texto de Itacir Brassiani
O moralismo pode ser oportunista, cínico e hipócrita
Leia a reflexão sobre João 8, 1-11, texto de Itacir Brassiani
A fé vivida e testemunhada pelas gerações que nos antecederam serve
para acender nossas utopias e iluminar a estrada a ser percorrida. Paulo
deixa bem claro que quem encontra e acolhe Jesus Cristo não tem medo de
jogar no lixo costumes, sistemas e doutrinas que hierarquizam,
desprezam e escravizam. Iluminados pelo encontro de Jesus com a mulher
acusada na praça, assumamos, com força renovada, a luta por uma educação
universal e de qualidade.
Pelo profeta Isaías, é Deus que nos convida a não ter saudades do
passado. “Eis que estou eu fazendo coisas novas…” Não é uma promessa: é
uma ação em curso, no tempo presente. E Paulo completa: “Esquecendo o
que fica para trás, lanço-me para o que está à frente.” Nossas
celebrações, nossa catequese e nossas pregações devem pôr em relevo a
vida presente, e não podem ser reduzidas a uma memória morta de fatos de
um passado remoto.
Evitemos escutar o episódio relatado por João como coisa do passado.
Os escribas e fariseus não dão tréguas no zelo pela lei e agem de noite:
em plena madrugada, prendem uma mulher adúltera e a trazem para o
centro do círculo que se formara em torno de Jesus, no templo. O centro,
que era o lugar da Lei, fora invadido por Jesus e agora é ocupado pela
mulher acusada. Até parece que os pobres e oprimidos só ocupam o centro
das atenções e sistemas quando são réus.
O cinismo da elite religiosa é impressionante: acusam uma pobre
mulher com o objetivo de atingir o próprio Jesus. “Esta mulher foi
flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais
mulheres. E tu, o que dizes?” Jesus evita a armadilha, e não lhe passa
despercebida a leitura tendenciosa que os escribas e fariseus fazem da
Lei de Moisés, pois no Levítico está escrito: “Se um homem cometer um
adultério com a mulher do próximo, o adúltero e a adúltera serão punidos
com a morte” (Lv 20,10). Onde foi parar o adúltero, o primeiro citado
pela Lei?
No fundo, aqueles senhores que se apresentam como zelosos defensores
dos direitos de Deus não passam de ferozes agressores dos direitos
humanos. E assim como era no passado é também no presente! Em nome do
maldito e absoluto direito à propriedade privada, aquela que nos priva
de viver e de amar, criminaliza-se os sem-terra, os índios e aqueles que
os apoiam. E em nome de um suposto combate a corrupção, foi
reconstituído um sistema que privilegia os fortes e o comando do país
foi àqueles que mais sabem conviver com a corrupção e se beneficiar
dela.
Diante da insistência dos agentes da tradição, dispostos a executar a
sentença capital contra a mulher e a denunciá-lo como subversivo diante
da Lei, Jesus pronuncia sua sentença: “Quem dentre vós não tiver
pecado, atire a primeira pedra.” Aquela pobre e frágil mulher é
transformada numa espécie de espelho no qual todos podem ver suas
próprias debilidades, frustrações e transgressões. É como se Jesus
dissesse que não faz sentido transformar uma pessoa ou um grupo social
em bode expiatório. Aqui temos um exemplo eloquente de como ele fala com
sabedoria e ensina com amor.
A sabedoria e o amor de Jesus são como uma memória e um sonho que
enchem nossa boca de sorrisos, fazem nossa língua cantar de alegria e
nos desafiam a mudar conceitos e práticas. Paulo não brinca quando diz
que, por causa de Jesus Cristo, perdeu tudo e jogou no lixo aquilo que
sempre lhe parecera precioso e certo. Para ele, diante da pessoa e do
projeto de vida de Jesus Cristo, todos os sistemas e ideologias,
inclusive religiosas, perderam o sentido. O que resta é a dignidade e a
igualdade de todos os humanos, humanidade acima de tudo e de todos, a
misericórdia divina acolhendo e socorrendo misérias humanas e sociais.
Jesus de Nazaré, nós te agradecemos pelas palavras sábias e pela
lição de amor e misericórdia que nos ensinas hoje. O que são nossos
privilégios, costumes e doutrinas diante da humana solidariedade e da
incrível liberdade que nos propões? Que tua Igreja fale com sabedoria,
ensine com amor e nos inicie na coragem de pôr no centro dos nossos
projetos e decisões a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana.
Ajuda-nos a desmascarar a hipocrisia e a violência, mesmo quando
aparecem maquiadas de luta contra a corrupção. Assim seja! Amém!
Fonte.https://cebi.org.br