Punir apenas indivíduos é um risco – chegou a hora de reformar as Forças Armadas





Responsabilização de militares por tentativa de golpe é avanço histórico, mas não basta para afastar tutela militar sobre a política, diz Rodrigo Lentz, professor da UnB e conselheiro da Comissão de Anistia.

As recentes denúncias contra militares de alta patente por envolvimento em uma tentativa de golpe de estado marcaram um ponto de inflexão na história das relações civis e militares no Brasil. Pela primeira vez desde a redemocratização, oficiais-generais estão sendo formalmente acusados e poderão enfrentar julgamentos que podem levar à perda de suas patentes e à prisão. 

No entanto, essa responsabilização, embora simbólica e necessária, é insuficiente para resolver o problema estrutural da intervenção militar na política, avalia Rodrigo Lentz, advogado, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, a UnB, e pesquisador do Instituto Tricontinental. 

Segundo ele, o governo Lula, diante do desafio de reconstruir a relação entre o poder civil e as Forças Armadas, tem adotado uma abordagem cautelosa, priorizando uma negociação interna que permite punir os militares mais alinhados à extrema direita enquanto preserva outros oficiais de alta patente que, mesmo omissos, não foram diretamente envolvidos na conspiração. 

Essa estratégia, diz Lentz, pode garantir alguma estabilidade, mas também perpetuar a cultura de impunidade dentro das instituições militares.

O professor e pesquisador também argumenta que a solução definitiva para afastar o risco de novos ensaios golpistas passa por reformas estruturais nas Forças Armadas. Ele é também conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e tem acompanhado de perto os desdobramentos do caso.

Para Lentz, a separação entre militares e a política é essencial. Ele defende que oficiais que se licenciam para disputar eleições devem ser automaticamente transferidos para a reserva, evitando que os quartéis se transformem em bases eleitorais. 

Outra proposta fundamental, em sua avaliação, é a revisão do artigo 142 da Constituição, que, na prática, ainda permite interpretações que legitimam uma suposta função moderadora das Forças Armadas sobre os demais poderes.

No entanto, Lentz alerta que a resistência dentro das próprias Forças e no Congresso Nacional é grande. Mesmo dentro do governo, há divisões sobre a melhor estratégia a ser adotada. O ministro da Defesa, José Múcio, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, têm sinalizado apoio a reformas pontuais, enquanto setores mais conservadores, incluindo o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, general Amaro, trabalham para frear mudanças mais profundas.

Em entrevista ao Intercept Brasil, Lentz também analisa os desafios da responsabilização dos militares envolvidos no golpe fracassado, as limitações da estratégia atual do governo e as reformas institucionais necessárias para garantir que o Brasil não volte a viver sob a sombra da tutela militar.

Intercept Brasil – Como você enxerga a responsabilização dos militares pela tentativa de golpe de estado?

Rodrigo Lentz – É inegável que o que vem acontecendo, do andamento da responsabilização jurídica de militares de alta patente – aqui eu destaco sobretudo oficiais generais –, é uma inflexão histórica do ponto de vista das relações civis e militares no Brasil. Isso é muito. O fato de os inquéritos terem resultado em uma denúncia da Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal e os indicativos da busca pela celeridade do julgamento dessa denúncia, sobretudo o fatiamento delas, visando facilitar essa celeridade, indica que nós estamos seguindo esse caminho de uma inflexão histórica.

Isso tem um recado muito importante porque, na medida em que um indivíduo que está à frente de uma organização armada decide conspirar contra a República, contra a Constituição, contra o governo legitimamente eleito, contra as instituições, ele será responsabilizado.

Fonte. Paulo 

Intercept Brasil



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