quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Entrevista com Dr Marcelo Turra

Chuva forte interdita Via Dutra em dois pontos no Rio Morte de Selarón, ‘o maior artista popular do Rio’, mobiliza produtores culturais Duas Cervejas e a Conta com Marcelo Turra O advogado dos marginalizados que está à frente de um trabalho pioneiro de defesa dos direitos dos animais O advogado Marcelo Turra, que ficou conhecido pela defesa das vítimas da Aids, coordena o Escritório de Prática Jurídica da Facha O advogado Marcelo Turra, que ficou conhecido pela defesa das vítimas da Aids, coordena o Escritório de Prática Jurídica da Facha O sobrenome de Marcelo Turra retrata bem sua personalidade. “Sou muito teimoso”, diz esse advogado de 47 anos. Logo após se formar, em 1987, virou professor da Candido Mendes de Ipanema e advogado orientador do Escritório Modelo da universidade, atendendo gratuitamente à população carente. Lá, ficou conhecido pela luta a favor das vítimas da Aids, como a garantia ao acesso à escola de um menino de 3 anos. Foi ainda o primeiro no Rio a ganhar ação que obrigou o estado a fornecer remédio a um doente e a reintegrar ao Exército um soldado soropositivo. Em 2010, passou a coordenar o Escritório de Prática Jurídica (EPJ) da Facha (Faculdades Integradas Hélio Alonso), que atende de graça pessoas carentes nas áreas cível, penal, trabalhista e de família. Foi de novo pioneiro, com um trabalho de defesa dos direitos dos animais. “É a única instituição de ensino que abraçou, na prática, ações envolvendo a advocacia animalista, como maus tratos, abandono, experimentação animal e tráfico de animais”, diz ele, que coordena uma equipe de cinco advogados e uma psicóloga, e também atende em seu escritório particular. “Não consigo ser só espectador dos dramas”, diz ele, que deixou de comer todo tipo de carne há 15 anos. O escritório da Facha tem convênio com Suipa, Oito Vidas, Davida, Grupo Pela Vidda, Astra Rio e Balcão de Direitos do Iser, mas o envolvimento de Turra vai além das parcerias. “Sou advogado voluntário de algumas dessas ONGs.” Como acontece com a Davida, da ex-prostituta Gabriela Leite. Na época em que a Daslu notificou a Davida para se abster de continuar usando a marca Daspu, lá estava Turra para responder a notificação. Após a entrevista, no dia 31, Turra iria alimentar seus dois cachorros. “Cozinhei fígado para eles, com um pouquinho de ração. É um almoço especial de fim de ano.” Revista O GLOBO: Por que a luta pelos direitos dos animais? Marcelo Turra: Não admito exclusão, qualquer que seja. Os animais abandonados, maltratados, não têm como pedir socorro, são de uma fragilidade total. O escritório luta contra qualquer uso dos animais que os transforme em propriedade, ou seja, em meios para fins humanos. Exemplo: conseguimos retirar sete cães recém-nascidos das mãos de uma mulher que os vendia na rua, sob o sol forte. Estavam em péssimas condições de saúde. Uma mulher nos procurou porque na varanda de um prédio vizinho via dois cães confinados diariamente sob o sol e a chuva. Isso são maus tratos. Demos toda a orientação. Você sofreu discriminação na vida? Marcelo Turra: Nasci em Tupã, no interior de SP, e vim para o Rio aos 6 anos, após a separação de meus pais. Era discriminado e ridicularizado na escola pelo sotaque caipira. Sofria até agressões físicas. A professora de Matemática encorajava, pedia para eu falar “porta” e todos rirem. Anos depois, ela apareceu no meu escritório para fazer o divórcio. Eu não disse que tinha sido seu aluno porque não quis perder tempo com essa história. Você tem algum animal? Marcelo Turra: Dois cães vira-latas. O Fubá Turra, de 6 anos, eu peguei em Bangu, quase morto, com seis meses. O Zeca Turra, de 11, tinha menos de um mês e estava abandonado num canteiro de obras no Recreio. Tenho a pata esquerda do Fubá tatuada no braço esquerdo e a pata direita do Zeca no braço direito. Usei guache, que não faz mal, para reproduzir e levar ao tatuador. Ainda vou escrever nas costas “Zeca e Fubá”. Dê exemplos de alguns casos ligados à Aids. Marcelo Turra: Em 1996, ganhamos ação que obrigava o Estado do Rio a fornecer medicamento a um soropositivo. Teimavam em descumprir a determinação e tomei uma atitude drástica. Consegui um oficial de justiça e uma ordem judicial para apreender o remédio na secretaria de Saúde. Invadimos a farmácia e abrimos caixas e caixas, sem achá-lo. Chorei muito, de frustração. E ainda fomos escoltados de lá pelos seguranças, como se fôssemos bandidos. Relatei a um juiz, que determinou a prisão do secretário. O remédio apareceu na hora. Outro caso que me marcou muito foi em 1992, quando um casal me procurou na Candido Mendes. Eu estava de férias, mas eles me acharam. Tinham um amigo, portador do HIV, que estava numa maca de uma enfermaria no Hospital São Lucas, sem assistência, já que o plano de saúde, a Golden Cross, se recusava a garantir a internação. O paciente havia sido posto debaixo de um ar condicionado, e o casal receava que isso tivesse sido feito de propósito, para que ele desistisse e voltasse para casa. Passei a noite datilografando a petição. Às 21h, junto com dois alunos, conseguimos a liminar que obrigava a internação. No hospital, pude conhecer meu cliente, por poucos segundos, quando foi transferido de maca da enfermaria para um quarto. Dei-lhe um beijo e recebi seu agradecimento. Voltei para casa me sentindo mentalmente esgotado, mas muito feliz. Nunca tive uma satisfação pessoal tão grande na vida. Nessa época eram muitos os casos de discriminação, não? Marcelo Turra: Sim. Também no início da década de 1990, propusemos uma ação de reparação de danos morais e conseguimos R$ 25 mil de indenização de uma empresa de ônibus. Um rapaz tinha consulta marcada com seu médico no Hospital do Fundão. Por conta do HIV, tinha passe livre no ônibus. Mas o motorista disse que o passe não servia de nada pois não estava entendendo o que ele tinha, já que fisicamente não aparentava nada. O rapaz disse apenas que tinha este direito, pois não queria expor sua condição. Diante da insistência do condutor, que afirmava que ele não entraria se não explicasse a razão da gratuidade, teve que falar diante do ônibus lotado que era portador do HIV. Durante todo o trajeto, o rapaz ouviu, calado, chacotas do motorista, como: “Aids é doença de viado” e “qualquer cachorro tem passe livre agora”. Quando chegou a seu destino, três passageiros desceram também e foram falar com ele: “Vimos tudo e se precisar de ajuda ou de testemunho estamos a seu dispor.” Foi a sorte dele. Graças a essas três pessoas, ganhamos a ação contra a Viação Madureira Candelária. E, depois, o rapaz foi até a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro) e apanhou formulários de solicitação dos passes livres. Em seguida, visitou hospitais e informou aos pacientes com Aids sobre esse direito. Este rapaz sabia que agora que não estava mais sozinho. E dê exemplos de casos relacionados a outros temas. Marcelo Turra: Fomos os primeiros a conseguir obrigar o Estado do Rio a custear a mudança de sexo de um transexual sem recursos. Foi um caso que me comoveu muito. Ele nasceu William, mas para mim era mulher, Nicole. Chegou com uma fisionomia muito triste e com laudos dizendo que tinha que ser operado. Mas não tinha dinheiro. Quando dei a notícia de que havíamos vencido seu semblante mudou inteiramente. O sofrimento deu lugar a uma felicidade inesquecível. Ainda quando eu era advogado orientador do Escritório Modelo da Candido Mendes Ipanema, no verão de 1995, choveu e houve um desabamento na Rocinha. A culpa foi da então Geotécnica da prefeitura, que fazia uma obra de contenção que não conteve nada. Uma senhora que perdeu seu imóvel nos procurou para uma ação de reparação de danos contra o município. Fui com mais quatro alunos à Rocinha tirar fotos para instruir o processo que íamos propor. Só lá em cima me dei conta do risco que corríamos, por causa dos traficantes. Foi uma imaturidade. Graças a Deus não aconteceu nada. Usamos as fotos no processo e ganhamos a ação Com que outros grupos você gostaria de trabalhar? Marcelo Turra: Com os loucos. Há casos de famílias que conseguem laudos para internar um parente e dilapidar o patrimônio. Mulheres e homens são violentados e seviciados dentro de manicômios. Pessoas são abandonadas. Há duas semanas venci uma causa contra o município do Rio. Ganhei indenização de R$ 25 mil para um rapaz com problemas mentais e a mãe. Ele foi internado no Pinel e, ao ter alta, estava todo quebrado. A alegação foi de que caíra da cama, mas o laudo apontou agressões. Como você começou a advogar para os marginalizados? Marcelo Turra: Foi em 1991, após ler reportagem no GLOBO sobre uma ONG, ARA (Apoio Religioso Frente ao Aids), que distribuía preservativos na Cinelândia e conversava com garotos de programa sobre Aids. Integrei-me ao grupo e passava as madrugadas lá. Depois, virei advogado voluntário da ONG. Nunca tive medo de ser taxado de “advogado da Aids”. Até gostaria. Também quero ser o “advogado das prostitutas”, “dos transexuais”, “dos animais”, “dos loucos”. Advocacia é muito mais do que ouvir uma história do outro lado da mesa, redigir uma petição inicial, propor a ação e obter êxito. Quero que meus alunos aprendam os dramas pessoais. Ser advogado para mim é usar o Direito como instrumento para melhorar a vida das pessoas. Estou rascunhando um livro em que vou mostrar meus casos e as soluções jurídicas adotadas. Meu avô falava: “Você quer abraçar o mundo com os braços e as pernas.” Quero. O risco é cair no chão, mas tudo bem. Só não quero perder o brilho nos olhos. Meus amigos me dizem que ainda tenho. Fonte. O globo

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