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CARTA ABERTA DE UM SOBREVIVENTE DAS “TERAPIAS DE CURA” DA HOMOSSEXUALIDADE
Acabamos de ver um grupo de defensores das “terapias de cura” da homossexualidade se movimentando no Congresso Nacional, em audiência pública realizada em 28 de junho de 2012. O objetivo desse grupo é obrigar o Conselho Federal de Psicologia (CFP) a revogar a norma que desde 1999 proíbe a patologização da homossexualidade por parte de psicólogos que pretendam “curá-la”. Todavia, o CFP não foi o pioneiro nessa proibição. A mesma norma já havia sido aprovada nove anos antes pela Sociedade Americana de Psicologia e continua válida até hoje, sendo consequência lógica e óbvia da retirada do “homossexualismo” do manual oficial que lista todos os distúrbios mentais e emocionais tanto lá como cá.
Falo por experiência própria: Essas “teorias de cura da homossexualidade” trazem muito prejuízo a quem se submete a elas. E digo isso, porque não apenas participei de grupos de “cura” para homossexuais, como também fui um dos fundadores de uma organização conhecida como Movimento pela Sexualidade Sadia, ou simplesmente MOSES. O objetivo dessa organização era transformar homossexuais em heterossexuais ou convencê-los a viver no “celibato”. A aparência era de que havia muita psicologia envolvida nisso tudo, quando – na verdade – o que se fazia era revestir dogmas religiosos produtores de culpa, medo e outras neuroses com linguagem psicologizada.
Ao mesmo tempo em que fui um dos fundadores deste grupo, eu era - antes de qualquer coisa - uma vítima dessa mentalidade imposta por pregações homofóbicas sobre pecado e condenação que a psicologia não corrobora, mas que é defendida com unhas e dentes por esses chamados “psicólogos cristãos” – o que me custou muito sofrimento pessoal. Acabei expondo minha vida íntima, meus sentimentos, minha afetividade e outros aspectos da minha vivência ao escrutínio de conselheiros e psicólogos que se apresentavam como “psicólogos cristãos” e que só conseguiam pensar em como me “formatar” de acordo com as “configurações” de suas crenças. Acreditando que fosse minha obrigação seguir as orientações dos pregadores e desses “profissionais”, acabei me casando com uma moça da igreja, com quem vivi por 14 anos, tendo gerado uma filha (agora, maior de idade) e um filho (que se tornará maior de idade esse ano). Apesar do aparente “sucesso” do casamento, eu me consumia internamente por não assumir minha orientação sexual e viver de acordo com a mesma. E foi assim que eu passei 18 anos na igreja, sendo que 6 desses anos foram dedicados ao MOSES, cuja primeira atividade foi realizada por mim e mais duas pessoas – ainda em caráter oficioso – na Praia de Copacabana, durante a Parada do Orgulho LGBT de 1997, e se tratava de proselitismo, com distribuição de panfletos apresentando a organização. Meu envolvimento com o MOSES foi de 1997 até 2003.
Durante todo o meu tempo de igreja, eu ouvi pregadores difamando minha orientação sexual, minha afetividade, minha sexualidade, mas foi durante esses seis anos trabalhando com o MOSES que meu sofrimento atingiu o ápice. Foram horas de aconselhamento, oração, leitura de material religioso (com linguagem “psicologizada”) a respeito do que eles insistem em chamar de “homossexualismo”, bem participação em congressos, seminários, cruzadas até mesmo durante eventos LGBT, etc. Foi ao longo desse tempo que conheci a Dra. Rozangela Justino, a qual também frequentava o seminário teológico em que estudei e onde – mais tarde – lecionei. Ela dava aulas, palestras, etc. Apoiava ativamente o MOSES, tendo participado de seminários sobre o “homossexualismo”, cultos promovidos pelo MOSES sobre essa temática, etc. Sua atuação nesse campo é muito semelhante a da Dra. Marisa Lobo, de quem li postagens no Twitter e cujo blog visitei a convite da mesma via Twitter. Pude notar uma semelhança clara entre o pensamento das duas – o que me levou a bloquear a Dra. Marisa Lobo no Twitter por não aguentar mais seu proselitismo pretensamente transformador de homossexuais. Cada “tweet” dela me fazia pensar em quanto sofrimento passei durante o tempo em que me deixei levar por esse tipo de pregação de ódio a mim mesmo por ser homossexual.
Depois de 14 anos casado com a mãe dos meus filhos, cheguei à conclusão de que não adiantava mais lutar contra mim mesmo. O ódio que nutri contra minha sexualidade era fruto do que ouvi desde cedo por parte de pessoas mal resolvidas ou envenenadas por pensamentos homofóbicos. Decidi, então, ser eu mesmo e ser feliz. Mais do que aceitar minha orientação sexual, eu cheguei à conclusão de que devia celebrar a vida amando, crescendo, produzindo e me realizando de acordo com minha sexualidade e minha identidade. Decidi conversar com minha então esposa, com pastores que eram colegas de ministério, com as lideranças do MOSES e de outras organizações com as quais trabalhava. Foi um momento doloroso, porque todos queriam que eu recuasse em minha decisão de assumir o controle da minha vida, mas para mim foi minha libertação. Posso dizer que também foi a libertação de minha ex-esposa que finalmente poderia refazer sua vida ao lado que alguém com quem ela pudesse ser feliz sem aquilo que os fundamentalistas insistem em chamar de pecado e que agora também querem chamar de doença, com a conivência da lei.
Atualmente, tenho um parceiro que corresponde ao que meu coração realmente deseja. Estamos juntos há cinco anos e temos uma vida equilibrada, com harmonia e muito amor. Meus pais e meus filhos estão muito próximos de mim. Meus filhos, na verdade, nunca se distanciaram e sempre me amaram. Conversamos francamente sobre tudo isso desde que ela tinha 12 e ele quase isso – cada um no seu tempo. Eles estão muito bem integrados conosco.
Ter ficado livre do controle mental exercido por esses “fiscais da sexualidade alheia” abriu-me inúmeras portas existenciais onde antes eu só via paredes. Falo sobre tudo isso com muito mais profundidade no meu livro “Em Busca de Mim Mesmo”, que é um relato biográfico para além do meramente pessoal. É um livro que nasce da vontade de dizer que ninguém precisa submeter-se a esse tipo de sofrimento existencial por ser gay, lésbica, bissexual ou transexual. Afinal, equilíbrio emocional sem amor próprio não existe. E o que essas pretensas “terapias” fazem é promover o ódio a si mesmo.
O legislativo brasileiro precisa despertar contra essa manobra pseudo-científica dos fundamentalistas anti-gays cujos objetivos violentam os direitos humanos, atropelam o caráter científico da psicologia e promovem a homofobia, principalmente aquela do indivíduo contra si mesmo.
CHEGA DE HOMOFOBIA INSTITUCIONAL E SOCIAL.
DIGAM NÃO AO USO DA PSICOLOGIA PARA FINS PROSELITISTAS E À PATOLOGIZAÇÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL.
Sergio Viula
Teólogo (ex-pastor batista), Filósofo, Autor e Blogueiro
www.foradoarmario.net
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