Organização de direita e católica ataca os homossexuais
Opus Dei ataca homossexuais e os jornais dizem amém
Por Leandro Colling em 23/6/2009
No dia 1º de junho, os jornais A Tarde, O Globo, Estado de S. Paulo e
Gazeta do Povo publicaram um texto do jornalista e professor Carlos
Alberto Di Franco que ataca as políticas públicas para o combate à
homofobia no Brasil. Imediatamente, redigi e enviei para os mesmos
jornais um texto para rebater Di Franco. Apenas o Estadão publicou o
texto, na sua página na internet. A Gazeta informou que preferiu
publicar um texto de Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de
Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Os demais nada
informaram.
Ironicamente, Di Franco diz que se o Conselho Federal de Jornalismo
tivesse sido criado, ele "certamente" não poderia publicar o seu artigo.
Este caso mostra, mais uma vez, que quem não pode publicar os seus
artigos são aqueles que contrariam os textos publicados nos jornais
brasileiros. Por isso, resolvi enviar o meu texto para este
Observatório, depois de esperar 20 dias pela sua publicação nos jornais.
Outra informação relevante é a de que Di Franco, como representanteno
Brasil da Universidade de Navarra, presta ou prestou assessoria a vários
jornais brasileiros, inclusive para aqueles que publicaram seu texto
claramente homofóbico (ver
http://www.consultoradifranco.com/index.php?page=carlos-alberto-di-franco).
A revista Época informa que ele já treinou mais de 200 editores
brasileiros. Talvez por isso não devamos estranhar a qualidade de nossos
periódicos na atualidade. Também fico a imaginar o que esse professorde
ética está ensinando aos seus alunos. Seria ele mais ético se assinasse
seus textos como representante da Opus Dei no Brasil. Mas como ele
disse, em entrevista para Época, isso não acrescentaria nada aos seus
textos. Eis meu texto, seguido do de Di Franco, o virgem celibatário que
usa cilício duas horas por dia (ver
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1106784-1664-9,00.html).
De quem é a intolerância?
O artigo publicado em vários jornais (A Tarde, O Globo, Estado de S.
Paulo e Gazeta do Povo – ler abaixo), no último dia 1º de junho, com o
título "Totalitarismo e intolerância", do jornalista e professor Carlos
Alberto Di Franco, é recheado de contradições e fruto de um pensamento
conservador, disciplinador (no pior sentido), totalitário e intolerante.
O autor, para tentar persuadir o leitor, tenta ligar duas questões
distintas para reforçar o preconceito contra a comunidade LGBTT
(lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros) e, de uma forma
mais geral, contra a discussão da sexualidade nas escolas. O texto
poderia ser desconstruído de várias maneiras, mas, em função do espaço,
vou eleger apenas algumas.
Franco tenta sustentar o argumento de que estamos vivendo "uma onda de
intolerância" porque "discriminados assumem a bandeira da
discriminação". Isso porque o governo federal deseja que a temática
LGBTT seja incluída nos livros didáticos e que os professores sejam
capacitados para combater a homofobia nas escolas. O que é um avanço no
combate à intolerância, capaz até de diminuir um alto índice de
suicídios entre os jovens, motivados pela homofobia no ambiente escolar,
Di Franco chama de "espasmo de totalitarismo", pois o governo estaria
fazendo um "proselitismo de uma opção de vida" e que a escola, via
materiais didáticos, não deveria "formatar a cabeça dos brasileiros".
Orientação compulsória
Ora, em primeiro lugar, quem deseja formatar (ou manter formatada) a
cabeça das pessoas é Di Franco. Pregar o respeito à diversidade sexual
não é um "proselitismo de opção de vida", mas a defesa do respeito à
diferença. E ser LGBTT não é uma opção, pelo menos não no sentido de que
é plenamente possível o indivíduo optar por determinada orientação
sexual ao seu bel prazer.
Todos nós, inclusive os heterossexuais, possuímos uma orientação sexual
(que pode ser também uma que transite entre as várias possíveis),
adquirida ao longo dos nossos processos de formação de nossas
identidades, o que é realizado, em boa medida, de forma inconsciente.
A sociedade impõe, exige, apenas uma orientação, ou seja, quer que todos
sigam a heterossexualidade, por isso ela mesma também não é uma opção,
pois é compulsória. No entanto, centenas de pessoas acabam por não se
adequar nessa heteronormatividade e sofrem sérias conseqüências. E é por
causa delas que o governo, muito tardiamente, começa a criar políticas
públicas para combater o preconceito.
Filiações ideológicas e religiosas
Di Franco diz que o governo deve combater os "abusos da homofobia", mas
"não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes
culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa
maioria da população". Eu gostaria de saber o que ele entende por abusos
de homofobia. Pode discriminar, desde que não mate? Esse seria o único
abuso a ser combatido? O modelo de família que temos no Brasil e no
mundo também é uma imposição, construída por um regime de poderque Di
Franco representa muito bem. Regime esse que não consegue conviver com o
diferente.
Ironicamente, esse regime se revela também como uma construção cultural
exatamente nesses momentos, pois o texto de Di Franco mostra como a
heternormatividade precisa ser diariamente reforçada para continuar
sendo a norma preponderante, que tenta, a qualquer custo, aniquilar o
diferente através da coerção e da manutenção da hierarquia de uma norma
sobre os outros.
Por fim, ainda é preciso tratar sobre o outro exemplo do texto de Di
Franco, a polêmica questão do livro, adotado pelo governo de São Paulo,
que conteria palavrões. Não conheço o livro, que realmente pode ser
inadequado para a faixa etária proposta. No entanto, até quando a escola
continuará sem discutir profundamente a sexualidade? Por mais que o
poder conservador e disciplinador tente o contrário, a sexualidade é
tema recorrente nas conversas dos alunos e alunas. Se o professor não
fala, os estudantes falam, e muito, e inclusive praticam, cada vez mais
cedo e com mais intensidade. Tudo isso sem a devida orientação, tanto
para heterossexuais ou não. E assim vemos aumentar o índice de doenças
sexualmente transmissíveis entre os adolescentes. Ou Di Franco seria um
defensor do sexo somente depois do casamento e apenas com fins
procriativos? Não duvidaria nem um pouco dessas possibilidades, dadas as
suas filiações ideológicas e religiosas conhecidas (ser membro da Opus
Dei, por exemplo), novamente evidenciadas em um dos seus textos.
***
Carlos Alberto Di Franco
Totalitarismo e intolerância
Reproduzido do jornal O Estado de S. Paulo, 01/06/09
Dois episódios recentes, em Brasília e São Paulo, desnudam a visão
totalitária e a intolerância ideológica que dominam estratégias de longo
alcance na formação das novas gerações.
Comecemos por Brasília. O governo quer que sejam incluídos nos livros
didáticos a temática de famílias compostas por lésbicas, gays, travestis
e transexuais.
Ainda na área da educação, recomenda cursos de capacitação paraevitar a
homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e
alunos em relação ao tema. Essas são algumas das medidas que integram o
Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT
(lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado
por representantes de 18 ministérios do governo Lula. "É um marco na
busca da garantia dos direitos e cidadania", afirmou o secretários de
Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, durante o lançamento do plano.
Vamos, caro leitor, a São Paulo. A Secretaria Estadual da Educação
distribuiu em escolas um livro com conteúdo sexual e palavrões, para ser
usado como material de apoio por alunos da terceira série do ensino
fundamental (faixa etária de 9 anos). O livro ("Dez na Área, Um na
Banheira e Ninguém no Gol") é recheado com expressões como "chupa a
rola" e "chupava ela todinha". São 11 histórias em quadrinhos, feitas
por diferentes artistas, que abordam temas relacionados a futebol –
algumas usam também a conotação sexual.
Novos dogmas e tabus
O governo de São Paulo afirmou que houve "falha" na escolha, pois o
material é "inadequado para alunos desta idade". Ótimo. Reconhecer o
erro é importante.
Mas, aparentemente, o governo entende que o conteúdo seria adequado para
alunos de outra faixa etária.
Lamentável! É assim que se pretende melhorar a qualidade de ensino? São
Paulo que foi capaz de produzir uma USP assiste hoje à demissão do dever
de educar. A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão
ocupando o lugar da educação de qualidade.
Espero, sinceramente, que o episódio seja pontual e que o governador
José Serra, homem de sólida formação acadêmica, e seu secretário da
Educação, o ex-ministro Paulo Renato, tomem providências definitivas.
Na verdade, amigo leitor, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade.
Discriminados assumem a bandeira da discriminação. O tema da sexualidade
passou a gerar novos dogmas e novos tabus.
Absoluta liberdade
E os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um
modo único de pensar, de ver e de sentir.
Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra,
totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao
governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça
dos brasileiros.
Tal estratégia tem nome: totalitarismo.
O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um
modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e
sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.
Se tivessem aprovado o Conselho Federal de Jornalismo, uma frustrada
tentativa de garrotear a liberdade de imprensa e de expressão, eu,
certamente, não publicaria este artigo. Não conseguiram.
Felizmente. Escrevo com absoluta liberdade. E outros, que de mim
discordem, podem defender seus pontos de vista com a mesma liberdade.
Virtudes e competências
A intolerância atual é uma nova "ideologia", ou seja, uma cosmovisão –
um conjunto global de ideias fechado em si mesmo –, que pretende ser a
"única verdade", racional, a única digna de ser levada em consideração
na cultura, na política, na legislação, na educação, etc. Tal como as
políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância
execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele –
os pensamentos que divergem dos seus "dogmas", e não hesita em mobilizar
a "inquisição" de certos setores, para achincalhar – sem o menor
respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu
dogmatismo.
Aborrece-me a intolerância dos "tolerantes".
Incomoda-me o dogmatismo das falanges autoritárias. Respeito a
divergência e convivo com o contraditório.
Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradicional,
mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o "lugar" onde
podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que
constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania.
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