoria Geral da República, “por não se haver adaptado ao disposto na lei, dentro do prazo que esta marcou”.
Enquanto isso, a ICAB também enfrentava pelejas judiciais. A Diocese do Rio de Janeiro enviou requerimento à Presidência da República solicitando o fechamento da nova Igreja, sob argumentação de que os dissidentes violavam o direito de culto da Igreja Católica Romana. A ICAB apenas “imitava” a Romana, argumentava-se, confundindo a população ao adotar as mesmas práticas religiosas, vestes sacerdotais e insígnias. Após o decreto presidencial que proibia cultos da ICAB em espaços públicos, Dom Carlos entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão foi ratificada pela corte em 1949.
O ministro Hahnemann Guimarães foi o único a votar a favor da ICAB, mas seu parecer entrou para a história como um libelo da luta pela liberdade religiosa no País. “Os delitos espirituais punem-se com as sanções espirituais; os conflitos espirituais resolvem-se dentro das próprias Igrejas; não é lícito que essas Igrejas recorram ao prestígio do poder, para resolver seus cismas, para dominar suas dissidências”, afirmou em seu voto.
Para dom Fernando, mesmo após a queda da sanção do STF, alguns membros da Igreja Católica Romana continuam tendo preconceito contra a ICAB. Os principais ataques tratariam a ICAB como “impostora”, cujos sacramentos não teriam validade.
“Os sacramentos não pertencem à igreja nenhuma. A Igreja Romana acha que só servem se for lá, que a salvação só está lá. Inclusive se falava isso antes do Concílio Vaticano II: Extra Ecclesiam nulla salus, ou seja, fora da Igreja não há salvação. Depois, passou-se a se falar: fora da caridade, não há salvação”, ele afirma. “Quem salva é a fé, através de Jesus Cristo, não igreja”.
Diácono Eugenio Ibiapino
Fonte: Tribuna do Ceará

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