Liberdade de crença e de expressão: não farás falso testemunho ao teu próximo

Liberdade de crença e de expressão: não farás falso testemunho ao teu próximo

Escrito por Daniela Novais 21:13:00 19/08/2012 

Crédito : Savio Ivo

Por Tatiana Lionço*- O Deputado Federal Jair Bolsonaro usou dinheiro público para editar um vídeo difamatório contra acadêmicos e ativistas comprometidos com a defesa de direitos humanos e com o enfrentamento da homofobia no país. A partir de imagens veiculadas pela TV Câmara, relativas ao Seminário Diversidade se aprende na infância, ocorrido em maio na própria Câmara dos Deputados, o Jair Bolsonaro editou as falas, descontextualizou argumentos e atribuiu legendas interpretativas que distorcem o sentido que os próprios participantes do evento atribuem aos seus posicionamentos públicos. Além disso, o vídeo veiculado no canal de youtube do Deputado abriu precedente para uma sequência de narrativas difamatórias.

Leia na íntegra;

Crédito : Savio Ivo

Por Tatiana Lionço*- O Deputado Federal Jair Bolsonaro usou dinheiro público para editar um vídeo difamatório contra acadêmicos e ativistas comprometidos com a defesa de direitos humanos e com o enfrentamento da homofobia no país. A partir de imagens veiculadas pela TV Câmara, relativas ao Seminário Diversidade se aprende na infância, ocorrido em maio na própria Câmara dos Deputados, o Jair Bolsonaro editou as falas, descontextualizou argumentos e atribuiu legendas interpretativas que distorcem o sentido que os próprios participantes do evento atribuem aos seus posicionamentos públicos. Além disso, o vídeo veiculado no canal de youtube do Deputado abriu precedente para uma sequência de narrativas difamatórias.

Temos aí a expressa violação de leis que regem a sociabilidade no país. Uso indevido da imagem, já que nenhum de nós autorizou a veiculação do vídeo tal como editado; direitos autorais, já que nos foram atribuídas teses que não são as nossas; difamação, já que as imagens foram republicadas no canal de youtube do Pastor Tupirani associando as nossas imagens à possessão demoníaca, bem como deu sequência a discursos depreciativos em um blog anônimo intitulado O religioso crítico, que faz menção à baixa qualidade acadêmica e intelectual dos argumentos adotados pelos participantes do seminário. Temos aí também expressamente a violação da dignidade e da honra das pessoas envolvidas.

A tese sustentada pelo Deputado Federal é a de que defensores de direitos sexuais estariam colocando em risco a saúde física e psíquica de crianças nas escolas. Estariam próximos à pedofilia, incitando práticas sexuais na infância. Estariam agredindo a moralidade e destruindo a família. Estariam atuando em um complô para derrubar a ordem social e instituir uma ditadura da libertinagem. Não estamos buscando instituir uma ditadura gay no país. Estamos apenas defendendo a nossa Constituição Federal e atentos a vários acordos internacionais em que o Brasil se comprometeu com a garantia dos direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos.

Não é apenas o Deputado Jair Bolsonaro que recorre ao argumento da liberdade de expressão para manter difamações e desqualificações expressas ao status social e moral de pessoas consideradas abjetas e indignas dos direitos sociais. Este é o principal argumento adotado atualmente pelo fundamentalismo religioso de base cristã no país. Afirmam os seus adeptos que a Constituição Federal lhes garante a liberdade de expressão e de crença, portanto poderiam continuar a atribuir valores como o da imoralidade a homossexuais, abrindo brecha para práticas de cura que violam a integridade psíquica e moral dos envolvidos bem como legitimando a violência real e simbólica contra este grupo social.

Não é que eu não tenha me indignado com a violação de meus direitos autorais e o uso indevido de minha imagem. Eu estou indignada. Apenas atento aos princípios democraticamente consensuados em nossa Constituição Federal e estou ciente que o Código Penal inclui entre os crimes a difamação e a calúnia. Estou ciente de que a minha liberdade de expressão é cerceada por uma série de limites, mas entendo estes limites de modo distinto daquele argumento da interdição à liberdade de crença e da própria expressão. Eu posso sim expressar a minha indignação, embora eu tenha que gastar tempo acionando mecanismos formais, garantidos pelo princípio da participação popular na Constituição, para preencher formulários online para a denúncia destas irregularidades.

Eu posso, ainda, argumentar a minha indignação, sem sucumbir à atitude criminosa da difamação. Eu posso, com base no que me é de direito, ressaltar que dignidade humana não é um valor atribuído a outrem sobre mim, mas um direito fundamental que apenas eu posso denunciar em que medida foi ou não violado. Eu posso formalmente chamar à atenção para a existência de mecanismos formais de rompimento da imunidade parlamentar que, segundo as próprias palavras do Deputado Jair Bolsonaro, lhe garantiria dizer o que bem entendesse. Não, Deputado. Para pessoas como o senhor existe, ainda, a medida da cassação do mandato.

Mais uma vez não. Não se pode fazer qualquer coisa por ter imunidade parlamentar. A condição para que permaneça nesta posição privilegiada é a do decoro. Como qualquer outro cidadão, caso infrinja leis, violando a dignidade, a honra e a imagem das pessoas, deverá ser julgado por instância que lhe recaia rebaixando-o ao nível comum dos cidadãos que, neste país, decidiram pela democracia e pela universalidade dos direitos humanos e sociais. 

*Tatiana Lionço é Membro-fundadora da cia Revolucionária Triângulo Rosa, Doutora em Psicologia, Professora de graduação e mestrado em Psicologia no Centro Universitário de Brasília - UniCEUB