quinta-feira, 5 de junho de 2014

O silêncio dos obituários

O silêncio dos obituários (por Vitor Necchi) Obituários de jornais expressam, por silenciamento, uma das faces mais agressivas e dolentes da homofobia: o apagamento do afeto que destoa do padrão heterossexual. Namoros, casamentos, enfim, relacionamentos de diferentes consolidações e configurações costumam ser suprimidos nos textos que registram e enaltecem, em tempo póstumo, a vida de alguém. A omissão pode ter várias causas, todas vinculadas à relação em si: o casal não conseguiu lidar naturalmente, a família de quem morreu não a encarou naturalmente ou o jornal não tratou naturalmente o fato. Há ainda a possibilidade de que, por motivações próprias, quem decide o que é publicado ou não tenha omitido a relação por se tratar de tema “delicado”. Seja qual for o motivo, resta uma característica comum: faltou naturalidade para se lidar com o amor ou qualquer outro sentimento que aproxime duas pessoas que não cumprem o protocolo homem-mulher. Excluindo-se o casal, não cabe a ninguém julgar a legitimidade da relação, afinal, desejo e afeto são prerrogativas exclusivas da dupla. A vida não se limita a uma fórmula binária que restringe as chances de duas pessoas. A vida é maior do que a lei. A vida não pode ficar refém de dogmas, preconceitos e moralismos. As elipses no registro de relacionamentos verificadas nos obituários de gays, lésbicas, travestis, transgêneros, transexuais ou qualquer outra possibilidade mantêm conexão com a clandestinidade que assombra afetos dissonantes. O namorado que precisa apresentar seu companheiro como amigo. A mãe parcialmente tolerante que se refere ao genro como filho do coração. O companheiro impedido de velar seu parceiro na UTI porque não é parente. O pai que não admite em casa a namorada da filha lésbica. O rapaz que não ousa apresentar sua namorada travesti para os colegas de trabalho. A família de um gay morto que não reconhece os direitos patrimoniais do companheiro vivo… As combinações de personagens e violências motivadas por preconceito e intolerância não têm fim. E isso, mais do que trágico, é desumano. Há algo tremendamente óbvio: gays sofrem com a morte de seus parceiros. E há algo muito simples: gays deveriam aparecer nos obituários de seus companheiros. Por respeito. E direito. .oOo. Vitor Necchi é jornalista.

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