MORTE E VIDA SEVERINA
Análise da obra “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto (por Oliver Harden)*.
Gênero: poema dramático, que relata a saga de retirantes nordestinos, publicado em 1955.
João Cabral adota o cordel como forma poética, o que confere uma oralidade e musicalidade ao texto, facilitando a identificação com a cultura popular nordestina.
Os versos são construídos com rigor métrico e simplicidade, mas sem perder a profundidade, permitindo que o leitor visualize o cenário árido e os personagens com intensidade: ssa forma poética lembra as tradições populares, aproximando o leitor das dores e vivências do sertão.
Temas Centrais
1. Vida e Morte: O título, “Morte e Vida Severina”, sugere a dicotomia central da obra. A vida de Severino e de tantos outros nordestinos é permeada pela presença constante da morte, seja pela fome, pela miséria ou pela violência. O “Severino” é mais que um nome; é uma condição existencial que simboliza uma identidade coletiva — “vida severina” é sinônimo de uma vida dura, marcada pela luta e pela resistência.
2. Miséria e Esperança: Ao longo do poema, João Cabral contrapõe a desolação do sertão com uma esperança tênue. A busca de Severino por um lugar onde possa viver dignamente representa a aspiração de um povo por uma vida melhor. Contudo, essa esperança é sempre frustrada pela realidade. Cada tentativa de fuga do sertão leva-o a novos encontros com a morte e a miséria, numa espiral que parece não ter fim.
3. Crítica Social: “Morte e Vida Severina” é, sobretudo, uma denúncia social. João Cabral utiliza a trajetória de Severino para ilustrar as injustiças enfrentadas pelos nordestinos, evidenciando o contraste entre a opulência das terras do litoral e a aridez do sertão. A obra questiona as estruturas de poder que mantêm essas desigualdades e critica o abandono das populações sertanejas pelo Estado.
4. Religião e Resistência: Outro aspecto importante é a relação entre religião e resistência. A religiosidade popular nordestina é apresentada como uma força de sustentação, mas também como um símbolo de resignação. O poema explora como a fé, para muitos, oferece uma explicação para as dificuldades e a aceitação da vida como algo predefinido e inevitável, enquanto para outros é fonte de esperança e consolo.
Simbolismo e Personagens
Severino é uma figura emblemática, representando todos os retirantes que tentam escapar da morte, mas acabam presos a ela. Sua trajetória é marcada por encontros com personagens que refletem diferentes facetas da vida no sertão: o lavrador, o coveiro, o mestre carpina, e por fim, o nascimento de um menino, que simboliza o renascimento da esperança.
O encontro com o mestre carpina, próximo ao final, é simbólico, pois é através desse personagem que Severino percebe que a vida tem um valor intrínseco, mesmo em meio ao sofrimento. A chegada do menino recém-nascido, no final da peça, sugere que, apesar da dureza, a vida persiste, mesmo nas condições mais adversas. Este momento oferece um ponto de virada para Severino, que, até então, vê na morte a única forma de libertação.
Interpretação e Reflexão
'Morte e Vida Severina' é uma obra sobre a resistência e a luta pela sobrevivência em meio a um ambiente hostil. João Cabral transforma a miséria em poesia sem cair no sentimentalismo, oferecendo um retrato cru e realista. A utilização do cordel aproxima a obra da oralidade nordestina, valorizando a cultura popular e expondo as contradições da existência humana.
O poema também é um grito de indignação contra a desigualdade social no Brasil. Severino, ao mesmo tempo em que é um indivíduo, representa uma multidão anônima. Ele é um símbolo do homem nordestino, do trabalhador rural, do migrante, que vive à margem da sociedade. A obra sugere que, enquanto as estruturas que geram pobreza e exclusão persistirem, as vidas “severinas” continuarão a existir.
Em suma, “Morte e Vida Severina” é um poema épico e lírico, que transcende a simples narrativa de um retirante. É uma análise profunda da condição humana em situações de extrema adversidade e uma denúncia das injustiças sociais que perduram.
João Cabral nos convida a enxergar a beleza e a tragédia dessa vida severina, fazendo-nos refletir sobre as desigualdades que moldam a vida brasileira e a capacidade de resistência e esperança que se renova mesmo em meio à mais absoluta desolação."
Leituras Livres
* Oliver Harden mantém uma página no FB com análises literárias de qualidade
** lustração: pintura de Cândido Portinari, 1961
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