sexta-feira, 13 de junho de 2025

'Seu cabelo é da hora': alunos praticam racismo recreativo com professor de música no CAp UFRJ





Além da violência contra o docente, grupo desrespeitou e intimidou servidores da Direção Adjunta de Ensino.

Um professor de música do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp UFRJ) foi vítima de racismo recreativo, na unidade de ensino, na Lagoa, zona sul da cidade. Preto, o profissional foi alvo de um grupo de alunos que realizou piadas e falas jocosas sobre seu cabelo. Ao serem chamados atenção, os estudantes fizeram provocações com a música 'Mina, seu cabelo é da hora' da banda Mamonas Assassinas. A situação teve desdobramento e terminou em denúncia feita na Polícia Federal.

O racismo recreativo, também conhecido como racismo "de brincadeira", é uma forma de preconceito racial manifestada em situações de lazer, como piadas, músicas, desenhos e outras expressões de humor. Um comportamento questionado e combatido pelo Comitê Permanente da Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER), do CAp.

Na tarde desta terça-feira, o grupo realizou um ato em parceria com o Quilombo do Cap (Coletivo de trabalhadores negras e negros do CAp UFRJ) sobre o caso. Com cartazes no pátio do colégio, foi lida uma nota de repúdio aos atos de racismo e desacato cometidos contra servidores da escola e diretoras.

Por dentro do caso

O caso ocorreu no dia 2 de junho, em um dos corredores do Colégio de Aplicação. Após a violência, o professor demandou que os estudantes fossem para sala de Direção Adjunta de Ensino, para receberem uma punição disciplinar. Mas ao chegarem no espaço, os alunos ficaram agitados e adotaram um comportamento desrespeitoso e intimidador com as servidoras responsáveis.

A situação terminou em uma confusão com gritos e desrespeitos verbais. Assim, Cassandra Pontes, diretora-geral da unidade, foi convocada a intervir no conflito. Ficou ciente da história e decidiu pela suspensão dos estudantes, pelo prazo de três dias. Ao receberem o documento com a suspensão, o grupo passou a tentar intimidar a diretora com gestos e falas agressivas. Como consequência, a punição aumentou para cinco dias.

— Ao receberem o papel da suspensão, um documento que deve ser entregue aos responsáveis, os alunos começaram a gritar comigo buscando argumentar que era uma medida injusta. Mas falei para eles retornarem para sala de aula, porque não iria ceder. Rapidamente passaram a tentar utilizar da intimidação comigo — desabafa Cassandra Pontes.  A diretora conta que, na sequência, o grupo formado somente por estudantes do sexo masculino, chamaram outros alunos homens para porta da sala. Sentindo estar sendo encurralada com as outras profissionais, todas mulheres, ameaçou chamar a patrulha escolar — um programa voltado para a segurança e o bem-estar da comunidade escolar. Mesmo assim, não recuaram e a patrulha foi chamada.

Enquanto agentes não chegavam na unidade de ensino, a diretora alertou aos assistentes de alunos sobre a mobilização que estava acontecendo. Uma "situação muito tensa", como ela descreve, que teve desdobramentos.

Atitudes recorrentes

— Após a dispersão dos estudantes, o grupo que recebeu suspensão foi até o professor. Interrompeu uma aula ministrada pelo docente e tentou insistentemente convencê-lo a retirar a queixa realizada contra eles. Percebendo que não iria conseguir tirar os alunos da sala e retornar sua aula, o professor foi até minha sala — completou a diretora.Intimidado, o músico informou que os estudantes foram procurá-lo. Como se trata de um professor com vínculo temporário e com pouco tempo de casa, Cassandra sentiu necessidade em explicar ao profissional que o grupo em questão já possuia um histórico de atitudes desrespeitosas e violentas na instituição, como outros casos de racismo, desrespeito e até depredação de patrimônio escolar. Por isso, não iria retirar a punição.

No dia 6 de junho, os responsáveis dos estudantes foram chamados no Colégio. O intuito era conversar sobre o ocorrido diretamente com a família e sugerir a transferência para outra instituição. A direção argumentou que devido ao histórico e o recente caso, fica entendido que todas as ações pedagógicas e disciplinares possíveis no CAp foram esgotadas. Então, era preferível que os alunos dessem continuidade em outra unidade capaz de promover o suporte mais adequado. No entanto, a conversa com um dos responsáveis terminou em nova atitude intimidatória, desacato a servidores públicos em exercício polícia.

— Esses estudantes já passaram por diversas atividades de conscientização e combate ao racismo. É um grupo que está com a gente há muito tempo, nos surpreende a falta de capacidade crítica e a perplexidade deles, diante do que foi apresentado. Então, a sugestão é pensando na possibilidade de desenvolvimento deles dentro e fora da escola — compartilha Marina Campos, vice-diretora do CAp UFRJ.   Marina conta que as conversas ocorreram relativamente tranquilas, menos em um caso. Ela, Cassandra e Céli Palácios, diretora adjunta de ensino, estavam em reunião com um homem responsável por um dos adolescentes. O diálogo era tenso, porque a situação não era fácil, mas ao ouvir da sugestão de transferência de unidade, o homem mudou radicalmente o comportamento.

— Passou a gritar com as três e se irritava cada vez que solicitávamos para ele abaixar o tom de voz. Foi grosseiro, tentou nos desqualificar em seguidos momentos, colocou o dedo em riste e fez ofensas pessoais — completa.

Diante do flagrante desacato, as diretoras chamaram a polícia à escola e, prosseguiram com denúncia contra o responsável na Polícia Federal.

Medidas anti-racistas

Parede com mãos gravadas de profissionais e alunos do CAp UFRJ, no pátio da instituição — Foto: Walter Farias
Parede com mãos gravadas de profissionais e alunos do CAp UFRJ, no pátio da instituição — Foto: Walter Farias   Quem entra no pátio do CAp UFRJ se depara com uma parede recheada de mãos coloridas. Uma lembrança do Comitê Permanente da Educação para as Relações Étnico-Raciais, de que a instituição, assim como a sociedade brasileira, é formada pela diversidade.

— A parede é colorida de propósito. Cada professor e aluno que gravou sua mão, utilizou tons que sejam mais próximos com sua pele. Então, isso nos mostra como essa instituição é formada por gente tão diversa. Assim como a população brasileira — relata Jorge Marçal, presidente do Erer.

Fundado em 2019, o Erer atua há seis anos no CAp, combatendo o racismo e promovendo a valorização da cultura negra e quilombola, no espaço educacional da instituição.

— Nós atuamos com atividades anti-racistas e de valorização da cultura negra e quilombola, com estudantes de todas as classes. Por isso ficamos espantados com o caso, porque são jovens acompanhados há muito tempo — conta Jorge Marçal.

Algumas das ações promovidas pelo Erer são rodas de conversa para comunidade CAp, grupo de estudo voltado para introdução e compartilhamento de referências não brancas, além do desenvolvimento de seminários de formação, onde profissionais expõem o que estão realizando para combater o racismo no ambiente escolar e fora dele.

Nesta terça-feira, o Comitê realizou na tarde desta terça-feira, entre um turno e outro no pátio interno, segurando cartazes com palavras de ordem como "Racistas não passarão!" e "Respeitem nossas trabalhadoras", um protesto contra casos de racismo e desacato na unidade.

Fonte.Jornal Extra



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