sexta-feira, 22 de maio de 2015

Tragédia de índio Galdino, queimado vivo em Brasília, completa 15 anos


Jovens foram condenados a 14 anos de prisão, mas foram soltos após oito
Marina Marquez, do R7, em Brasília
Indio Galdino enfaixadoED FERREIRA/20.04.1997/AE
Índio Galdino é visto enfaixado em maca de hospital, após ter 95 % do corpo queimado

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Há 15 anos, cinco jovens de classe média em Brasília escolhiam uma forma inusitada e cruel de se divertir durante a madrugada, depois de uma festa com os amigos. Compraram gasolina e uma caixa de fósforo, atearam fogo em um índio que dormia em uma parada de ônibus na W3 Sul, avenida de um bairro nobre da capital federal, e fugiram.

O índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, que estava na cidade para comemorar o Dia do Índio, acordou em chamas e horas depois morreu no hospital com 95% do corpo queimado. Os rapazes foram reconhecidos, presos e condenados a 14 anos de prisão, mas a lei brasileira garantiu que ficassem apenas oito anos na cadeia — e com direito a várias regalias.

Para justificar o crime bárbaro, os rapazes alegaram que acreditavam ser um mendigo e resolveram "brincar" com ele. Anos depois do crime que chocou o Brasil, uma onda de ataques a mendigos e moradores de rua se espalha por Brasília e também pelo País. Só neste ano, três mendigos foram atacados enquanto dormiam no Distrito Federal.

Dos cinco envolvidos no crime contra o índio Galdino, um deles era menor de idade na época e foi encaminhado para o centro de reabilitação juvenil do Distrito Federal. G.N.A.J ficou internado na unidade por três meses, mesmo tendo sido condenado a um ano de reclusão.

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Os outros quatro — Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova — foram condenados pelo júri popular por homicídio doloso (com intenção de matar), crime hediondo com qualificadores por ter sido um crime por motivo fútil, com crueldade extrema (uso de fogo) e sem chance de defesa para a vítima.

Todos tinham idade entre 17 e 19 anos na época e eram de classe média alta em Brasília. Antônio Novely é filho de juiz federal; Max Rogério, enteado de um ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral); Eron e Tomás, filhos de funcionários públicos.

Crime planejado

De acordo com a promotora do Ministério Público do Distrito Federal que acompanhou o caso, Maria José Miranda Pereira, o crime foi premeditado. Os jovens planejaram com calma por cerca de duas horas. Eles trocaram de carro para não ser identificados, pararam em uma rua paralela, buscaram gasolina em vários postos de combustível, dividiram as tarefas igualmente — dois jogaram o líquido inflamável sobre Galdino e os outros três riscaram o fósforo — e escaparam. Só foram reconhecidos porque um chaveiro que estava próximo anotou a placa do carro.

— A defesa alegou o tempo todo que eles eram bons meninos, que foi só uma diversão. Eu sei se uma pessoa é boa ou não pelas atitudes delas e não porque os amigos ou a família estão dizendo isso. E diversão com a imagem de um ser humano em chamas é o que há de maior crueldade e gravidade.

Presos em 1997, os garotos só foram julgados em 2001, depois de todos os recursos dos advogados de defesa. Em cinco anos, os advogados tentaram modificar o crime para lesão corporal seguida de morte e evitar que os garotos fossem julgados pelo Tribunal do Júri de Brasília. Além disso, conseguiram benefícios para que os acusados estudassem e trabalhassem fora do presídio, benefício que outros presos não tinham.

— Eles [os advogados de defesa] tentaram tudo que puderam. Eu lutei muito na época e não por um caso, mas por uma causa. Queria que fossem julgados pelo crime que realmente cometeram, um homicídio, e deveriam ser julgados como outros pelo Tribunal do Júri. Se não fosse assim, que moral eu teria para condenar outros presos que dão um tiro na cabeça de alguém sendo que quem matou com uma crueldade tão grande como aqueles meninos nem sequer seriam julgados da forma certa?

Os jurados condenaram Max Rogério, Antônio Novely, Eron e Tomás a 14 anos em novembro de 2001. Como a lei, na época, dizia que com um sexto de pena em regime fechado os presos de bom comportamento e sem antecedentes criminais poderiam ir para um regime semiaberto, em 2002 os jovens já não viviam mais na prisão, apenas voltando lá para dormir.

Todos tinham benefício de estudar e trabalhar fora do Complexo Penitenciário da Papuda. Saiam nos próprios carros e, muitas vezes, aproveitaram o benefício para "esticar" o dia e fazer um happy hour nos bares da cidade, como revelou reportagem do jornal Correio Braziliense em 2003.

Em 2004, oito anos depois de colocarem fogo no índio Galdino, estavam livres. Progrediram para o regime aberto e, como Brasília não possui colônias agrícolas e albergues, foram para suas casas. Deveriam voltar para dormir todos os dias e não viajar. No entanto, segundo a promotora, a Justiça concedeu vários benefícios e os assassinos do índio Galdino puderam fazer turismo enquanto cumpriam pena.

Ficha “limpa” do crime bárbaro


Quinze anos depois, os garotos "estão muito bem e reconstruíram suas vidas", de acordo com o advogado de três deles, Raul Livino. O menor se formou em processamento de dados. Tomás fez faculdade de administração e trabalha em uma empresa, como funcionário. Eron se formou em economia e tem o próprio negócio, uma pizzaria e locadora de vídeos cujo proprietário é o pai.

Antônio Novely fez faculdade de fisioterapia, trabalhou como funcionário de digitação da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e na área de cirurgia plástica do Hran (Hospital Regional da Asa Norte). Hoje é concursado da Secretaria de Saúde. Max se formou em direito e é advogado da empresa do padrasto, ex-ministro do TSE.

Nenhum deles quis falar com a reportagem do R7. Max disse que não ia comentar a respeito. Os outros, segundo os advogados, querem esquecer o assunto, considerado passado. Segundo o advogado Raul Livino, eles aguardam apenas a reabilitação. Esse documento, concedido pela Justiça, apaga da ficha dos jovens o passado criminal.

David Luiz se arrepende de ter perdido a virgindade


O zagueiro David Luiz é um dos mais famosos representantes do ministério “Eu escolhi esperar”cujo principal objetivo é incentivar jovens a adiar a vida sexual até o casamento. David Luiz foi recentemente batizado pelo pastor Nelson Júnior  e foi notícia em todo o mundo.

“Eu apoio o ministério do pastor Nelson (Eu Escolhi Esperar) porque se eu hoje pudesse fazer diferente, teria escolhido esperar até o casamento. Acho que é a melhor decisão que os jovens podem tomar e se eu puder dar um conselho seria esse. Acredito realmente que pode fazer a diferença nas novas gerações”, disse David Luiz ao site Globo.Esporte.com

Segundo ele,  se pudesse fazer diferente teria escolhido esperar até o casamento.  Em entrevista ao programa “Encontro” de Fátima Bernardes, o pastor Nelson Júnior explicou a origem do movimento.

"Comecei esse movimento baseado na história da minha vida. Fiz essa escolha aos 12 anos. É difícil para o adolescente dizer não. Por ter vivido isso, como jovem, vivi esse dilema. Não tinha dúvida. Era muito pressionado na escola e, com 14 anos, eu tinha vergonha de assumir a minha escolha. Por ter passado por isso, eu fiz essa campanha˜, disse.

Alguns jornais ingleses publicaram que o zagueiro brasileiro teria mantido a castidade para esperar o casamento. Fico chateado com a forma como falam da minha vida pessoal sem qualquer fundamento, inventando coisas e tirando conclusões de coisas das quais eu nunca me pronunciei. Mais ainda sabendo que quando posso, estou à disposição para falar com todos. Não tenho por hábito negar esclarecimentos. Por isso, os meios de comunicação com credibilidade deveriam ter base para divulgar as coisas de maneira correta, diferente da maneira que têm feito”, reclamou.

David Luiz foi convocado para jogar a Copa América e vai continuar esperando até o casamento. 
Fonte. Yahoo.com.br

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Lucas Lucco estará em 'Malhação'

ELEVISÃO


Lucas Lucco, o cantor de sertanejo universitário, de 24 anos, vai dar início a uma nova carreira. 
O mineiro estará na nova temporada de "Malhação". O cantor fará aulas de interpretação e prosódia para domar o sotaque. A nova fase do seriado está prevista para agosto.

Dan Stulbach relembra carreira e fala sobre política e redes sociais: ''A troca de ideias anda muito difícil''


Marcos Vilas Boas
 "Não foi fácil eu me aceitar como ator"
Não foi nada fácil para o jovem Dan Stulbach, filho de judeus poloneses, romper a barreira de uma família de estrangeiros e tornar-se ator no Brasil. Chegou a fazer vestibular para medicina, administração de empresas e a cursar engenharia, tudo para satisfazer a família que veio de longe: o pai, da Cracóvia e a mãe de Varsóvia.
Em tempos de guerra, o pai, menino ainda, à beira da inanição, ficou escondido num sótão cheio de carvão antes de ser entregue a uma nova família e acabar no Brasil. A mãe, de família rica, seguiu o mesmo caminho rumo à América do Sul. Os dois, um dia, acabaram se encontrando na faculdade, no Mackenzie, em São Paulo.
Dan e a irmã foram criados num ambiente de estrangeiros, onde se falava o polonês em casa. Os pais conseguiram seu espaço e queriam ver o filho mais velho formado, com emprego fixo, salário no final do mês. Dan foi forte o suficiente para seguir seu próprio caminho, subir no palco e mostrar que sua paixão era o teatro.
Quando entrou na Rede Globo, numa oficina de atores, queriam que seu nome fosse Dan Filip, mais fácil de pronunciar. Mas ele insistiu e lembrou-se do avô, o velho Stulbach, que sempre achou que a vitória do neto seria a consagração de uma família que considerava também vitoriosa. Dan bateu pé, e se tornou Dan Stulbach.
Aos 45 anos, casado e pai de dois filhos, nunca sonhou com carteira assinada. Do teatro pulou para a sala de aula (foi professor de publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM), e daí para a tela do cinema, o rádio, a televisão, onde atualmente comanda a bancada doCQC, o Custe o que custar, da Band.
Na entrevista a seguir, Dan fala sobre como foi deixar a zona de conforto da Rede Globo e sentar-se na bancada de um programa ao vivo. Conta que nunca foi de revelar em quem votou ou deixou de votar e diz o que pensa sobre o Brasil atual (“o brasileiro anda meio triste; a ignorância é feliz por natureza, a tomada de consciência, não”). Revela que nunca foi homem de um trabalho só e que consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Sobre TV, acha que artigo de luxo, hoje, é a sinceridade: “Quando a gente consegue sair da gritaria, da histeria, dos assessores, dessa maquiagem toda, e ser alguém de verdade, aí fica diferente, mais interessante, e o público é cativado”. 
Arquivo Pessoal
Dan aos 6 anos com a irmã, Tamara
Dan aos 6 anos com a irmã, Tamara
Trip. Você é ator, diretor, apresentador, comentarista esportivo, jornalista. Quando preenche aquela ficha de hotel, o que coloca como profissão?
Dan Stulbach. Ator. Apesar de ter trilhado vários caminhos, minha profissão é ator. Não foi fácil, principalmente por questões familiares, eu me aceitar como ator, assumir isso. Foi justamente durante uma turnê, num hotel, na hora do check-in, que tive de escrever o que era, e nesse dia decidi: ator.
A TV Globo está comemorando 50 anos. Você foi convidado para a festa? Não fui. Achei natural, já que estou em outra emissora. Mas, na semana dos 50 anos, passou um seriado comigo lá[risos].
Em que momento você achou que era hora da ruptura, de deixar a maior emissora do país? Tive uma longa relação com a Globo, mais de 12 anos. Comecei fazendo uma oficina de atores. Depois de quatro anos, decidi abrir mão de contrato. Eu nunca quis ter uma relação corporativa com nenhuma empresa na minha vida. Nunca fui fascinado pela cesta de Natal. Tenho dificuldade com pertencimento em qualquer área. Isso porque muitas vezes pode ser improdutivo, desestimulante, ficar acomodado. Estar na Globo foi ótimo, sensacional. Quando decidi abrir mão do contrato, essa discussão vinha e voltava. A última foi quando decidi ir para a Bandeirantes.
"O que me encuca hoje é a morte do tédio, o nada pra fazer. Ninguém mais tem tédio. A pessoa não fica mais à toa, ela vai pro Facebook, pro celular"
Por que esse desprendimento, isso de não se agarrar a algo mais sólido? Meu pai trabalhou durante vários anos para muitas empresas. Vinte anos em uma, dez anos em outra, 15 em outra. Muito tempo. E tinha essa ilusão de que iria viver nelas para sempre. Eu vi o momento em que ele foi mandado embora, eu estava em casa quando ele foi demitido. Eu vi de perto essa queda. A geração dele toda acreditava que o cara é da empresa, a empresa é dele e vai ser assim para sempre. Quando esse casamento se desfaz, a pessoa fica em ruínas. Vi isso acontecer com o meu pai e eu jamais queria que isso acontecesse comigo.
Sempre quis uma relação mais livre? Eu nunca quis terceirizar meu sonho. Sempre quis fazer televisão, não vou mentir. Vejo televisão pra caramba, tenho ídolos, adorava coisas que a televisão fazia e acabaram me transformando. Mas, ao mesmo tempo, sempre fiz outras coisas. Gosto desse leque mais amplo. O programa de rádio, por exemplo [Fim de expediente, que ele apresenta na rádio CBN], existe há nove anos. Esse é um programa que inventei com uns amigos num momento de vazio, de angústia. Eu já era um ator conhecido, tinha contrato com a Globo, mas tinha necessidade de fazer perguntas diferentes. Eu adoro fazer. Gosto muito de encontrar os caras, que são meus amigos desde moleque.
Você tem muitos amigos de infância? Tenho. Agora mesmo a gente estava em Nova York, comemorando 30 anos de amizade. Em geral é gente que começou comigo no teatro, no colégio. Esses caras estão sempre comigo, me lembram de quem eu sou. Com o deslumbramento que a televisão traz, a fama – não minha comigo mesmo, mas das pessoas, que passam a te tratar de um jeito diferente – é bom ter gente que já me conhece.
Você não experimentou esse deslumbramento? A vaidade com o sucesso? Eu experimentei, fui fazer terapia logo em seguida. Eu estava fazendo uma peça, Novas diretrizes em Tempos de paz, com o Tony Ramos, e fez sucesso, ganhei prêmios, destaque, atenção. Na mesma época ganhei popularidade com a novela [Mulheres apaixonadas, de 2003]. Tem uma frase do Freud que diz “o objeto mata o desejo”, e era exatamente o que eu estava sentindo: junto com toda a alegria, tinha um certo desamparo. Você fica meio desnorteado. Ao mesmo tempo em que era muito bom o reconhecimento todo, todo mundo entender que eu era ator, eu não conseguia mais ter privacidade, me sentir anônimo. Mas com o tempo achei um jeito de as coisas darem certo. Tenho uma vida pública confortável. 
Até hoje lembram desse personagem de Mulheres apaixonadas, não é? O cara que batia na mulher com a raquete. É uma loucura isso. Meu personagem, o Marcos, entrou no quinto mês da novela. E a história da raquete durou duas semanas. Mas está na cabeça das pessoas até hoje. Foi um momento importante. Hoje eu tenho até certa inveja da minha juventude naquele trabalho. Me diverti muito.
Globo
Dan e Helena Ranaldi em cena da novela Mulheres Apaixonadas (2003)
Dan e Helena Ranaldi em cena da novela Mulheres Apaixonadas (2003)
Você é filho de poloneses. Como é a história dos seus pais? Minha mãe era de uma família muito rica na Polônia, que foi dizimada quando a guerra começou. Todos os bens foram confiscados, o pai da minha mãe morreu. Mas a mãe dela fugiu de Varsóvia, grávida, e teve minha mãe embaixo de uma árvore. Elas foram acolhidas em uma aldeia que hoje fica na Ucrânia. A família do meu pai é um outro extremo, uma aldeia pequena perto de Cracóvia, uma família de 11 irmãos. Quando estoura a guerra vão todos pro gueto, mas conseguem viver escondidos em um sótão, durante anos. A essa altura meu pai tinha sido adotado por uma família católica. Só que ele fica doente, minha avó é avisada e traz o menino pro sótão, com 2 anos de idade. Ele está com 75 e até hoje não gosta de falar disso. Fui descobrir essas histórias já mais velho.
Como os dois se juntam, no Brasil? Meu pai continuou na Polônia mesmo depois da guerra, até 1959. Mas tinha um tio que vivia no Brasil e eles decidem se mudar. Minha avó vem na frente com o filho mais novo e, sete meses depois, vem meu avô com meu pai. Eles se instalam em São Paulo e começam a trabalhar. Sabe piso de caco de mármore? Meu avô fazia isso. Metade dos prédios de Higienópolis tem esse piso, que ele fazia com meu tio-avô. Já a minha mãe, depois daquela história toda, ganha um padrasto e ele é transferido pro Brasil. Ela vai estudar arquitetura no Mackenzie, na mesma época em que meu avô faz engenharia lá. É assim que eles se conhecem, no meio de uma turma de estrangeiros que convive até hoje.
"Pedir impeachment ou a volta dos militares é falta de maturidade, desconhecimento. Mas o fato de o cara ter saído de casa pra ir pra rua eu acho positivo"
Eles gostaram da ideia de você ser ator? Não, foram muito contra. A gente brigou muito por causa disso. Eu entendo, havia uma preocupação com a segurança, ter uma profissão. Meu pai começou aqui sem dinheiro, virou engenheiro, sempre foi o estilo de pai provedor, sério, de gravata. Eu tive muito medo de ser ator. Fiz um ano de EAD [Escola de Arte Dramática] e estava desistindo, mas acabei sendo chamado para alguns trabalhos. E teve um texto pelo qual me apaixonei, Peer Gynt, do Ibsen, que estava sendo montado pelo Roberto Lage, em 1990. Tem um episódio dramático sobre isso: nesse ano, pela primeira vez nós íamos para a Polônia juntos, meus pais, eu e minha irmã, encontrar um tio da minha mãe. Mas surgiu a chance de fazer o papel principal nessa peça e, aos 19 anos, tive que escolher entre esses dois mundos. E eu escolhi fazer a peça.
E aí? Fui mandado embora de casa. Escrevi uma carta para esse tio dizendo que um dia eu voltaria lá. Todo mundo me odiou, meu avô me ligava para dizer que estava destruindo a família. Mas em 1998 voltamos todos à Polônia. Fui pra Copa [da França] com essa minha turma de amigos e em seguida fui encontrar a família. Encontrei o tio, conheci os lugares que faziam parte da história, veio toda essa carga da guerra.
Quão judia é essa família? Vocês são religiosos, seguem as tradições? Muito pouco. A gente faz Rosh Hashaná, Yom Kippur, Pessach. Eu sou muito ligado a isso, culturalmente. Tenho as histórias comigo, mas não sou religioso no sentido de conhecer as rezas. Nem minha família.
De onde você acha que veio essa vontade tão forte de ser ator? Eu era um garoto comum, estudava no Rio Branco, tinha amigos. Acho que eu tinha muito pra dizer, pra expressar, e não sabia como. Aí quando eu entro num grupo de teatro da escola tudo muda. Achei perfeito, conseguir falar através de um personagem. Foi lindo. E foi involuntário, uma surpresa, um susto. Descobri isso de repente, no último ano escolar. Foi quase sem querer, como diz o Legião Urbana. Cogitei outras carreiras, medicina, engenharia. Mas ser ator foi muito forte. 
Arquivo Pessoal
Em 1988, na peça Roupa Nova do Rei, com o grupo de teatro do colégio
Em 1988, na peça Roupa Nova do Rei, com o grupo de teatro do colégio
Você é louco por futebol, não? Eu fiz muito esporte na infância, sempre joguei bola. Existe um trauma na minha vida: tive que operar os pés com 13 anos, passei um tempo em cadeira de rodas, fiz muita fisioterapia. Por um tempo o único esporte que eu podia fazer era natação. Depois, voltei a jogar.
E a ligação com o Corinthians, vem de onde? O Corinthians é demais. Minha primeira lembrança importante em um estádio é da época da Democracia Corintiana, a campanha de 81, 82, por aí. Mesmo quando o time do Corinthians não era o melhor, sempre teve muita raça, vontade. Uma certeza de que ia fazer acontecer. Aí vem o Doutor [Sócrates], com toda sua visão de mundo. Fui aprender o que era democracia com eles. Eu estava com meu pai no estádio, o Corinthians entra em campo e eu pergunto: o que é isso que está escrito na camisa? O que é democracia? Anos depois eu conheci o Sócrates. A gente se encontrava, ria. Foi um privilégio pra mim.
Depois que saiu da Globo, você se sente mais livre para se expor politicamente? Continua a mesma coisa. A Globo sempre foi muito legal comigo, nunca me determinou nada. Sobre a questão política, eu nunca me expus, nunca digo em quem votei ou vou votar. O Brasil não permite a mudança de ideia, principalmente nas redes sociais. Há um policiamento enorme. Hoje é difícil expor sua opinião sem ser acusado de coisas que você não é, sem ser agredido. A troca de ideias anda muito difícil. Como ator, tive uma influência grande do Paulo Autran, e ele dizia: quanto menos as pessoas souberem de você, mais elas vão acreditar nos seus personagens.
Como vê a situação do Brasil hoje? O que acontece no Brasil hoje é uma tomada de consciência geral. O brasileiro anda meio triste. A ignorância é feliz por natureza, a tomada de consciência não. Há um desânimo no país. Para quem acreditou que a gente ia sair do buraco, ia florescer... Na verdade, a gente estagnou.
Globo
Na série da Globo, Queridos Amigos (2008)
Na série da Globo, Queridos Amigos (2008)
O que acha das manifestações? Acho a ida para a rua positiva, seja a bandeira que for. Significa brigar pelo país. Quando pedem o impeachment ou a volta dos militares acho que existe aí uma falta de maturidade, um desconhecimento, sem dúvida. Mas o fato de o cara ter saído de casa pra ir pra rua também significa alguma coisa. Quando eu tinha 17 anos, eu era intenso, mesmo quando não sabia direito o que eu estava falando. Enxergo um pouco como se o Brasil tivesse 17 anos. A gente está na adolescência. A maturidade vai vir. O conhecimento, o interesse, tudo vai acabar chegando. Vamos buscar o melhor voto, mais participação, melhor estrutura política.
Voltando pra televisão, o que você quer com o CQC? Eu quero um programa de qualidade. Certos profissionais, certas pessoas que eu conheço, querem isso. Certos programas não se interessam por isso, não estão nem aí. Os mais interessantes acho que querem. 
Aonde você acha que vamos chegar? Acredito que a gente vai cair em audiência em tudo, já tem caído. Não por culpa de quem faz, mas porque os interesses estão mudando. Boa parte dos jovens, do novo público, já não vê televisão aberta.
Muitos programas bombam mais no Twitter do que na tela da TV. Quando observamos a medição do Ibope de uma matéria do CQC dando 3 ou 4 pontos e vamos ver na internet, tem 800 mil acessos, o que significa uns 10 pontos no Ibope. Os críticos de TV vão ter de começar a entender isso, essa nova realidade, e não apenas cobrar os números oficiais da audiência.
CQC sempre foi a cara do Marcelo Tas. O que você sentiu quando sentou ali naquela bancada, no lugar dele? Eu nunca pensei sobre isso. O formato é parecido, a mesma roupa, os textos são consolidados, parecidos. Quando estreou, teve jornalista que escreveu que eu quis parecer o Marcelo. Mas sempre procurei fazer as coisas do meu jeito. Como ator, em tudo que eu faço, faço do meu jeito, porque senão não tem sentido pra mim. A minha preocupação é fazer um bom programa, fazer a coisa funcionar, a roda girar.
Band
Na bancada do CQC, na tv Bandeirantes
Na bancada do CQC, na tv Bandeirantes
CQC é muito improviso, é preciso ter muita presença de espírito, não? Imagine que não temos teleprompter, não temos texto pra ler. Quando volta de uma matéria, você tem de dar o ritmo até chamar a seguinte. Depois, preparar a piada pros dois e finalmente dar opiniões pessoais. É preciso ter a síntese e a elaboração de pensamento que não esteja escrita. Está sendo um aprendizado bem bacana.
Não frustra um pouco o CQC, que é um ótimo programa, dar apenas 5 pontos no Ibope? O CQC não merecia mais? Eu queria que desse 30. Ou até mais, pensando na equipe, na produção, na Band. É um programa divertido, inteligente, que mostra coisas de verdade. Estou lá hoje porque gosto, porque sempre gostei do programa. Quando vejo o que está passando na mesma hora que o CQC, tem gente que está vendo o Gugu, do Gugu vai pro Ratinho. 
Como você encara essa ruptura de sair dos 30 pontos e cair nos 5 do CQC? Tenho consciência de que não sou eu. A novela é um monte de gente, uma história, um ícone do país há décadas. É bom frisar que a Globo, no horário político, vai dar 20 e a Band, 4, mostrando a mesma coisa. É claro que a minha responsabilidade, o meu nível de envolvimento, no CQC é muito maior do que era numa novela. Mas eu não me martirizo com esse 30 a 5, não.
O que você acha das redes sociais? Eu ainda não me acostumei a falar com tanta gente que não conheço. Acho que é um exercício de identidade muito positivo. Eu sou alguém, tenho uma opinião, sigo essas pessoas, leio esses livros, vejo esses filmes. Brinco que na minha sala de aula[Dan foi professor de publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM] tinha só um cara que gostava de disco voador. Na sua, tinha outro, e eles jamais iriam se encontrar. Na internet, eles se encontram em 5 minutos. Eles não vão se sentir sozinhos como se sentiam lá na minha sala ou na sua. Eles vão falar de discos voadores, eles vão ter um grupo de discos voadores, vão postar um vídeo, mostrar uma revista, a coisa vai longe. Isso não significa que o disco voador tem mais importância do que tinha antes. Mas acho esses encontros positivos.
Hoje todo mundo fotografa tudo. E publica. O que você acha disso? Eu tenho poucas fotos de criança. Depois, fui tendo mais, à medida que os meus pais foram comprando máquina. Hoje em dia uma criança tem fotos de quase todas as semanas da vida dela. E ela começa a tirar fotografias a partir dos 2 anos. A relação com a memória vai ser diferente com as crianças de hoje do que foi pra gente. Eu tenho uma grande curiosidade de saber como isso vai ser.
No Saia Justa masculino, no GNT
No Saia Justa masculino, no GNT
Você se considera um cara antigo? Eu sou um cara antigo com relação à privacidade. Hoje em dia, as pessoas têm uma ideia da privacidade que é muito diferente da minha quando mais jovem. Essa nova geração talvez seja mais aberta, mais espontânea. Quando um cara se fecha no quarto como a gente se fechava antigamente, o que sobra? Pra mim sobrava muita coisa. Hoje sobra o quê? O que sobrou só pra ele? O que ele não contou pra ninguém?
Se você tivesse um talk-show, quem seria o primeiro convidado? O Oliver Sacks. Tem muita gente com quem eu gostaria de conversar. O Obama, o Caetano, o Al Pacino, o arquiteto Isay Weinfeld, que é um cara espetacular. 
E o cinema e o teatro no Brasil hoje? Acho que o teatro tem menos possibilidades do que o cinema. O grande problema do cinema é entrar em cartaz. É difícil fazer, mas se consegue. O teatro tem dificuldade nos dois momentos. Dificuldade para ser feito e dificuldade para ser visto. O problema do cinema é que ele está espremido numa lei de mercado que é difícil de mudar. Já o teatro é totalmente refém da Lei Rouanet. O Ministério da Cultura tem 0,3% do orçamento, não tem como gerar nada com tão pouco dinheiro; portanto, é a Lei Rouanet que acaba fazendo as coisas funcionarem no teatro. É tudo decidido pelos diretores de marketing, que têm que pensar nas suas empresas. Naturalmente, você não pode cobrar muito deles. O diretor de marketing está pensando no que é melhor para a empresa dele. Ele acaba escolhendo as peças que vão ter mais visibilidade, e o dinheiro acaba indo para os atores de mais visibilidade. Aí você tem um monte de gente talentosa sem palco.
Há quanto tempo você é casado? Nossa, agora é um número que eu não posso errar [risos]. Nove.
Você foi um cara muito namorador? Não, eu era muito romântico na adolescência. Sabe o Kevin, dos Anos incríveis? Eu era total Kevin. Sempre tive namoros sérios, histórias românticas. Depois até tive uma época mais rock’n’roll, divertida. Mas sou bem feliz hoje.
Há quanto tempo você é pai? O que mudou desde então? Quatro anos e meio. Muda muita coisa. Tem a questão prática, da responsabilidade. E tudo o que já fiz meus filhos vão poder ver, vão acessar a internet. Tenho que tomar cuidado para não ficar amarrado nessa ideia do ideal. Questões que eram mais filosóficas ficaram muito reais. Você tem que pensar: que educação eu quero dar? Que escola? Quão judeus eles vão ser, se é que vão ser? Quero que eles saibam a nossa história, e carreguem isso consigo, mas também quero que eles sejam mais livres do que eu fui. E tem toda essa coisa do mundo de hoje, que é caótico, virtual, precocemente sexual, violento. Tudo isso preocupa. Mas ter filhos é o máximo, a simplicidade, a alegria que está num simples passeio pelo quarteirão de casa.
Marcos Vilas Boas
"Pedir impeachment é falta de maturidade"
Fazendo tanta coisa, como é o seu dia a dia? Eu agora estou ficando mais organizado. Tenho o CQC, a CBN, vou ter a ESPN, onde vou gravar um programa novo, o Bola da vez. Tem o teatro que eu cuido e a peça que vou fazer, A morte acidental de um anarquista, do Dario Fo. Eu consigo fazer tudo e ainda ter tempo livre. Eu sou uma pessoa triste sem tempo livre. 
E no CQC, como é a rotina? Trabalhamos em equipe, é uma equipe grande, tem dois diretores, um supervisor, pauteiros, produtores, repórteres. Eu participo da avaliação de cada programa, das reuniões de pauta, gosto de orientar, dar um toque aqui e ali pros repórteres. É aquela coisa, eu não estou lá porque eu quero que tenha mais audiência, eu quero fazer o que podemos fazer de melhor. O CQC dá 4, 5 pontos de Ibope, mas a repercussão é enorme. As pessoas comentam, falam. Essa coisa de dar ideias, me meter, eu sempre fui assim. Quando substituí a Fátima Bernardes no programa dela, foi assim. No Saia justa substituindo as meninas também. Gosto disso. Eu não tenho problemas de ouvir que eu estou errado, que não estou fazendo bem. Ouvir é uma habilidade que eu tenho. O Marco Nanini falava que a coisa mais difícil para o ator é ouvir. Guardei isso para sempre.
Você ainda lê jornal de papel? Ainda sou um homem do papel. Tenho uma adoração por tecnologia, mas gosto de ler no papel. A Time, a Wired, a Time Out, revistas de arte, adoro. Acabei de encadernar a coleção da Placar, porque estavam esfacelando. Apesar de achar que elas ficam lindas no iPad, gosto do papel. Gosto de tomar café lendo jornal. O que me encuca hoje é a morte do tédio, o nada pra fazer. Ninguém mais tem tédio. Você não fica mais à toa, vai pro Facebook, pro celular, é uma loucura. A máquina tem de estar girando o tempo todo. Adoro meus livros, olhar pra estante e ver todos aqueles livros.
O que você está lendo? Liberdade, do Jonathan Franzen. Acabei de ler o Humilhação, do Philip Roth.
E o futuro, como vai ser? Não consigo imaginar muita coisa. Por exemplo, uma casa onde haverá apenas um iPad com 20 mil livros, 10 mil filmes, a vida da pessoa. Às vezes sonho com o mundo do Almodóvar, em que uma pessoa está em casa fazendo café e a campainha toca. E aquilo é um mistério: quem será? Coleciono vinis, ouço jazz, adoro fotografia. Minha vida tem um lado meio anos 50. Estranho as pessoas que estão com medo até de ligar para o outro. Preferem mandar mensagem, e-mail. Acho estranho mandar parabéns pra alguém por mensagem. Mandar parabéns pelo celular pra um amigo que acabou de ser pai. Acho tudo muito estranho.
cedoc/ tv globo
Sua estreia na TV na novela "O amor está no ar", de 1997

Estão morrendo mais por remédio controlados do que por drogas ilegais


Ilona Szabó: uma das lideranças mais influentes pela legalização das drogas

20.05.2015 | Texto: Micheline Alves | Fotos: Pablo Saborido
A frente do Instituto Igarapé, que atua na área de segurança pública, e da Comissão Global de Política sobre Drogas, a brasileira se tornou referência mundial em algumas das causas mais fundamentais da atualidade

Pablo Saborido
Ilona Szabó de Carvalho, 

coordenadora da Comissão Global sobre Política de 

Drogas
Ilona Szabó de Carvalho, coordenadora da Comissão Global sobre Política de Drogas
"O Brasil, este lindo país, tem o recorde mundial mais feio: somos o campeão, o número um, em violência homicida. Uma em cada dez pessoas mortas ao redor do mundo é brasileira. Isso resulta em mais de 56 mil pessoas morrendo violentamente a cada ano. A maioria delas são jovens garotos negros, mortos a tiro. O Brasil também é um dos maiores consumidores de drogas do mundo, e a "guerra às drogas" tem sido especialmente dolorosa aqui. Cerca de 50% dos homicídios nas ruas brasileiras são relacionados a essa guerra. O mesmo vale para 25% dos presos."
Quem diz isso é Ilona Szabó de Carvalho em um vídeo visto mais de 800 mil vezes no TED, a plataforma que reúne palestras de personalidades das mais diversas áreas, do mundo todo. Ela sabe do que está falando: desde 2003, quando se envolveu ativamente na campanha pelo desarmamento que mobilizou o país, trabalhando na organização Viva Rio – ela era, aos 24 anos, a coordenadora dos postos de arrecadação de armas de fogo – a moça se mete com os assuntos espinhosos que fazem da segurança pública uma das questões mais complexas dos nossos tempos. 
Palestra do TED de Ilona
Diretora executiva do Instituto Igarapé, organização com sede no Rio que junta brasileiros e estrangeiros trabalhando por metas como a redução da violência e uma nova política de drogas para o mundo, ela também atua como coordenadora da Comissão Global sobre Política de Drogas, que tem entre os membros exchefes de Estado como o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, e é uma das fundadoras da Rede Pense Livre, formada por 70 jovens lideranças brigando por reformas legislativas e mudanças práticas na maneira como o Brasil lida com a questão dos entorpecentes.
Não é pouca coisa. Só ao longo do último ano, o grupo dirigido por Ilona e o marido, o pesquisador canadense Robert Muggah, desenvolveu pesquisas, lançou publicações, assinou artigos na imprensa nacional e internacional, organizou 30 eventos, fez articulações com políticos, criou um piloto de aplicativo para smartphones destinado a monitorar a ação da polícia... e falou muito, incansavelmente, na tentativa de formar uma nova opinião sobre esses temas, da legalização da maconha ao sistema carcerário. Não bastasse tudo isso, Ilona pôs em prática a maternidade – Yasmin Zoe está completando 1 ano de idade, em um dos momentos mais frenéticos da vida da mãe. "A gente trabalha 24 horas por dia. Minha maior missão hoje é retomar meus fins de semana e ter mais tempo para a pequenininha."
"Se você está em um país que depende de tantas transformações, precisa investir em quem confia, na causa que te toca"
Nascida na "Suíça brasileira", a cidade de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, Ilona é cidadã do mundo. Aos 16 anos, embarcou para a Letônia, país do Leste Europeu banhado pelo gélido mar Báltico – apenas porque, quando lhe foi dada a chance de fazer um intercâmbio, queria "passar um ano diferente". Formada em Relações Internacionais pela Estácio de Sá, no Rio, com mestrado na Suécia, ela já rodou o planeta. E quer continuar rodando, até que todas as organizações em que atua "não sejam mais necessárias", como ela diz. "No dia em que isso acontecer, vamos atrás de outras causas".
A seguir, a conversa que ela teve com a reportagem da Tpm em São Paulo – entre uma ida a Brasília e a volta para casa no Rio, a tempo de amamentar Yasmin. Sem jamais perder o humor. E a ternura.
Tpm. Você representa diferentes redes: o Instituto Igarapé, a Rede Pense Livre, a Comissão Global de Política sobre Drogas. O que você faz exatamente?
Ilona Szabó de Carvalho. Nem para a minha família está claro [risos]. Minha avó acha que eu trabalho com o Fernando Henrique, meus pais sabem que trabalho com redução da violência. Tenho tanto tarefas de execução – fazer propostas e acompanhar a implementação de projetos, olhar cada rubrica de orçamento, prestar contas, negociar com apoiadores e parceiros, assinar contratos, toda a parte operacional – como a parte de articulação, de bastidores. Somos apartidários, mas estamos totalmente dentro do jogo político, convencendo pessoas, fazendo alianças. O braço principal é o Instituto Igarapé. Na Comissão Global, um projeto autônomo, sou coordenadora executiva. A Pense Livre foi criada por mim e por outras pessoas. Dependendo de onde eu vou, visto um chapéu.
Nos últimos tempos a sua figura está mais exposta. Você fica à vontade nesse papel de protagonista? Como foi fazer a palestra no TED Global, por exemplo? Você acaba se expondo pra que a causa que você defende avance. Há prós e contras nisso. Uma dificuldade no TED é que faço um trabalho coletivo, e a palestra tinha que ser em primeira pessoa. Precisa haver um herói, uma história pessoal. Até mantive alguns we no texto [risos], mas o foco estava em mim. Mas vale muito a pena, hoje o vídeo já está com mais de 800 mil views. É o melhor jeito de ter suas ideias propagadas.
Eliária Andrade/Agência O Globo
Fernando Menocci, Fernando Grostein Andrade, Fernando Henrique Cardoso, Ilona e Anthony Papa no lançamento do filme Quebrando Tabu (2011)
Fernando Menocci, Fernando Grostein Andrade, Fernando Henrique Cardoso, Ilona e Anthony Papa no lançamento do filme Quebrando Tabu (2011)
Por que o nome Igarapé? A gente pensou em conexões, canais. Juntamos diferentes atores, que geralmente não trabalham juntos. Governo, sociedade civil, meios acadêmicos, setor privado, meios de comunicação. É exaustivo, porque os temas que a gente trabalha são complexos. Mas pra fazer a mudança sistêmica, que seja duradoura, tem que estar todo mundo junto.
Quem financia? Instituições estrangeiras? A gente busca parcerias fora, mas a verdade é que não estão querendo mais contribuir. Como há países em situação muito mais complicada, nos questionam: "Por que vocês não têm apoio no Brasil?". O Igarapé é uma organização independente, que não aceita fundos do governo brasileiro, por exemplo. Para não perder a capacidade de ser crítico. Aqui os apoiadores são pessoas físicas, poucas. E surgem coisas como o prêmio que a gente ganhou do Google Brasil, no ano passado. Isso precisa mudar, a sociedade tem que se envolver, as elites. Se você está em um país que depende de tantas transformações, precisa investir em quem confia, na causa que te toca. Dezenas de instituições quebram por falta de apoio.
"O Brasil oficialmente não está em conflito, mas é campeão absoluto no número de homicídios no mundo"
Como foi a trajetória até aqui? Fiz Relações Internacionais, mas já trabalhava dando aula de inglês. Em certo momento eu pretendia levar meu currículo pra uma empresa e pedi pra uma aluna olhar. Ela era gerente de RH de um banco de investimentos e falou: "Olho sim, mas venha ao banco". Quando eu fui, era uma entrevista. Nunca tinha pensando em trabalhar em banco! Fui estagiária na área de câmbio, depois fui pra outro banco, fiquei quatro anos no setor. Ajudou a pagar as contas, me bancar. E aprendi muito. Eficiência, gestão e o que move o mundo. No mercado financeiro você entende como o xadrez é movido.
E como foi parar no terceiro setor? Andando pelo Rio, um laboratório a céu aberto de todos os problemas sociais, tive o insight de que a minha causa era a violência. Aí li uma matéria sobre um antropólogo inglês [Luke Dowdney, da ONG Luta Pela Paz] que comparou crianças do tráfico a soldados de guerra. Ali eu falei: "É isso que eu quero fazer". O Brasil oficialmente não está em conflito, mas é campeão absoluto no número de homicídios no mundo. Fiz uma peregrinação até encontrar alguém da minha rede que o conhecesse. E finalmente fui parar numa festa de aniversário onde ele estava e falei: "Eu vou trabalhar com você". Eu estava indo pra Suécia estudar, consegui uma bolsa de mestrado, mas disse que na volta queria trabalhar com ele.
Deu certo? Deu. Fiquei na Suécia um ano e pouco, depois fiz um curso na Noruega e planejava ir pra Colômbia fazer um estágio. Aí o Luke falou: "Tenho uma vaga, mas não dá pra esperar". Deixei a Colômbia pra outra hora e comecei no Viva Rio, onde ele estava. Fiquei cinco anos. Primeiro na história dos meninos do tráfico, depois coordenando a abertura de postos de recolhimento de armas, da campanha de desarmamento. Fazia o procedimento de treinar os policiais que ficavam nos postos.
Uma jovem de 24 anos capacitando policiais era respeitada? Houve situações difíceis, algumas só por ser mulher. Tem muita tentativa de intimidação, descrédito. Pessoas achando que você é menina, que não entende nada disso. Até hoje, aos 36 anos, me chamam de menina. Tenho bagagem, não sou tão menina assim.
Qual a foi a situação mais difícil? Teve um debate, uns dez dias antes do referendo [que perguntou à população se o Brasil deveria proibir o porte de armas de fogo, em 2005] e um deputado, que hoje ainda é um
expoente, falava: "Se essa lei passar, eu sou o primeiro a descumprir". E todo mundo ovacionava. Esse dia me deu desânimo, desespero. Eu não gosto de falar esses nomes porque eles estão aí, vivos, agressivos. E no Igarapé estamos tentando criar canais de comunicação entre todos os polos.
"Houve situações difíceis, algumas só por ser mulher. Tem muita tentativa de intimidação, descrédito" 
E cantada, acontece muito? Ah, isso toda mulher sofre neste país. Assédio moral e sexual. Minha tática foi sempre fingir que eu não estava entendendo. Obviamente, se a pessoa insiste em passar do ponto, o corte tem que ser feito. Mas, quando você é mais nova, entender que essas são as intenções é algo muito duro pra uma profissional mulher. Enquanto você não entende que esse é o jogo, você não se protege. A mulher basicamente sorri e já acham: "Deu mole, tá liberado". Hoje sou macaca velha, sei me defender.
Aconteceu o mecanismo clássico de se masculinizar, bancar a durona? Você endurece mesmo, faz parte do jogo profissional. Essa questão de gênero só foi me bater em cheio quando tive minha filha. Aí você vê que o mercado está formatado de modo a não absorver as mães, as gestantes. Sou privilegiada, não bato ponto, posso escrever de casa, fazer conference call. Mas e quem não pode? Quem sai de casa às 6 da manhã e volta às 11 da noite não cria os filhos. Quantas pessoas criam os filhos dos outros? A sociedade não pode achar que ser mãe é ser um fardo pra uma empresa. Hello, né?
Queria falar das suas origens. Szabó é húngaro? Sim, meus avós maternos são húngaros. Os dois já se foram, mas são referências superfortes na minha vida. Minha avó era Ilona Szabó, mas ao chegar ao Brasil ela virou Helena. E eu é que virei a Ilona da família. Do lado do meu pai é uma supermistura entre espanhóis, portugueses e indígenas.
O que seus pais fazem? Minha mãe é jornalista, mas está aposentada. Meu pai era da área de engenharia naval.
Arquivo pessoal
Nos anos 80 com os avós húngaros, Ferenc e Ilona,
Nos anos 80 com os avós húngaros, Ferenc e Ilona, ''xará e inspiração'', e a irmã mais velha
E você nasceu em Friburgo. Sim, meu avô imigrante acabou tendo um hotel lá. Morei em Friburgo até os 16 anos, quando fui pra Letônia, fazer intercâmbio.
Por que Letônia? Sempre quis viajar. Quando houve a chance do intercâmbio, pensei: se vou passar um ano fora, quero um ano diferente. Lembro que no jantar em que eu falei Letônia os talheres meio que caíram. Mas lá em casa nunca teve o não pelo não, sempre teve conversa, e eu estava decidida. Chegando lá, o país passava por uma supertransição, muito pobre, toda uma dependência da Rússia. No meu ano lá a Rússia cortou o gás natural e as casas ficaram sem calefação. Eu vivendo a menos 30 graus, esquentando água para tomar banho. Foi transformador.
Você fala quantas línguas? Uso muito inglês e espanhol. E entendo francês, mas diria que é macarrônico. Já falei letão muito bem e entendo um pouco de russo.
"A sociedade não pode achar que ser mãe é ser um fardo para uma empresa. Hello, né?"
Como conheceu seu marido [Rob Muggah, canadense que também atua no Igarapé]? Ele dirigia uma organização, com sede em Genebra, e apoiava pesquisas que o Viva Rio fazia. Então ele veio pra um seminário aqui, em 2004 ou 2005, e me conheceu. Mas eu estava tão enlouquecida com a campanha do desarmamento que não me lembro disso. Só fui falar com ele em um encontro da ONU no Panamá, em 2007. Ali foi um marco. Depois disso a gente marcava de se encontrar pelo mundo, em seminários em que os dois poderiam estar. Até que ele resolveu tirar um ano sabático e falou: "Vou morar com você". A gente alugou um apartamento e foi morar junto em 2009.
Vocês se casaram? Sim. Os dois achavam careta, mas pensamos: como juntar as duas famílias? A gente teve uma cerimônia celebrada por uma amiga e alugou um mininavio para a festa. Levamos todo mundo pra velejar na baía de Guanabara, 200 pessoas a bordo, gringo, brasileiro, ao som de muita música brasileira. Era mais pra marcar o encontro das famílias, mas no fim eu usei vestido de noiva e tudo.
Arquivo pessoal
Ilona com o marido, Robert Muggah, e a filha Yasmin
Ilona com o marido, Robert Muggah, e a filha Yasmin
E vocês trabalham juntos. Sim. Não dava pra separar, a gente se conheceu trabalhando, é apaixonado pelas mesmas causas. Eu sou a articuladora, cuido do operacional, e ele é o acadêmico, pesquisador. São habilidades complementares. Com muita discussão e confusão, a gente trabalha bem.
Vocês são ciumentos um com o outro? Não, e isso foi fundamental pra eu crescer profissionalmente. Os dois vivem encontrando gente interessante a cada esquina. Se a gente for ficar paranoico, não trabalha. Eu admiro ele e ele me admira, acho que essa é a chave das parcerias de sucesso. Um respeitar o espaço do outro. A gente faz muita coisa junto e muita coisa separado.
Sua gravidez, no meio dessa rotina, foi planejada? Superplanejada. Ele sempre quis, desde que me conheceu. Eu fui com mais calma. Mas, quando decidi parar de tomar pílula, foi rápido. A gravidez foi tranquila. O que deu errado é que eu achei que poderia fazer alguns trabalhos na licença-maternidade. E isso não funciona: uma vez que você abre uma portinha, não tem como fechar. Eu tinha dois grandes objetivos relacionados a trabalho na gravidez: um relatório superimportante da Comissão Global, que a gente lançou quando minha filha tinha 4 meses, e o TED [série de palestras gravada no Rio de Janeiro, em outubro de 2014]. Isso eu não faria novamente. Se eu tiver um segundo filho, quero ter pelo menos uns quatro meses livres.
"Tem muita mulher trabalhando, mas as lideranças ainda são muito machistas. A coisa de ser durão"
Não tem jeito, mãe sente culpa, né? Ah, vem mesmo. Ela estava junto, foi pro lançamento do relatório em Nova York aos 4 meses, mas minha atenção não estava só com ela, né? É um dilema. Fico o mais perto que posso, amamento, mas estou numa batida de empreendedorismo social pesada. Se eu parar, a coisa ainda não anda sozinha. Temos 25 pessoas trabalhando, é uma responsabilidade, e dentro de um mercado incerto. Não dá pra se dar ao luxo de não fazer. Mas a todas as mulheres, eu diria: "Tira seu tempo".
O parto foi normal? Parto natural. Acho que faz parte dessa reconexão com o feminino. No mundo em que eu vivo, tudo me leva a ser dura, não posso chorar as mortes, tenho que pensar na instituição, estar bem pra falar de temas horrorosos, entrar em presídio e sair de lá achando normal... A beleza do meu trabalho e das mulheres que trabalham comigo é tentar trazer um pouco de leveza, amor e gentileza pra este mundo duro. Então, quando eu vejo que estou desconectando da essência eu falo: "Não dá pra eu ser esse trator que querem que eu seja". O parto da minha filha tinha que me conectar à essência da mulher. Queria vê-la nascer. E vi, foi maravilhoso.
Arquivo pessoal
Últimos dias de gravidez, em maio de 2014
Últimos dias de gravidez, em maio de 2014
Ainda tem pouca mulher na área em que você atua? Pouca mulher. Na verdade tem muita mulher trabalhando, mas as lideranças ainda são muito machistas. A coisa de ser durão, tough. Eu vou falar de drogas, violência, e as pessoas vêm "ah, querida, olha pra você". Porque eu sou mulher não posso falar dessas coisas? A maior parte dessas pessoas não tem nenhuma expe-riência de campo. Eu pergunto: "você já foi num presídio? Na cracolândia? Em clínica de usuário de drogas injetáveis? ". Eu sei do que estou falando, mas vira e mexe vem um "o que você entende disso, querida?". E vem sempre esse "querida". Ou "meu amor". Nossa, "meu amor" então... [risos]. Hoje, claro que estou mais calejada, mais agressiva nessas respostas. Mas demorou.
Como foi sua primeira vez em um presídio, por exemplo? Eu ainda trabalhava em banco, uma amiga trabalhava na Secretaria de Direitos Humanos e me convidou. Era um terror. Eu digo que o meu pior pesadelo é cometer algum erro e ir parar num lugar desses. Somos humanos, somos todos passíveis de cometer erros, e hoje tudo é crime na nossa sociedade. Estão querendo criminalizar absolutamente tudo. Meu pesadelo é estar privada de liberdade em locais tão desumanos. O espelho da sociedade está no modo como ela cuida das pessoas mais vulneráveis, marginalizadas. A gente é cruel, gosta de vingança. Essa é a maior tristeza de trabalhar com o que eu trabalho. A sociedade não tem informação e é manipulada por pessoas que só acirram essa sede de vingança. Acham que quem está preso deve comer mal, dividir a cela com 50 pessoas, com barata e com rato.
Os que são pobres, né? Sim, no Brasil a punição é ligada a classe social: é muito difícil alguém de uma classe mais favorecida cumprir pena em regime fechado por crimes que não sejam absolutamente bárbaros. O sistema é cheio de pessoas muito pobres que não têm acesso a defesa. Só de ler os relatórios que recebo sobre maustratos, violações, abusos físicos e psicológicos, eu já passei noites sem dormir. Não dá pra um país querer ser desenvolvido tratando pessoas assim. E achar que a resposta para tudo está em punir quem vendeu um cigarro de maconha, quem fez um aborto. Agora querem criminalizar a transmissão de HIV. Se conhecessem um presídio, iam ver que essa é a antirresposta: alguém que tenha alguma chance de recuperação, quando vai pro presídio tem essa chance muito diminuída. É uma vergonha nacional, algo que a gente deveria tentar reformar.
E agora tem esse esforço pela redução da maioridade penal. Que não funciona! Em lugar nenhum no mundo isso reduziu violência. Nos EUA, o país que mais pune, só dois estados têm a maioridade penal de 16 anos, e um deles, Nova York, está revertendo isso, porque viu que é tiro no pé. Não tem nenhum dado, em lugar nenhum, que apoie o retrocesso que a gente está querendo viver. Pensa se o seu filho de 16 anos for a uma boca comprar um pouco mais de maconha pra vender pro amigo ou pro primo. Como é que você pode achar que colocando esse jovem num sistema falido, tomado por organizações criminosas, está construindo um Brasil melhor?
Esse tipo de crime, ligado a drogas, é o que mais leva mulheres para a cadeia, né? Mais de 50% das presas estão lá por questões relacionadas a tráfico. A história mais comum é: a mulher vai ao presídio levar droga pro namorado, passa por uma revista vexatória – uma coisa horrorosa, que finalmente estão tentando proibir por lei – e então acham a droga. A partir daí ela nunca mais volta pra casa. Vai pra uma delegacia, de lá para a penitenciária; algum dia alguém lembra que ela tem três crianças e manda o Conselho Tutelar até elas. Se as crianças não tiverem ninguém, são mandadas para um orfanato. O que a gente ganha com isso como sociedade? E o custo do sistema? E a devolução dessas pessoas depois, pra sociedade? E essas crianças sem pai nem mãe? Como se pode conceber que isso é justiça?
"Estamos chegando no fundo do poço enquanto sociedade. É um individualismo muito forte. E uma desesperança"
Por que tanta gente apoia essas medidas? Acho que estamos chegando no fundo do poço enquanto sociedade. É um individua-lismo muito forte. E uma desesperança. A gente está vivendo uma série de sonhos frustrados e uma falta de lideranças-pontes, que expliquem pra sociedade temas difíceis e digam "olha, vamos passar por um momento de transição e em momentos de transição a gente precisa ter calma". Essas lideranças sumiram. E lugares vazios são ocupados com soluções mágicas.
Você tem esperança de que isso mude? É otimista? Três anos atrás eu estava bem mais. Todo mundo, né? Não tô botando a culpa em nenhum governo. Pessoalmente, tenho milhões de problemas com este governo, acho que as questões erradas foram priorizadas ou no mínimo as questões certas não tiveram agenda. Mas há uma coisa geral na política hoje que é o péssimo populismo, essa coisa de só fazer o que o marqueteiro manda. Como acreditar nessas pessoas? A esperança que dá pra ter é que, em momentos de crise, como este, geralmente as sociedades acordam. Você deixa de ser individualista e começa a olhar pro coletivo. Tem que olhar pro lado e entender que só vamos sair do buraco juntos. Ter políticas públicas que se dirijam ao que é bom pra todo mundo. É assim com a história da bicicleta, do cinto de segurança, da arma de fogo: pensar no coletivo. Meus amigos que têm mais possibilidade vivem dizendo "tô indo pro Canadá", "tô indo pra Miami". Mas 99% das pessoas vão ficar e vão ter que se perguntar: o que a gente faz?
Quando você entendeu que legalizar as drogas era uma solução? A questão das drogas, quando comecei, também era tabu pra mim. Ao longo dos anos eu fui quebrando preconceitos. Vou usar uma metáfora: algo que é muito perigoso, e que não pode ser abolido, você prefere que esteja na mão de quem? De criminosos? Drogas existem e vão sempre existir. Temos que pensar um jeito de regular isso Algumas drogas devem continuar proibidas? Sim, porque tem drogas tão nocivas – caso do crack ou do krokodil, que é uma droga que veio da Rússia – que não dá pra regular. Mas o que você faz com essa turma que usa o crack ou krokodil? Redução de danos. Políticas que tentam melhorar a vida dessa pessoa e melhorar também o dano que a dependência dessa droga pode causar para a sociedade.
Você usa drogas? Ou já usou? Drogas ilícitas não fazem parte da minha vida. Muita gente acha que por isso eu não tenho legitimidade para trabalhar no tema, inclusive. Gosto de um vinho. E gosto de chocolate, adoro, é minha droga. Eu sei o que é compulsão! [Risos.] Graças a deus, minha compulsão é por algo que só me engorda. Mas ela existe, todos nós temos uma.
Arquivo pessoal
Ilona e seu único vício, o chocolate, em Nova Friburgo nos anos 80
Ilona e seu único vício, o chocolate, em Nova Friburgo nos anos 80
Há inúmeras substâncias nocivas que a gente consome livremente, né? Existe álcool, cigarro, milhões de remédios tarja preta. É curioso que ninguém fale que nos EUA as pessoas estão morrendo mais por causa de remédios controlados, que compram com receita médica, do que por drogas ilegais. A questão da política de drogas no Brasil é que hoje ela permite todas as violações dos principais direitos. Temos 56 mil mortes por ano. Isso dá 1 milhão de mortes em 30 anos.
Em que lugares no mundo estão as políticas de drogas mais interessantes hoje? Olha, na Europa – Suíça, Holanda, a própria Espanha, alguns lugares da Alemanha – há experiências com redução de danos, principalmente com usuários de heroína ou cocaína injetável, que dão muito certo. Na Nova Zelândia também. Na questão da maconha a gente está vendo desde os clubes de cannabis, na Espanha, até toda a experiência de regularização nos EUA e no Uruguai. Não aumentou o consumo, o que está aumentando é a renda do estado para investir em políticas certas. A menor estimativa é de que esse negócio da droga renda US$ 320 bilhões por ano. Você imagina se isso fosse regulado, como é na indústria farmacêutica? Nem acho que o modelo deva ser o da indústria farmacêutica, mas se isso conseguisse gerar impostos e de fato a gente aplicasse em educação, saúde, segurança... não seria muito melhor?
"Existe álcool, cigarro, remédios tarja preta. Nos EUA as pessoas estão morrendo mais por causa dos remédios controlados do que por drogas ilegais"
Qual foi a discussão mais difícil em que você já esteve? Na época da campanha do desarmamento, o debate com o deputado que eu já mencionei, foi um dia que eu cheguei no meu limite. Essas pessoas são financiadas por indústrias de armas, esses deputados da bancada da bala... Essas situa-ções, principalmente quando são homens e muito agressivos, que manipulam dados e são treinados pra fazer show, são as mais duras. Eu não tenho esse treino, eu sou treinada pra falar a verdade, mostrar dados.
E no debate sobre drogas? Isso aconteceu pra mim mais nas armas. Porque no campo das drogas os argumentos das pessoas com quem a gente tem essa oposição em geral não se sustentam. Tem dois argumentos contra a regularização das drogas: um é que as crianças vão usar drogas. Só que hoje em qualquer escola vendem-se drogas. Traficante não quer saber se a pessoa tem 9 anos de idade ou tem 60, ele quer vender. A proibição é a total liberação, este é o paradoxo que as pessoas não querem enxergar. O outro argumento que usam é que o consumo vai aumentar. E o que podemos dizer é que nos países que regularam não aconteceu explosão de consumo.
Como você se aproximou do Fernando Henrique Cardoso e essas outras lideranças mundiais?Quando eu saí do Viva Rio, trabalhando já com política de drogas, estava sendo formada a Comissão Latino-Americana Sobre Drogas e Democracia. Ela foi fundada em 2008 pelo Fernando Henrique e por outros dois ex-presidentes – o [Ernesto] Zedillo, do México, e o [Cesar] Gaviria, da Colômbia. E eu fui chamada para integrar esse secretariado.
Depois, em 2011, o Fernando Henrique chamou outros nove ex-chefes de Estado, e virou a Comissão Global. Era preciso ter um grupo desse nível, acima de qualquer suspeita, para debater política de drogas. O tabu era tão grande que, se não tivesse esse grupo chancelando a discussão, a gente não ia conseguir estar onde está hoje.
Como você se sentiu quando foi chamada? Imagina ter a oportunidade de trabalhar com três ex- presidentes e mais um monte de gente muito boa. Eram 18 membros latino-americanos. A gente não sabia nada de droga, pra ser muito honesta. Eu sabia de redução da violência. Fernando Henrique tinha uma preocupação com a questão da democracia, ameaçada na América Latina pelo narcotráfico. Era essa a pergunta dele. Outros vieram com suas próprias perguntas e a gente foi numa jornada de estudo. Com o tempo comecei a me sentir mais dona do tema. Fiquei mais técnica.
James Duncan Davidson/TED/Divulgação
Ilona no TED Global em 2014
Ilona no TED Global em 2014
Como vocês se envolveram no documentário Quebrando o tabu? O filme deu uma virada na opinião pública, na discussão sobre drogas, não? O Fernandinho [Fernando Andrade, diretor do filme] teve a grande sacada de acompanhar o trabalho dessas comissões e então convidou o ex-presidente. Ele conta que chegou com uma lista de uns 20 argumentos pra convencer o Fernando Henrique a participar, mas já no primeiro o convite foi aceito [risos]. Fácil assim. Ele viu o que a gente estava fazendo no nível político internacional, algo que o Brasil um dia vai reconhecer. Não reconhece hoje por conta dessa polarização política, por ser o Fernando Henrique. Mas isso não tem nada a ver com PSDB, é o Fernando Henrique enquanto intelectual público, enquanto o líder global que ele de fato é. Eu acho fantástico participar de um trabalho que está mudando a opinião pública global.
E demora muito pra mudar? Demora, essas coisas não mudam do dia pra noite. Mas a gente quebrou o consenso, conseguiu mostrar que existem outras possibilidades, num debate que não existia. Então tem sido absolutamente recompensador, mesmo com toda essa divisão entre maternidade e trabalho. Quando você vê o resultado, o impacto que isso pode ter nas novas gerações, no fim da guerra às drogas, no fim de homicídios, do sistema penitenciário vigente, de toda a questão de saúde, de marginalização da juventude, na cultura, nos direitos humanos... Eu trabalho com drogas porque tem todas essas questões envolvidas.
"Eu acho fantástico participar de um trabalho que está mudando a opinião pública global"
Pra terminar de um jeito animado: eu li que você gosta de forró. Procede? Procede! Pé de serra, viu? Mas estou tão distante disso hoje, virou um sonho de consumo. Dentro deste momento da vida, neste momento político, eu perdi um pouco desses hobbies que me fazem ser a pessoa leve que eu posso ser. Tô doida pra retomar. Passar tempo com meus amigos, curtir música, ir dançar o meu forró, só vai me fazer ser uma pessoa melhor. E é a única coisa que a gente pode fazer nessa vida, né?

Arquivo pessoal
Com a mãe Elisabeth, e as irmãs Carlota e Ana Barbara
Fonte.http://revistatpm.uol.com.br/

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