'Era tanta dor que eu não sentia mais me baterem', relembra paquistanês vítima de quadrilha da Baixada
Organização criminosa, ligada ao tráfico em Belford Roxo, fazia anúncios falsos de veículos nas redes sociais Fabiano Rocha / Agência O Globo
Homem ajudou amigos a comprar um carro anunciado pela organização criminosa em uma plataforma de vendas
Um anúncio de um Honda Fit à venda por R$ 12.500 despertou o interesse de dois paquistaneses, pai e filho, donos de uma loja mecânica. A ideia era comprar o veículo com valor abaixo e revendê-lo. O anunciante aceitou a proposta e compartilhou o endereço onde a negociação seria feita, uma rua movimentada em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Como não conheciam bem a região, os paquistaneses convidaram um amigo, também da comunidade paquistanesa, e, juntos, foram até o local marcado.
Ao chegarem no lugar, por volta das 12h, os três foram surpreendidos por um grupo armado. Imediatamente, pegaram todos os objetos de valor do trio. Com posse dos celulares, começaram a exigir transferências via pix e a creditar os cartões de crédito em maquininhas.
O amigo da familia perdeu, pelo menos, R$ 10.500, quantia nunca mais vista. Contudo, pior do que os bens materiais, foram as agressões sofridas por ele, que até hoje sofre com sequelas. Além das coronhadas, chutes e socos, ele teve o nariz fraturado e os dedos da mão direita quase quebrados.
— Chegou um momento em que pensei que iria morrer. Era tanta dor, que eu nem sentia mais eles me batendo. Eu não lembro exatamente, mas era um grupo de umas 10 pessoas. Não tinha como a gente reagir, só fazer o que nos pediam — relembra.
Das sequelas, ele aponta inflamação na mão direita, nariz fraturado (e torto até hoje), e remédios recomendados por psiquiatras. Os traumas com a violência também afetaram seu trabalho como técnico de segurança, no qual viajava com frequência para fiscalizar o funcionamento de fábricas pelo Brasil.
— Eu fui afastado por uns seis meses da função. Eu não conseguia ter a mesma disposição de ficar no carro, dirigir.... era difícil pra mim e a empresa percebeu. A violência afetou a minha vida em muitos níveis — conta, avisando ter conseguido um novo emprego agora em junho.
Os três paquistaneses ficaram cerca de 5 horas com os criminosos. Depois de terem estourando o limite do cartão e conseguido todo o dinheiro possível, os libertaram. O amigo da família conta ter feito boletim de ocorrência logo ao chegar em casa, onde morava com a esposa e, atualmente, tem a companhia de uma bebê de cinco meses. Na época do sequestro, a mulher estava grávida.
esposa foi a razão para ele ter saído do Paquistão e se mudado para o Brasil. Eles se conheceram pelo Orkut em 2007, começaram a namorar virtualmente, e seis anos depois se casaram (ainda a distância).
Como funcionava a quadrilha
O Ministério Público do Rio, juntamente com a Polícia Civil, organizou uma operação, nesta quarta-feira, contra a organização criminosa, ligada ao tráfico de drogas em Belford Roxo, que sequestrou, torturou e roubou os paquistaneses. Das 54 pessoas alvo, 28 foram presas. Durante as investigações, descobriu-se 35 registros de ocorrência de vítimas da quadrilha, considerada uma "verdadeira empresa do crime". Estima-se que, no mínimo, 50 pessoas teriam sido vítimas dela entre 2021 e 2022, causando um prejuízo estimado em mais de R$ 600 mil.
Segundo os promotores da 3ª Vara Criminal, os acusados atraíam pessoas com anúncios de venda de veículos em uma rede social. No local marcado, os denunciados sequestravam as vítimas, faziam transferências bancárias via pix e exigiam dinheiro das famílias para as libertarem. Em alguns casos, os criminosos praticaram tortura, dando tijoladas e amarrando sacos plásticos na cabeça dos sequestrados. Na denúncia contra os integrantes, o MPRJ os divide em cinco funções dentro da organização criminosa.
- "Os anunciantes", responsáveis por publicarem os anúncios falsos na rede social
- "O braço armado", que sequestrava as vítimas, ameaçando-as com armas de fogo e exigindo as transferências via pix
- "Os operadores de maquininha", que usavam os cartões das vítimas, já no cativeiro, para transações bancárias
- "Os beneficiários de pix", pessoas de confiança que atuavam como “laranjas” da organização criminosa, fornecendo as próprias contas para o depósito do dinheiro roubado
- "Os receptadores", que tinham a responsabilidade de vender os celulares roubados das vítimas
- Fonte. Jornal Extra
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