Carta Capital
Homofobia
14.05.2012
17:46
Imagine o
pastor Silas Malafaia acusando alguém de ser preconceituoso. Soa tão irreal
quanto o senador Demóstenes Torres reclamar da corrupção no País. Mas,
convenhamos, o Brasil é uma terra peculiar e os dois casos acontecem, e muito.
Malafaia parou por alguns minutos a sua contínua pregação contra homossexuais
(uma de suas principais estratégias para arrebanhar fiéis, frisa-se) para
enviar um e-mail à redação. Os endereçados eram a repórter Beatriz Mendes, do
site de CartaCapital, e os editores da revista.
O All Out, site que divulga
abaixo-assinados do mundo todo, divulgou a causa de Sérgio Viúla e definiu
Malafaia como 'extremista anti-gay'
O motivo: a
repórter assina matéria
em que relata a pressão dos movimentos LGBT sobre a Avon, empresa de cosméticos
que disponibiliza catálogos de livros aos clientes – entre estes, obras de
Malafaia, o homem em plena cruzada para eliminar a homossexualidade da
humanidade.
O pastor chama Beatriz de
“preconceituosa”, “ridícula” e “tola”, somatizando na repórter questões
profundas que ele precisaria discutir com seu próprio terapeuta. De
quebra, sugere que ela seja gay, o que faz dele, além de tudo, um futriqueiro.
Diz
Malafaia: “A jornalista é tão preconceituosa e ridícula nos seus comentários
que ela diz: ‘Em 2006, foi ele [Silas Malafaia] o responsável por uma
manifestação diante do Congresso Nacional contra a lei criminalizadora da
homofobia. Na ocasião o pastor afirmou que relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo são a porta de entrada para a pedofilia’. Que absurdo a deturpação
dessa preconceituosa jornalista que escamoteia a verdade! O que eu disse foi:
‘O PLC 122 é a porta de entrada para a pedofilia, pois no seu preâmbulo está
escrito a livre expressão sexual’.
Como pode-se perceber, o pastor reclama
que a repórter interpretou corretamente a visão de Malafaia sobre a PLC 122,
justamente a que criminaliza a homofobia. Nesse caso, a livre associação de uma
relação entre homossexuais e pedófilos seria tão errado quanto dizer que todo
pastor neopentecostal é um canalha que só pensa em tirar dinheiro dos fiéis. Há
pastores bons e há pastores corruptos, assim como há pedófilos
heterossexuais e homossexuais. Falta conhecer melhor o assunto sobre o qual
tanto se manifesta e tanto odeia.
Prossegue o pastor:
“A segunda mentira, deslavada e
preconceituosa, prova que a jornalista não lê noticiários e outros jornais, o
que faz dela uma tola. Ela escreveu que eu havia falado em meu programa:
‘Deveriam descer o porrete nesses homossexuais’. Sua atitude foi pior do que a
da Polícia Federal durante a ditadura, que isolava palavras para incriminar os
desafetos”. E conclui contando ter sido absolvido no processo, o que é verdade.
O vídeo
editado a que Malafaia se refere é este aqui. Resolvemos, então,
ir atrás do contexto total do vídeo.
Malafaia diz que a igreja católica “deveria descer o porrete nesses
homossexuais”. Ele alega que usou o termo no sentido figurado. Pode até ser
verdade, mas isso não tira a agressividade do termo nem o ódio desferido aos
gays.
O restante desse vídeo, como o leitor
pode ver, mostra um pastor absolutamente comprometido com a intolerância sobre
quem gosta de pessoas do mesmo sexo em uma tevê. Por volta do minuto 5:50,
chama os homossexuais de doentes:
“Aí eu pergunto pra você (hãhãhã): quem
são verdadeiros os doentes? É isso que eu não me calo. Os caras querem com essa
pseudolei de homofobia (que a homofobia já tem lei, pra quem bate e mata
homossexual vai pra cadeia), eles querem uma lei do privilégio pra falarem o
que quiserem e ninguém diz nada. E sabe por que ninguém diz nada? Eu vou soltar
o verbo aqui: porque lá dentro das editorias estão cheios de gays! É isso aqui!
E eles manipulam a informação! Tá lotado de gays nas editorias de tevês e
jornais”.
Bem, até onde se sabe felizmente
ninguém apanha nas ruas pelo simples fato de ser e parecer evangélico.
Infelizmente essas coisas acontecem com gays e lésbicas.
Saiba também o pastor que uma das mais
interessantes qualidades do jornalismo como profissão é justamente a tolerância
com homossexuais. As redações estão repletas deles por um motivo muito simples:
se o jornalista homem vai para a cama com outro homem, seja este um engenheiro
ou um pastor evangélico, isso só diz respeito a ele mesmo e a seu parceiro.
Preferência sexual não é um
pré-requisito dessa profissão nem de nenhuma outra. É bom que seja assim.
Neste mesmo programa, Malafaia
achincalha pastores que não se posicionam contra a existência de homossexuais
(a partir do 10º minuto). E, para tal, cita um trecho da Bíblia,
desconsiderando totalmente o fato de que só os beócios interpretam o livro
sagrado ao pé da letra:
“Como tem gente medíocre no nosso meio…
alguns pastores vão pro púlpito: ‘pastor não é pra se meter nisso’(…) Queridô,
(…) para com essa falsa espiritualidade. É isso que o diabo e os ímpios querem:
que a gente fique calado. Mas eu vou mostrar uma coisa na Bíblia pra vocês até
pra alguns do nosso meio. Olha a sua covardia: ‘Acho que não deveríamos falar
nada contra o homossexualismo, nós temos que amá-los”’, e cita um trecho
bíblico.
E para
encerrar em grande estilo, o pastor Silas Malafaia termina o programa elogiando
o blogueiro da revista da Veja, Reinaldo Azevedo. Embora considere que ambos se
mereçam, CartaCapital se recusa a tecer comentários. Ao
hospício o que é do hospício.