CPI dos Atos Golpistas aprova relatório final, e pede indiciamento de Bolsonaro e mais 60
Comissão atribuiu quatro crimes ao ex-presidente, entre eles, tentativa de golpe de Estado. Parecer, aprovado por 20 votos a 11, também destaca envolvimento de militares e deverá ser enviado na próxima semana à PGR.
A CPI dos Atos Golpistas aprovou nesta quarta-feira (18) o relatório final elaborado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que propõe o indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e aliados do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. O relatório recebeu 20 votos favoráveis e 11 contrários.
Com a aprovação do parecer, chega ao fim o colegiado misto criado para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro. Após cinco meses de trabalhos, o documento definitivo da CPI pediu, no total, o indiciamento de 61 pessoas, entre civis e militares (veja detalhes abaixo).
O placar a favor do relatório de Eliziane impõe derrota à oposição, que tentou responsabilizar membros do governo Lula pelos ataques às sedes dos Três Poderes.
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No documento aprovado, a senadora apontou esforço deliberado do entorno de Bolsonaro para acirrar o ambiente político e estimular a adesão de simpatizantes a atos antidemocráticos.
O parecer também traçou um histórico antidemocrático da gestão Jair Bolsonaro e atribuiu ao ex-presidente responsabilidade direta por ataques às instituições da República.
Como resultado, foram indiciados 5 ex-ministros e 6 ex-auxiliares diretos de Jair Bolsonaro. Ex-comandantes do Exército e da Marinha nomeados por ele também constam da lista, junto a outros 27 militares e policiais militares do Distrito Federal.
"O 8 de janeiro é obra do que chamamos de bolsonarismo. não foi um movimento espontâneo ou desorganizado; foi uma mobilização idealizada, planejada e preparada com antecedência. Os executores foram insuflados e arregimentados por instigadores que definiram de forma coordenada datas, percurso e estratégia de enfrentamento e ocupação dos espaços", afirmou Eliziane Gama.
O relatório será enviado a órgãos que avaliam e decidem pela apresentação de denúncias, ou não, com base nas conclusões da comissão. Entre as instituições para as quais o documento é encaminhado estão o Ministério Público Federal e a Advocacia-Geral da União (AGU).
Em um primeiro desdobramento da CPI, na próxima semana, a relatora deve entregar o documento à chefe interina da Procuradoria-Geral da República (PGR), Elizeta Ramos.
CPI dos Atos Golpistas durante sessão em que relatório final foi votado — Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Veja a seguir nesta reportagem:
Próximos passos
Com o envio à Elizeta, a expectativa é que o material seja remetido ao subprocurador escalado para as ações do 8 de janeiro no Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Frederico Santos.
À TV Globo, ele afirmou que deverá dar celeridade à análise do material a ser entregue pela CPI.
"Quando tomar conhecimento do relatório e sua extensão é que vou ter uma ideia. Imagino que haja um grande volume de documentos. Mas o nosso objetivo, aqui no Grupo de Combate aos Atos Antidemocráticos, é dar a celeridade devida, mas preservando a qualidade da persecução. Afinal, em última análise, se assim indicarem os documentos, vamos tratar de acusações”, disse o subprocurador.
Entre as hipóteses possíveis para o conteúdo na PGR, estão:
- a abertura de novas investigação com base no relatório
- a anexação de materiais do relatório a apurações em andamento
- oferecimento de novas denúncias
- arquivamento
Por lei, após o encaminhamento, o Ministério Público terá até 30 dias para dizer ao colegiado se houve adoção de medidas em relação às conclusões previstas no parecer.
Em 2021, ao julgar a validade da norma, o STF fixou entendimento de que o MP deve dar prioridade à avaliação do relatório.
O que diz o relatório
Eliziane Gama atribuiu 26 tipos de delitos diferentes aos 61 indiciados. Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado são os mais frequentes.
O relatório final destacou uma teia de aliados e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. E apontou esforços empreendidos por ele — antes, durante e depois das eleições de 2022 — como fatores essenciais para os atos golpistas de 8 de janeiro.
O documento contém 314 menções ao nome do ex-presidente e 812 citações ao sobrenome Bolsonaro.
"As investigações aqui realizadas, os depoimentos colhidos, os documentos recebidos permitiram que chegássemos a um nome em evidência e a várias conclusões. O nome é Jair Messias Bolsonaro", afirmou a senadora.
Segundo Eliziane, o ambiente golpista teria sido incitado deliberadamente por Bolsonaro ao longo de seu mandato. Ela elencou como sinais dessa tentativa as agressões à Justiça Eleitoral, ao STF e à imprensa; a aproximação ideológica com setores das forças de segurança e militares do país; e o aparelhamento de órgãos de inteligência.
"Ainda assim, Jair Bolsonaro perdeu as eleições. O plano inicial — de tomar o poder por dentro — fracassou. [...] Sem votos, sem razão e sem hombridade, Jair Bolsonaro — ele mesmo o reconhece, e aqui o demonstramos — buscou 'alternativas'", escreveu.
A senadora relembrou a minuta de decreto golpista encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres; a tentativa de buscar apoio junto às Forças Armadas para um golpe de Estado; e um estímulo ao "caos social", com a ausência de reconhecimento da derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições.
Eliziane rechaçou a tese de que não houve uma tentativa de golpe de Estado durante os atos.
"Eles queriam tomar o poder. Eles acreditavam nessa possibilidade. Eles o diziam abertamente: em voz alta, nas redes sociais, em cada faixa ostentada na frente do Quartel-General do Exército. A invasão e a depredação dos prédios públicos seriam apenas o estopim", disse.
Segundo ela, a invasão só foi possível graças à “omissão premeditada e deliberada” de membros da cúpula da PM do DF; à “conivência e a leniência” de setores das Forças Armadas; e ao “treinamento, preparação, articulação” de vândalos, instigadores e financiadores.
Crimes atribuídos a Bolsonaro
Eliziane Gama pediu a responsabilização de Jair Bolsonaro por quatro crimes. Na avaliação dela, o ex-presidente foi autor intelectual e moral dos ataques aos Três Poderes, em janeiro deste ano.
Eliziane afirmou que Bolsonaro tem “responsabilidade direta” por “grande parte dos ataques perpetrados a todas as figuras republicanas que impusessem qualquer tipo de empecilho à sua empreitada golpista”.
A senadora avaliou, ainda, que Jair Bolsonaro e seu entorno “compreendiam a violência e o alcance das manifestações” golpistas e, de maneira deliberada, colocavam “mais lenha na fogueira”.
Ela defendeu, então, o indiciamento do ex-presidente pelos seguintes crimes:
- associação criminosa — pena de 5 a 10 anos de reclusão, além de multa
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito — pena de 4 a 8 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento
- tentativa violenta de depor governo legitimamente constituído (golpe de Estado) — pena de 4 a 12 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento
- e emprego de medidas para impedir o livre exercício de direitos políticos — pena de 3 a 6 anos de reclusão, além de pena relacionada ao ato violento
Outros indiciados
O parecer de Eliziane destacou o envolvimento de militares das Forças Armadas — da ativa ou da reserva — e de policiais militares do DF nos atos de 8 de janeiro.
Dos 61 pedidos de indiciamento, 29 são de membros ou ex-membros das Forças e PMs. Oito generais do Exército aparecem na lista, entre eles o ex-comandante da força terrestre Freire Gomes.
Também é citado o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, que foi apontado, em delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, como o integrante da cúpula das Forças Armadas que teria apoiado a intenção golpista do ex-presidente.
São mencionados cinco ex-ministros e seis auxiliares diretos de Bolsonaro.
Veja a lista completa a seguir:
- ex-presidente Jair Bolsonaro
- general Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então secretário de Segurança Pública do DF nos atos
- general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro
- general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro
- general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro
- almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
- general Freire Gomes, ex-comandante do Exército
- tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e principal assessor de Bolsonaro
- Filipe Martins, ex-assessor-especial para Assuntos Internacionais de Bolsonaro
- deputada federal Carla Zambelli (PL-SP)
- coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- general Ridauto Lúcio Fernandes
- sargento Luis Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
- major Ailton Gonçalves Moraes Barros
- coronel Elcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde
- coronel Jean Lawand Júnior
- Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de inteligência do Ministério da Justiça ex-subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal
- general Carlos José Penteado, ex-secretário-executivo do GSI
- general Carlos Feitosa Rodrigues, ex-chefe da Secretaria de Coordenação e Segurança Presidencial do GSI
- coronel Wanderli Baptista da Silva Junior, ex-diretor-adjunto do Departamento de Segurança Presidencial do GSI
- coronel André Luiz Furtado Garcia, ex-coordenador-geral de Segurança de Instalações do GSI
- tenente-coronel Alex Marcos Barbosa Santos, ex-coordenador-adjunto da Coordenação Geral de Segurança de Instalações do GSI
- capitão José Eduardo Natale, ex-integrante da Coordenadoria de Segurança de Instalações do GSI
- sargento Laércio da Costa Júnior, ex-encarregado de segurança de instalações do GSI
- coronel Alexandre Santos de Amorim, ex-coordenador-geral de Análise de Risco do GSI
- tenente-coronel Jader Silva Santos, ex-subchefe da Coordenadoria de Análise de Risco do GSI
- coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PMDF
- coronel Klepter Rosa Gonçalves, subcomandante da PMDF
- coronel Jorge Eduardo Naime, ex-comandante do Departamento de Operações da PMDF
- coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, comandante em exercício do Departamento de Operações da PMDF
- coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, comandante do 1º CPR da PMDF
- major Flávio Silvestre de Alencar, comandante em exercício do 6º Batalhão da PMDF
- major Rafael Pereira Martins, chefe de um dos destacamentos do BPChoque da PMDF
- Alexandre Carlos de Souza, policial rodoviário federal
- Marcelo de Ávila, policial rodoviário federal
- Maurício Junot, empresário
- Adauto Lúcio de Mesquita, financiador
- Joveci Xavier de Andrade, financiador
- Meyer Nigri, empresário
- Ricardo Pereira Cunha, financiador
- Mauriro Soares de Jesus, financiador
- Enric Juvenal da Costa Laureano, financiador
- Antônio Galvan, financiador
- Jeferson da Rocha, financiador
- Vitor Geraldo Gaiardo , financiador
- Humberto Falcão, financiador
- Luciano Jayme Guimarães, financiador
- José Alipio Fernandes da Silveira, financiador
- Valdir Edemar Fries, financiador
- Júlio Augusto Gomes Nunes, financiador
- Joel Ragagnin, influenciador
- Lucas Costar Beber, financiador
- Alan Juliani, financiador
- George Washington de Oliveira Sousa, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília
- Alan Diego dos Santos, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília
- Wellington Macedo de Souza, condenado por envolvimento na tentativa de atentado ao aeroporto de Brasília
- Tércio Arnaud, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”
- Fernando Nascimento Pessoa, assessor de Flávio Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”
- José Matheus Sales Gomes, ex-assessor especial de Bolsonaro apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”
Propostas
Além dos indiciamentos, a relatora da CPI apresentou propostas e recomendações.
Parte vai tramitar no Congresso como projetos de lei. Entre os textos estão:
- proposta que estabelece que presentes recebidos por presidente da República em mandato não podem configurar como acervo pessoal
- proposta que cria o Dia Nacional de Defesa da Democracia, a ser comemorado em 25 de outubro
Outra, ao governo. Uma das propostas prevê que militares em cargos civis sejam julgados, por faltas disciplinares, nos órgãos aos quais estão vinculados, e não pelas instâncias militares.
Discussão sobre o relatório
Por mais de quatro horas, parlamentares discutiram o relatório apresentado por Eliziane Gama.
Governistas saíram em defesa do documento e fizeram elogios ao trabalho feito pela relatora nos últimos cinco meses. Já a oposição direcionou ataques, ironias e críticas ao relatório.
Defendida inicialmente em larga escala por congressistas contrários ao Planalto, a CPI foi marcada pela estratégia da base aliada ao Planalto para ampliar a sua influência nos encaminhamentos da comissão e pelo insucesso da oposição em impor uma narrativa de autogolpe.
Membros da oposição repetiram que a comissão foi “tomada de assalto” pelo governo e que houve suposta leniência com integrantes do governo Lula.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) afirmou que o parecer “falta com a verdade” e criticou a ausência de responsabilização de membros do governo Lula, como o ex-ministro Gonçalves Dias e o ministro Flávio Dino (Justiça).
“Bastam esses dois exemplos para desqualificar o relatório, pela sua absoluta tendência que ignora a verdade. Ignorar a verdade, neste caso, não é mentir, é fraudar”, disse.
Em seu discurso, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) declarou que o parecer da CPI não servirá para “porcaria nenhuma”.
“Esse relatório não passa de água de salsicha, não serve para porcaria nenhuma. Até mesmo porque é uma recomendação”, afirmou.
Eliziane Gama rechaçou as críticas, defendeu o documento e disse que as sugestões de indiciamento estão fundamentadas.
“Nenhum dos indiciamentos dessa comissão veio sem o devido levantamento de provas materializadas — seja por cruzamento de informações e dados, porque nós quebramos sigilos bancários, telefônicos, telemáticos, fiscais, RIFs. Nós fizemos uma leitura apurada. Os indiciamentos que estão aqui, consignados neste relatório, têm respaldo com muita fundamentação”, declarou.
“O que está consignado aqui foi construído a várias mãos. Então, tentar desqualificar ou diminuir esse embasamento é uma perda de tempo”, acrescentou.
Indiciada no relatório, a deputada Carla Zambelli (PL-SP) também discursou na reunião. Ela criticou a senadora Eliziane Gama e afirmou que uma “série de injustiças” foram cometidas pela CPI.
“A senhora não teve a capacidade de anexar uma prova contra mim. [O indiciamento] é mais uma medalha que eu carrego no meu peito. É o mesmo indiciamento que Renan Calheiros fez contra mim na CPMI da mentira e do circo. Vindo de vocês, isso é só mais uma medalha que eu vou [carregar] de honestidade, de extremismo, sim, mas extremismo a favor da vida”, disse Zambelli.
Fonte.G1.com
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