Nela, uma mulher altiva, de porte majestoso, rosto sereno e presença incontestável, parava diante da lente como quem desafia o tempo. Não era uma empregada, nem um espetáculo de feira — como tantos jornais britânicos insinuaram com sarcasmo.
Era Ella Abomah Williams, conhecida também como Madame Abomah, uma das últimas guardiãs da memória das lendárias Amazonas de Dahomey.
O Reino de Dahomey, localizado onde hoje é o Benim, na África Ocidental, manteve durante séculos um exército exclusivamente feminino de guerreiras — temidas e respeitadas.
Chamadas de N’Nonmiton, que significa “nossas mães”, essas mulheres treinavam desde a juventude, viviam em regime militar, e juravam fidelidade ao rei.
Eram estrategistas, especialistas em combate corpo a corpo, atiradoras de elite com lanças e, muitas vezes, as primeiras a entrar em batalha. Até os exércitos coloniais franceses tremeram diante delas.
Ella Abomah Williams era uma mulher descendente desse legado.
Com seus impressionantes 2,43 metros de altura — o que já a tornava lendária aos olhos do mundo — ela viajou pela Europa e pelas Américas em exposições conhecidas como “Museus Vivos”, onde culturas colonizadas eram expostas ao olhar europeu.
E foi assim que a força mítica de uma rainha guerreira foi transformada em “curiosidade exótica”, um produto de espetacularização, um número de circo travestido de etnografia.
A imprensa inglesa a descreveu como “a Vênus negra de seis pés e meio” e noticiou suas visitas às grandes cidades como se fosse uma criatura fantástica — ignorando que por trás da sua postura havia não só a força física, mas a resiliência de uma mulher que carregava nos ossos a memória das guerreiras de Dahomey e o peso da exploração colonial.
Ella não era apenas alta. Era ereta. Não era apenas forte.
Era imponente. E mais que uma atração, era um lembrete vivo de que a história das mulheres africanas vai muito além das narrativas escritas por seus colonizadores.
Sua história é a de uma rainha sem trono, de uma heroína sem estátua, de uma ancestral que, mesmo ridicularizada, atravessou continentes sem jamais perder sua dignidade.
Hoje, seu nome raramente aparece nos livros de história. Mas seu retrato persiste como denúncia e símbolo.
Uma advertência sobre os perigos do olhar que reduz o outro a espetáculo — e um convite a reencontrar as histórias escondidas sob o verniz da arrogância colonial.
Porque, como diz o provérbio africano:
“Até que os leões tenham seus próprios historiadores, a história da caça glorificará sempre o caçador.”
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