TRÊS
EX-PASTORES da Igreja Universal acusam a instituição de quebrar ilegalmente os
seus sigilos bancários. Luciano de Oliveira Alves, Junior Ribeiro e Everdan
Calvalcanti Rocha, todos do Rio de Janeiro, afirmam que o império de Edir
Macedo fez uma devassa ilegal em suas vidas – o que incluiu a invasão de suas
contas bancárias. A ação teria sido realizada para comprovar movimentações
bancárias e aplicações de dinheiro em bitcoins dos pastores.
Nos próximos
dias, os três pretendem ingressar com uma notícia-crime para exigir uma
apuração do Ministério Público do Rio de Janeiro. Os religiosos apontam o bispo
Renato Cardoso, segundo nome na hierarquia da Universal e genro de Edir Macedo,
como suposto responsável pela investigação ilegal. Os ex-pastores dizem suspeitar
que seus sigilos bancários foram quebrados com a ajuda de uma empresa de
tecnologia especializada em mineração de dados e elaboração de dossiês sobre
pessoas e empresas, com informações extraídas de diversos bancos de dados. Isso
porque ela está, segundo um denunciante, entre as empresas que buscaram por
suas informações pessoais no Serasa no período em que ele teria sido
investigado.
Eu topo
Então pastor
num templo do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio, Luciano Alves,
membro da Universal havia 30 anos, relata que foi chamado à sede da igreja no
Rio, em Del Castilho, para uma conversa com o líder do estado, bispo Jadson
Santos, no dia 29 de janeiro. Seguiu acompanhado de sua mulher. Ao entrar na
sala, Alves conta que passou pelo ritual padrão nessas situações: precisou
deixar o celular e outros eletrônicos do lado de fora da sala. “Não me disseram
o que era”, ele me contou.
Ao chegar,
narra Alves, o bispo Santos começou uma espécie de sabatina. “‘Eu recebi um
e-mail do Renato pedindo que eu fizesse algumas perguntas a você’. Aí, ele
apresentou as datas: no dia 10 de dezembro, você fez um depósito na agência do
Itaú no lugar tal, no valor tal, para a empresa tal. Você depositou no dia tal
e sua esposa depositou no banco y. Foram dizendo a hora e o lugar. E dando
detalhes do banco. As informações batiam. Mas não mostraram nada”, diz.
“Curioso que era sempre depósito em espécie, nunca transferência bancária. Eles
já tinham esse registro, essa informação. Como? A gente não sabe”.
Alves havia
feito realmente um depósito para uma empresa de consultoria de bitcoin. “Ele [o
bispo] mencionou quatro depósitos que eu fiz. Um foi para a minha cunhada,
outro na minha conta, outro na da minha esposa. Mas como conseguiram essa
informação? Na hora, não perguntei. Fiquei atordoado”, contou. Casado e sem
filhos – afirmou ter feito vasectomia a pedido da igreja, como os outros dois
colegas –, Luciano diz que o dinheiro utilizado no investimento era resultado
de economias ao longo dos anos, oriundas de seu salário como pastor.
O pastor era
considerado pelos colegas um “fenômeno”, se sobressaindo aos demais como um
campeão em arrecadação de ofertas durante os cultos. “Mas eu ganhava R$ 15 mil
e passei a ganhar R$ 8 mil”, reclamou. Ele foi afetado pela redução salarial
imposta pela cúpula da igreja aos pastores nos últimos dois anos – e, por isso,
recorreu aos investimentos em criptomoedas por “necessidade”.
Não foi o
único. Nos últimos anos, o bitcoin se tornou um fenômeno entre os religiosos.
Pastores descobriram que era possível ganhar dinheiro com a flutuação dos
valores das moedas, usando taxas de valorização e porcentagem de acordo com um
plano de adesão.
Participantes
do esquema também podem recuperar seu dinheiro atraindo novos investidores,
ganhando bônus por cada um que se juntar à plataforma por seu intermédio. Na
prática, dá origem a um esquema idêntico ao das pirâmides financeiras.
Uma das
empresas que operava um esquema semelhante era a AirBit Club, que angariava
novos investidores na sede mundial da Igreja Universal, o Templo de Salomão, em
São Paulo. Durante os cultos, o bispo Edson Costa chegou a afirmar que quem
doasse para a igreja poderia sair confiante, porque, do lado de fora, estariam
lhe esperando “oportunidades financeiras revolucionárias”.
Um dos mais
entusiasmados investidores da AirBit Club foi o jovem milionário Gabriel Fonseca
Reis, filho de uma obreira (auxiliar de pastor) da Universal. Em 2015, Reis foi
a estrela de um culto pela prosperidade – o Congresso para o Sucesso –, em que
contou como a Universal mudou a sua vida e teria ajudado a construir sua
fortuna.
Mas a lua de
mel com o mercado de criptomoedas terminou.
‘Para que o
pastor quer dinheiro?’, pergunta o herdeiro
Os três
ex-escudeiros de Macedo ressaltam não ter problemas com a Igreja Universal –
que dizem continuar respeitando -, mas apenas com as novas orientações do bispo
Renato Cardoso. “Os problemas começaram depois que o ele assumiu”, garante
Alves. O herdeiro de Macedo tinha um salário de US$ 10 mil em Nova York,
segundo revelou o bispo Romualdo Panceiro, o ex-número dois da Universal, hoje
fundador da concorrente Igreja das Nações do Reino de Deus. Quando retornou ao
Brasil, em 2013, teria passado a receber um salário de R$ 30 mil, segundo
ex-colegas.
Cardoso
ainda é agraciado com vultosas somas de direitos autorais de publicações que se
tornaram best-sellers entre os fiéis, como “Casamento Blindado” (com 2,5
milhões de exemplares vendidos até 2019) e “Namoro Blindado” (500 mil livros
vendidos). Os dois títulos foram escritos com sua mulher Cristiane, filha de
Macedo.
A herança,
no entanto, não o impediu de capitanear uma cruzada contra a acumulação de bens
pelos pastores da igreja que estão abaixo dele, segundo os ex-pastores. A
medida incluiu redução de salários, proibição de terem bens e ordens para que
pastores e suas famílias dividam a mesma casa ou apartamento. “Para que o
pastor da Igreja Universal quer dinheiro? Ele está todo o dia na igreja. De manhã,
de tarde e de noite. Ele só veste um tipo de roupa. Ele não tem vida social.
Não tem férias. Um dia está num lugar, outro dia está em outro lugar. Vai
querer imóveis para quê? Vai querer bens para quê?”, questionou, em um vídeo
nas redes sociais.
Mas o sogro,
Edir Macedo, e vários outros bispos membros da cúpula da igreja têm registrados
em seus nomes dezenas de emissoras de rádio e televisão (Rede Record), um banco
– o Renner, que passou a se chamar Digimais –, jornais, portal, editora,
hospital, plano de saúde, seguradora, corretora e empresas de segurança, de
locação de automóveis e de água e refrigerante.
Com uma
fortuna avaliada em US$ 1,1 bilhão pela revista norte-americana Forbes em 2013,
o líder da Universal vem usufruindo de propriedades luxuosas, como o
apartamento de 569 metros quadrados no moderno edifício Porsche Design Tower –
com elevador automatizado para carros –, na Collins Avenue, região de Sunny
Isles Beach, em Miami, avaliado em R$ 35 milhões. Ou de aviões particulares,
como o bimotor modelo Bombardier Global Express XRS, estimado em R$ 90 milhões.
A cruzada
contra bitcoins
A devassa
nas contas dos pastores não mirou apenas transações com bitcoins, afirmam os
três ex-seguidores de Macedo. “É tudo, não pode ter nada. Quando também quebraram
meu sigilo e disseram que eu fiz alguns depósitos, eu falei que fiz sim. E já
sabendo que não poderia fazer, eu disse que estava indo embora”, confirmou
Everdan Rocha, ex-pastor em Copacabana, zona sul do Rio, com 31 anos de
serviços prestados à igreja, chamado ao escritório do bispo Jadson em
fevereiro. Ele diz ter aplicado no ramo de construção.
Everdan
garante nunca ter se envolvido com bitcoin. “A questão é que eu ganhava R$ 15
mil como pastor e passei a ganhar R$ 9 mil. Como temos família, compromissos e
foram reduzindo nossos salários, nos vimos na incumbência de fazer alguns
investimentos. Eu tenho um filho, tive antes de fazer vasectomia”, revela.
Em 2019, ele
fez um depósito de R$ 30 mil na conta do colega Junior Ribeiro, então pastor em
São Conrado, bairro nobre do Rio. Ribeiro deixou a Universal logo depois e
abriu uma empresa de construção. O dinheiro para o investimento, disse Everdan,
veio de economias e de um relógio de valor recebido de presente, quando atuava
como pastor no Maranhão. Passando por dificuldades financeiras, Everdan mora
hoje na casa de um sobrinho do amigo Ribeiro.
Depois das
“investigações” internas da Universal, 400 pastores teriam deixado a igreja,
entre janeiro e fevereiro deste ano, afirmou o ex-pastor da Universal Marcelo
Roque em seu canal no YouTube. A maioria, garantiu ele, por investir em
bitcoin. Trezentos teriam saído apenas em janeiro – muitos por vontade própria,
segundo ele. Um bispo que teria sido flagrado com R$ 1 milhão em sua conta foi
aceito de volta depois de devolver o dinheiro, e um outro pastor retornou após
provar que fizera um empréstimo para investir R$ 48 mil em bitcoin, diz o
religioso.
A Universal
teme que alguns de seus pastores possam estar utilizando dinheiro da igreja
para investir em criptomoedas, como revelou outro ex-membro da instituição, o
ex-bispo Alfredo Paulo, também no YouTube, já no início de 2020. As quantias
utilizadas, de acordo com o ex-aliado de Edir Macedo, seriam recursos não
contabilizados, arrecadados em eventos como bazares ou vendas em cantinas.
O ex-pastor
Ribeiro, que acumula 17 anos de Universal, disse ter se sentido humilhado ao
ser convocado para explicar suas movimentações bancárias. “Fui convidado a ir
para fora do país, para me tornar auxiliar. Mas tomei a decisão de sair, porque
ficou provado que quebraram o nosso sigilo, e não aceitei essa conduta”,
afirma. “Quando me chamaram, disseram que eu tinha carro, casa, isso e aquilo.
Eu mostrei o extrato bancário de um ano. Levei também os extratos da esposa e
da sogra. Aí, o Renato me mandou para El Salvador. Era para que eu pedisse para
sair. Fiquei ainda três meses lá e depois saí”.
“Nós fomos
usados como boi de piranha. Um exemplo para todos. Para que quem estiver no
mesmo caminho, se entregue ou saia. E é do nosso conhecimento que está havendo
um êxodo. Vários pastores estão saindo, indo embora sem antes serem chamados.
Se era isso que eles queriam, conseguiram”, reclama Alves.
A Igreja
Universal não respondeu aos questionamentos enviados pelo Intercept.
O 11º
parágrafo do texto foi alterado para deixar mais clara a posição das fontes,
que ressaltaram seguir respeitando a Universal e que o conflito era com as
orientções de Cardoso.
Fonte. https://theintercept.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário