Contas d'água e queixas de problemas com concessionárias disparam no Rio. Empresas justificam tarifas


Na casa da aposentada Maria da Gloria Gabriel Serra, de 92 anos, conta saltou de média de R$ 150 para mais de R$ 1,6 mil
Na casa da aposentada Maria da Gloria Gabriel Serra, de 92 anos, conta saltou de média de R$ 150 para mais de R$ 1,6 mil Fabio Rossi / Agência O Globo

Rio. Empresas justificam tarifas

Consumidores reclamam de cobrança abusiva e multas. Regulamento de concessão é questionado.

A promessa de melhoria dos serviços de fornecimento de água no Rio após a concessão de áreas de serviço da Cedae se transformou em frustração para boa parte dos consumidores. O aumento repentino nas contas, mudanças na forma de cobrança, alterações de cadastro dos imóveis e dos clientes, e aplicação de multas que passam de R$ 6 mil estão alimentando números crescentes de reclamações de residenciais e comerciais na Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e no Procon-RJ. As queixas passam de 3 mil e os processos na Justiça se acumulam, com uma única banca de advogados acompanhando mais de 200 ações.

Em Vila Isabel, na Zona Norte, a cobrança de água da aposentada Maria da Gloria Gabriel Serra, de 92 anos, saltou de uma média de R$ 150 para R$ 1.660 em junho. Ela mora apenas com a filha, de 61 anos. O aumento repentino veio logo após a Águas do Rio trocar o hidrômetro da casa. O filho da idosa, Eduardo Serra, contestou a primeira conta e aguarda uma solução para questionar a fatura de julho, que já chegou: R$ 1.796. Na última semana, uma equipe da empresa esteve na residência, e não constatou nenhum vazamento.

—Os funcionários explicaram que, durante alguns meses, a cobrança foi pelo valor mínimo, e agora a diferença estaria sendo cobrada retroativamente. Se fosse dessa forma, os últimos meses teriam que um valor similar, mas isso não acontecia. A cobrança já passa de R$ 3,5 mil, eles não dão uma definição, e já há um aviso na conta de que a partir do 7 o fornecimento pode ser interrompido — se preocupa.

O problema não está somente concentrado nos consumidores residenciais. Shoppings, restaurantes, hotéis também estão insatisfeitos. Alfredo Lopes, presidente do HotéisRio, explica que com a concessão levou a concessionária a alterar a regra introduzida pelo governo Anthony Garotinho, de que hotéis pagariam 50% das unidades como residenciais e 50% como comerciais.

— Queremos pelo menos a aplicação da sazonalidade, ou seja, que nos meses de baixa a gente pague metade das unidades com valor residencial — afirma.

O escritório Alves e Faria Advocacia tem pelo menos 12 processos contra as concessionárias de águas. No caso de seus clientes, a advogada Isabelle Faria conta que o problema diz respeito à cobrança de novos medidores consumo em calçadas para casas e lojas. Quando o proprietário exige prazo para que sejam feitos os reparos na calçada a ser quebrada, ou não está em casa no dia a visita, ou havia só um menor de idade, o imóvel é multado em R$ 6,6 mil. Os casos com esse escritório são da Ilha do Governador.

— Não respeitam o direito dos consumidores. Quando não conseguem efetuar a troca, mandam carta ameaçando negativar o nome e cortar a água — conta Isabelle, que também ingressou na Justiça representando um morador da Gamboa, que apesar de nunca ter um cadastro, passou a receber contas.

Regulamento é questionado

Eduardo Figueira, engenheiro e sócio da consultoria Action — empresa de soluções para empresas —, explica que para grande parte de seus clientes a conta de água é uma das maiores despesas, e que os empresários estão preocupados com o aumento repentino dos custos do fornecimento de água. Figueira ressalta que, embora os clientes residenciais estejam reclamando da troca de hidrômetros, somente a troca dos equipamentos não seria capaz de elevar as contas dessa forma.

Para ele, a maior questão é o regulamento de operação das concessionárias. O documento, publicado em agosto e reconhecido pelo governador Cláudio Castro, através de decreto, em outubro do ano passado, prevê as regras de atuação das concessionárias. Segundo ele, com base no regulamento, houve alterações de cadastro, mudanças na medição por mínimo e média de consumo, entre outras alterações:

— O hidrômetro é uma cortina de fumaça. O regulamento é o centro dos problemas. Ele contraria súmulas já pacificadas no Tribunal de Justiça do Rio e a própria legislação específica sobre o tema e o Código de Defesa do Consumidor— explica Figueira.

Revisão pode ser analisada

Questionadas, a secretaria da Casa Civil do estado e a Agência Reguladora de Energia e Saneamento do Estado do Rio (Agenersa) informaram que o regulamento de serviços da concessionária foi elaborado em conjunto pela Agenersa e pelo governo, tendo por base os regulamentos de serviços em vigor para a Cedae e demais concessões fiscalizadas pela agência, além de regulamentos em vigor em outros estados, como São Paulo e Minas Gerais.

Segundo o governo, o regulamento foi apresentado às concessionárias após finalizado, mas nenhuma teve influência em qualquer ponto do regulamento. Sobre pedidos de mudanças no regulamento feitos por associações de moradores e setores da economia, o governo informou que a “revisão do regulamento em pontos específicos, se embasados, serão analisados e, havendo necessidade de melhorias, serão modernizados”.

O estado diz que “o principal foco do documento é garantir que haja proteção aos consumidores em relação às atividades promovidas pelas concessionárias. Além de reforçar os parâmetros técnicos necessários para o sucesso da prestação dos serviços”. Os clientes podem fazer reclamações sobre as concessionárias na Agenersa através da ouvidoria: no telefone 0800 024 9040, no e-mails:ouvidoria@agenersa.rj.gov.br ou ouvidoria.agenersa@gmail.com, ou pelo WhatsApp: (21) 2332-6457.

De acordo com a agência, as reclamações são investigadas de acordo com o regulamento de serviços e o CDC, através de processos específicos.

O que dizem as empresas

Veja abaixo as respostas de cada uma das concessionárias:

Águas do Rio

A Águas do Rio informa que segue as regras de faturamento previstas na legislação federal (Lei 11.445/2007 e Decreto nº 7.217/2010), no Contrato de Concessão e no Decreto nº 48.225/2022 (Regulamento de Serviços). Logo, está em consonância com comandos normativos e contratuais vigentes.

As tarifas são cobradas nos locais onde há disponibilidade dos serviços e há planos de expansão de cobertura para outras regiões. A tabela tarifária, que é a mesma praticada anteriormente pela Cedae, está disponível no site: https://aguasdorio.com.br/legislacao-e-tarifas/.

Para a análise de casos pontuais, a Águas do Rio solicita que os clientes entrem em contato para que haja o agendamento de vistoria e o refaturamento/cancelamento das contas.

Sobre hidrômetros, a empresa tem a obrigação contratual de instalar os equipamentos em 100% das residências, mantendo a vida útil adequada, já que os modelos antigos tendem a perder precisão quanto ao volume efetivamente fornecido. A Águas do Rio atua para que, em até 48h, o calçamento local seja restabelecido. A colocação do equipamento na área externa, além de facilitar a leitura, dá maior segurança para funcionários e moradores. Os novos modelos são de alta precisão, certificados pelo INMETRO e não possuem componentes metálicos, ou seja, não têm valor comercial, o que desestimula furtos.

Sobre os casos pontuais, a concessionária informa que está em contato com os moradores para verificar a situação.

Iguá

A Iguá informa que vem cumprindo as exigências estabelecidas no Contrato de Concessão (nº 34/2021) e as regras descritas no Regulamento de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário (Decreto Estadual nº 48.225/2022), que foi elaborado pelo Poder Concedente e validado pela AGENERSA, agência reguladora responsável por fiscalizar e acompanhar a prestação de serviços de saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro.

A concessionária cumpre ainda as exigências estabelecidas no Contrato de Concessão, que prevê, entre outros compromisso e obrigações, a substituição de hidrômetros e a ampliação, ao longo dos próximos 12 anos, da cobertura de água e esgoto nas áreas atendidas para, dessa forma, alcançar a universalização do saneamento básico.

Em relação a vazamentos, de acordo com o Regulamento, as instalações internas, ou seja, todo o conjunto de tubulações, conexões, aparelhos e equipamentos localizados dentro dos imóveis, são de responsabilidade do cliente, e não da concessionária. Por política interna, clientes da Iguá podem solicitar a revisão de fatura em casos comprovados de vazamentos internos. Para mais informações, os clientes podem entrar em contato por meio da nossa Central de Atendimento.

Conforme previsto no Marco Legal do Saneamento e com base nas regras estabelecidas no Contrato de Concessão, a Iguá realiza a cobrança de tarifa mínima com estrutura progressiva. A tarifa mínima é reconhecida como legal e corresponde ao custo mínimo ao qual o usuário está sujeito em razão da disponibilidade do serviço. Esta cobrança tem como objetivo subsidiar o custo de operação do sistema de abastecimento de água e esgotamento sanitário, bem como subsidia a expansão desses serviços de modo a viabilizar, futuramente, sua universalização.

Já a estrutura progressiva da tarifa divide o consumo dos usuários em faixas de consumo e visa estimular o consumo consciente de água por grandes consumidores, de modo a reduzir o desperdício e contribuir com a preservação do meio ambiente e da água como bem essencial. Na prática, quanto maior o consumo de água pelo usuário, maior o valor da tarifa e o custo a ser pago. As faixas de consumo são estabelecidas pela AGENERSA na estrutura tarifária em vigor. O consumo aferido por hidrômetros é distribuído nas faixas de acordo com a quantidade de água consumida.

No caso de prédios e condomínios com hidrômetro individual, a cobrança está associada à matrícula do cliente a quantidade e a categoria de economias (unidades consumidoras autônomas) que o empreendimento possui. Desse modo, a concessionária realiza a medição global do consumo de água no prédio ou condomínio e o faturamento será calculado considerando a tarifa mínima equivalente para cada unidade autônoma. O faturamento observará a categoria do usuário (domiciliar, comercial, industrial ou pública), o volume total consumido, o número de economias cadastradas na matrícula e a distribuição nas faixas progressivas.

Quando há a impossibilidade de leitura do hidrômetro, em casos como dificuldade de acesso ou aparelho avariado, a Iguá realiza a cobrança pela média dos últimos 12 meses, conforme previsto em Regulamento. O documento também prevê que é obrigação do usuário garantir o acesso irrestrito da concessionária ao hidrômetro para leituras, manutenções e outros tipos de serviço.

Os clientes encontram as informações sobre perfil de cobrança, faixas de consumo, volume de água consumido, além de outros dados, nas contas da Iguá. A tabela com a estrutura tarifária vigente está disponível no site da concessionária em: www.igua.com.br/rio-de-janeiro/informacoes-para-voce. Além disso, a Iguá cumpre as obrigações relativas às comunicações aos usuários, entre elas aquelas que se referem ao cadastro dos clientes e ao reajuste de 11,8%, aplicado em novembro de 2022 a todas as concessionárias.

Desde que assumiu a concessão de serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto do bloco 2, que compreende 18 bairros da Zona Oeste da capital, além dos municípios de Paty do Alferes e Miguel Pereira, a Iguá realiza um trabalho de atualização da base de clientes. A concessionária visita presencialmente imóveis e estabelecimentos comerciais, solicitando as documentações e, se necessário, adequa o cadastro para o novo cenário encontrado. Ao atualizar os dados, os clientes contam com uma maior velocidade no atendimento de demandas, além de receberem informações personalizadas sobre o abastecimento de água e manutenções realizadas nos sistemas da sua região.

Rio+Saneamento

  • Sobre o Regulamento de Serviços: O regulamento foi elaborado pela Agenersa e contou com a contribuição de todas as concessionárias de saneamento básico dos blocos 1, 2, 3 e 4 e a participação ocorreu conforme os termos estabelecidos nos contratos de concessão. A prática adotada pela concessionária na prestação dos serviços está totalmente alinhada ao que estabelece o Contrato de Concessão e o Regulamento dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário.
  • Sobre multas por vazamento interno: A concessionária não aplicou nenhuma multa por essa natureza em sua operação e busca orientar seus clientes a respeito dos impactos gerados por este tipo de vazamento.
  • Sobre cobranças pelo mínimo multiplicado pelas economias e cobrança pela média: A concessionária segue os critérios do regulamento aprovado pelo estado do Rio de Janeiro, poder concedente, conforme decreto nº 48.225/2022. Nos termos do art. 64 do Regulamento, a tarifa será calculada conforme o volume medido de água ou consumo médio faturado dos últimos 12 meses quando não for possível realizar a leitura.
  • Sobre tarifa mínima: Independente da forma como era cobrado no período anterior ao início das operações da Rio+Saneamento, a concessionária destaca que efetua todas as suas cobranças respeitando o regulamento de serviços. Após a instalação do novo hidrômetro, a concessionária realiza a medição do consumo e efetua o cálculo da conta respeitando o regulamento de serviços. De acordo com o Regulamento, tarifa mínima é o “valor pecuniário a ser pago pelo usuário referente ao consumo do volume mínimo faturado, estabelecido na estrutura tarifária vigente da concessionária”.
  • Sobre problemas com hidrômetro: De acordo com o Regulamento, em caso de defeito do hidrômetro, se, após a regularização, verificar-se uma média de consumo em duas medições posteriores que seja maior que a faturada no período de irregularidade, o usuário será responsável pelo pagamento da tarifa referente à diferença de consumo, podendo ser cobrado nas faturas posteriores.
  • Sobre cobranças em imóveis sem ligação de água: Nos termos do art. 45 da Lei Federal nº 11.445/2007, as edificações permanentes urbanas estarão sujeitas ao pagamento de tarifa decorrente da disponibilidade dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Nesses termos, está de acordo com a legislação a cobrança pela disponibilidade dos serviços em edificações permanentes urbanas, independentemente da existência, ou não, de ligação de água, não existindo, portanto, qualquer ilegalidade na cobrança.
  • Sobre calçadas quebradas na instalação do hidrômetro: Todos os serviços realizados pela concessionária têm seu pavimento devidamente recomposto.

Ponto a ponto para o consumidor

  • Aumento na fatura: A empresa tem o dever de avisar o consumidor sempre que houver qualquer alteração na forma de medição. O aumento tem que ser justificado.
  • Acordo antigo: Os condomínios devem seguir o acordo feito com a nova empresa, tendo em vista que o acordo com a antiga empresa (Cedae) foi encerrado.
  • Terceiros na cobrança: A obrigação pelo pagamento das tarifas é do usuário que efetivamente se utiliza do serviço, não pode haver cobrança a pessoas da família.
  • O que fazer: O Idec orienta o consumidor a buscar a solução com os canais da empresa, buscar a Agenersa, órgãos de defesa do consumidor e por fim a Justiça.

Relembre a concessão

  • Leilão: Depois de 5 anos de batalha judicial, em 30 de abril de 2021, três dos quatro blocos da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio (Cedae) foram leiloados. A Cedae continuará existindo, por meio da captação e venda de água para os concessionários.
  • Fatias: A privatização de três fatias da companhia foi a maior do segmento no país. Cada bloco corresponde a uma região da capital e outros municípios.
  • Saldo: As empresas vão administrar as concessões de água e esgoto em 29 cidades por 35 anos, e devem fazer investimentos de R$ 27,1 bilhões. A população assistida soma 11,7 milhões de pessoas.
  • Cifras: O leilão arrecadou R$ 22,69 bilhões.
  • Bloco 1: O Bloco 1, formado pela Zona Sul e mais 18 municípios, foi concedido à Aegea.
  • Bloco 2: Já o Bloco 2 ficou Iguá. O lote é formado pelos bairros da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, além de Miguel Pereira e Paty do Alferes.
  • Bloco 3: O Bloco 3 era formado pela Zona Oeste e pelas cidades de Piraí, Rio Claro, Itaguaí, Paracambi, Seropédica e Pinheiral. A única empresa que chegou a formular oferta, a Aegea, retirou a proposta.
  • Bloco 4: A Aegea ganhou ainda o Bloco 4, que inclui o Centro e Zona Norte e mais oito cidades incluindo Nova Iguaçu, Belford Roxo, Caxias e Nilópolis.

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