Dois poemas inéditos a Antonin Artaud


Antoine Marie Joseph Artaud (Marselha — 1896 — Paris — 1948)

Manoel Tavares Rodrigues-Leal





Antoine Marie Joseph Artaud (Marselha — 1896 — Paris — 1948)

Manoel Tavares Rodrigues-Leal

A claridade veste o dia: como optar pelo manicómio com um dia lindo?

(poema extra) — M. T. R.-Leal — Lx. 3–10–77 — caderno Paisagens de Água

I

Artaud — meu querido mestre mental, na coeva e comovida loucura,

inspirai-me a mesquinha poesia quotidiana. Acordada,

quando a dor se crava felina na boca mais recente.

Afinal, Artaud, também sou actor desse teatro transeunte

e trágico e cruel que tanta gente tem.

Eu pouso o meu gesto na tua poesia, de outrora, de amanhã,

e é tão nítida e tangente tua loucura que ali jaz, que eu, algures, enlouqueci.

Afloro a loucura e há harpas de beleza em a loucura que na tua poesia li.

M. T. R.-Leal — Lx. 29–05–76 — caderno O Umbigo da Beleza

Manuscrito do poema I com duas versões

II

Campo do acto solicitado e cercado por errante era…

não vejo o feminino vulto ou vejo-o verme esquivo.

Ó Lettres de Ménage de Artaud… como tu Artaud, eu fui o epílogo da loucura!

Como tu, enlouquecido, aqueço o pranto, príncipe efémero, mas jamais a vida ávido vivo.

Prenhe de noites anunciadas por anjos, eu visionei o inferno de um jardim de uma clandestina criança

encantada. Apoiado a meu pai, visitei-o em uma tarde de oblíqua e nua claridade mansa, demasiado mansa.

Compreendi e compus, algures, a visão. Mas teu vulto tangível, pai, não o vi inscrito e vivo,

mas marcado pela morte, cabelos brancos, rugas, os pés hirtos, do tempo mordido pela usura.

Lx. 1–2–77 — caderno Arte do Corpo (Espaço do Corpo)

Manuscrito do poema II

“… et que j’ai comme une conscience nouvelle de mon intime déperdition.” (Antonin Artaud, “Fragments d’un Journal d’Enfer”, p. 119)

“Me mettre en face de la métaphysique que je me suis faite en fonction de ce néant que je porte” (op. cit., p. 120)

“C’est cette antinomie entre une facilité profonde et mon extérieure difficulté qui crée le tourment dont je meurs.” (op. cit., p. 122)

(Inscrições no caderno Limae Labor, de M.T.R.-Leal — 1973–1974)

“Là où d’autres proposent des œuvres je ne prétends pas autre chose que de montrer mon esprit.

La vie est de brûler des questions.

Je ne conçois pas d’œuvre comme détachée de la vie. Je n’aime pas la création détachée. Je ne conçois pas non plus l’esprit comme détaché de lui-même. Chacune de mes œuvres, chacun des plans de moi-même, chacune des floraisons glacières de mon âme intérieure bave sur moi.” (Antonin Artaud, “L’Ombilic des Limbes”, p. 51)

(Citação no caderno A Composição da Presença, de M.T.R.-Leal — 1972)

Num outro artigo publicado nesta página (ver em baixo) há uma outra versão do poema I. Após várias revisões, o autor não abdicou de nenhuma delas, pois não deixou qualquer indicação nesse sentido (ver manuscrito). Embora a segunda versão, agora publicada, tenha sido sujeita a alguns riscos a caneta, o que é habitual, houve a preocupação de manter o texto absolutamente legível, o que assinala a viabilidade do mesmo.

Voz de Artaud

ARTAUD, Antonin (2006), L’Ombilic des Limbes — suivi de Le Pèse-nerfs et d’autres textes. 1.ª ed 1927. Préface d’Alain Jouffroy. Paris: Gallimard.

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