terça-feira, 21 de março de 2023

Piores cidades do Rio em saneamento despejam 233 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento por dia na natureza

Por Rafael Galdo e Vittoria Alves 


Dados foram revelados pelo ranking 2023 do Instituto Trata Brasil. São Gonçalo, Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo aparecem entre as 20 piores do país.

Córrego em São Gonçalo repleto de esgoto e lixo: retrato da situação da cidade, que ocupa a 96ª posição no ranking do saneamento das cem maiores cidades do país

Córrego em São Gonçalo repleto de esgoto e lixo: retrato da situação da cidade, que ocupa a 96ª posição no ranking do saneamento das cem maiores cidades do país Hermes de Paula/Agência O Globo

Vinte dias atrás, tive que jogar todos os meus móveis fora”, dizia nesta segunda-feira Luiz Alberto Batista, de 53 anos, na Rua Paul Leroux, no bairro Paraíso, em São Gonçalo. Os estragos, contava ele, foram resultados de mais um alagamento devido às cheias do córrego do qual é vizinho, há tempos transformado num valão de esgoto a céu aberto, fétido e entupido de lixo. E não bastassem as perdas materiais, o empreendedor, dono de uma pequena gráfica, ainda lamentava uma consequência muito mais drástica da falta de saneamento: viu seu irmão morrer, com apenas 23 anos, de leptospirose, doença que ele acredita que poderia ter sido evitada se, ali, não se convivesse com tamanho descalabro.


As dores de Luiz Alberto expõem a realidade de um município que, das cem cidades mais populosas do país, ocupa apenas a 96ª posição no Ranking do Saneamento 2023, divulgado nesta segunda-feira pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados. E revelam também uma mácula que é de outros municípios da Região Metropolitana fluminense. Além de São Gonçalo, três deles — Duque de Caxias (90º lugar), São João de Meriti (89º) e Belford Roxo (85º) — figuram no levantamento entre as 20 do país que mais falham na garantia a seus cidadãos de direitos básicos, como acesso à água potável e a coleta e tratamento de esgoto.

— Juntas, essas quatro cidades, com 3 milhões de habitantes, despejam por dia 233 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento na natureza. Elas têm um histórico de não investimentos. E indicadores muito ruins, principalmente, na coleta e tratamento de esgoto, que são os que mais pesam no nosso ranking — afirma Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil.


Dados do Trata Brasil — Foto: Editoria de Arte

Dados do Trata Brasil — Foto: Editoria de Arte

Apresentado às vésperas do Dia Mundial da Água, celebrado nesta quarta-feira, o levantamento se baseia em dados de 2021, os mais recentes disponíveis, retirados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). E reflete, portanto, o panorama no período em que, no estado, os serviços de fornecimento de água e de esgotamento sanitário da Cedae eram concedidos à iniciativa privada.

Fruto desse processo, tanto São Gonçalo quanto Duque de Caxias, São João de Meriti e Belford Roxo entraram para a lista dos seis municípios que, até 2025, receberiam mais verbas oriundas da outorga da venda da Cedae — só para São Gonçalo, eram previstos aproximadamente R$ 904 milhões. E desde novembro de 2021, as quatro cidades, com mais 23 municípios e 124 bairros da capital, passaram a ter o saneamento gerido pela concessionária Águas do Rio, que afirma já ter investido mais de R$ 1,3 bilhão desde então.

Não é segredo que o desafio é superlativo. Mas na Rua Paul Leroux, moradores como Luiz Alberto continuam ansiosos à espera das melhorias. Em abril de 2021, O GLOBO esteve no mesmo local. De volta agora, quase dois anos depois, a situação praticamente não mudou.

— Os canos da rua estão quebrados e não dragam o esgoto, que se acumula no valão. Tive que subir o nível da minha casa em 40 centímetros para não perder tudo mais uma vez nas enchentes — relata Luiz Alberto, que de seu terraço avista a poluição do córrego que corta a Paul Leroux em direção à Baía de Guanabara.

Do terraço de sua casa, Luiz Alberto avista a poluição do córrego que corta sua rua, em São Gonçalo — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

Do terraço de sua casa, Luiz Alberto avista a poluição do córrego que corta sua rua, em São Gonçalo — Foto: Hermes de Paula/Agência O Globo

E para agravar esse quadro, o esgoto não é o único problema. Também falta água na rua, como contava na segunda-feira o funcionário público Antônio Carlos da Silva, de 58, enquanto estava sentava na calçada de casa, ao lado de recipientes para estocar água:

— Com a privatização, a conta aumentou. Eu pagava R$150. Agora, gasto quase R$ 400. Mas a água só cai três vezes por semana, às terças, quintas e sábados. Então, encho as bacias para não faltar.

São histórias que só corroboram os dados do ranking do Trata Brasil. Segundo o levantamento, em São Gonçalo, apenas 33,7% dos moradores tinham o esgoto coletado em 2021, abaixo da média nacional, de 55,8%. Na análise do quanto desse esgoto era tratado, o atraso se mostrava ainda maior, porque o indicador não passava dos 15,49%. A segunda cidade mais populosa do Rio também tinha passos a dar para ter o abastecimento de água universalizado, com indicador de atendimento total de água de 90,08%. Enquanto as perdas na distribuição de água cresciam, chegando a 39,54% de tudo que era produzido, contra 30,47% um ano antes.

Ranking do Trata Brasil — Foto: Editoria de Arte

Ranking do Trata Brasil — Foto: Editoria de Arte

Com isso, o município, que já ia mal, caiu mais no cenário nacional, da 94ª posição no ranking de 2022 para a 96ª na lista divulgada esta semana. Também no bairro Paraíso, Valter Quintalhina Xavier, de 62 anos, sabe bem o que esse quadro provoca. Cai uma gota de chuva, diz o comerciante, e inunda tudo. Vivendo nessas condições, o filho dele, Valter Quintanilha Júnior, de 34, desabafa:

— Somos tratados com descaso, e nossa saúde está em risco. Já peguei dengue mais de uma vez e, quando chove, aparecem ratos dentro de casa. É um absurdo.

Baixos investimentos

Nesse cenário, tudo se torna mais preocupante, diz Luana Pretto, quando são abertos outros dados do levantamento do Trata Brasil. Ela lembra que São Gonçalo, por exemplo, só informou ter investido em saneamento R$ 5 por habitante em 2021. Em São João de Meriti, esse valor foi ainda menor, de R$ 3 por morador, quando a média nacional chegou a R$ 82 por pessoa. É revelador também, diz ela, que as duas cidades, assim como Duque de Caxias e Belford Roxo, não tenham feito uma única nova ligação de esgoto entre 2020 e 2021.

— É preciso ter uma lupa constante sobre essas quatro cidades. E na minha opinião, o grande foco precisa ser no tratamento de esgoto, para aproveitar a rede de coleta já existente — diz Luana. — No Rio, a solução está posta e foi adotada, com a concessão dos serviços de saneamento. Nos próximos anos, precisamos fazer uma análise detalhada dos investimentos, que são um indicativo da possibilidade de melhoras e de obras — completa a presidente executiva do instituto, lembrar que, quando se trata de saneamento, os resultados começam a aparecer em médio e longo prazo.

Enquanto são esperadas as mudanças, este ano, com os dados referentes a 2021, Duque de Caxias manteve o 90º lugar do ranking anterior, mas viu seu baixíssimo índice de tratamento de esgoto, que era 8,88%, cair mais, para irrisórios 5,95%. Já São João de Meriti (que caiu da 87ª para a 89ª posição) se manteve com zero de esgoto tratado, condição semelhante apenas à de Porto Velho, capital de Rondônia, entre as cidades avaliadas. E Belford Roxo (que desceu do 82º lugar para o 85º) assistiu ao índice de perdas na distribuição de água disparar de um ano para o outro, de 24,3% para 40,2%.

Já outro dos indicadores avalia o quanto o prestador do serviço e o poder público investiram em saneamento sobre sua arrecadação dos últimos cinco anos. Nessa análise, São João de Meriti e São Gonçalo, respectivamente, ficaram nas últimas posições do ranking nacional, com investimentos de menos de 2% de sua arrecadação.

Na outra ponta, a cidade de Niterói subiu 19 posições e assumiu a quarta posição do ranking do Trata Brasil. No município, os serviços são concessionados desde 1999. Desde então, afirma a concessionária Águas de Niterói, o atendimento com coleta e tratamento de esgoto na cidade saltou de 35%, em 1999, para 95% da população. Para Luana Pretto, é um exemplo que pode ser seguido por outras cidades do estado.

— Com investimento constante, regulação forte e governança adequada, é possível atingir os resultados — diz ela.

Mais quatro cidades fluminenses compõem o ranking do Trata Brasil: Petrópolis (33ª posição), Campos do Goytacazes (35º), Rio de Janeiro (48º) e Nova Iguaçu (72º).

Questionada sobre o córrego da Rua Paul Leroux, a Águas do Rio afirmou em nota que “é responsável pelas redes exclusivamente utilizadas para distribuição de água tratada e coleta de esgoto, ou seja, onde existem redes separativas. As galerias de águas pluviais e córregos, assim como a suas manutenções e desobstruções, não estão sob gestão da concessionária”. No entanto, apesar do posicionamento da companhia, a presença de esgoto é evidente no local.

De forma geral, em toda sua área de concessão, a Águas do Rio diz que foram implantados mais de 160 quilômetros de nova rede de água, levando água tratada encanada pela primeira vez para 250 mil pessoas. “Além disso, as demais melhorias no sistema de abastecimento beneficiaram 3,3 milhões de pessoas e 1,7 em melhorias em esgoto”, afirma.

A concessionária apontou ainda melhorias nas quatro piores cidades do Rio no ranking do Trata Brasil. Veja:

São Gonçalo

Segundo a concessionária, mais de 250 mil pessoas foram beneficiadas com as melhorias e, deste total, cerca de 22 mil moradores tiveram acesso à água tratada pela primeira vez. A Águas do Rio diz ter implantado cerca de 25 quilômetros de rede de distribuição de água e ter realizado mais de 218 mil serviços, como interligações e substituições no sistema de bombeamento. Já por meio do programa Vem com a Gente (VCG), com a presença dos agentes de saneamento em mais de 30 comunidades, diz terem sido instaladas 5.055 novas ligações de água, beneficiando mais de 20 mil pessoas.

“Na região do bairro Gradim, que antes apresentava um fornecimento de água intermitente e com pressão insatisfatória, após a concessionária realizar uma interligação na linha principal de rede de distribuição de água do bairro, implantar o sistema monitoramento de pressão e 400 metros rede de distribuição de água na Rua Manoel Duarte, cerca de 15 mil pessoas e indústrias do ramo naval existentes no local foram beneficiadas com as melhorias”, diz em nota.

Duque de Caxias

A Águas do Rio afirma que suas equipes atuaram para regularizar o abastecimento na cidade, beneficiando mais 455 mil pessoas. “Foram mais de 32 quilômetros de novas redes de água e instalação de oito sistemas de bombeamento, além de outras melhorias e eficiência operacional”, diz em nota. Os próximos passos, afirma, estão focados na instalação de três bombas para ampliar a oferta de água tratada na cidade, na região do Olavo Bilac, Parque Fluminense e 25 de Agosto.

São João de Meriti

Mais de 20 mil pessoas estão sendo beneficiadas com a ampliação e substituição de redes de água, instalação de boosters, e recuperação de reservatórios, segundo a concessionária. Neste ano de 2023, 10 novos sistemas de bombeamento serão implantados em vários pontos da cidade, contemplando os bairros Eden, Vila Tiradentes, São Mateus, Agostinho Porto, Parque Araruama, Parque Alian, Vila São João, Jardim Meriti e Jardim Botânico.

Belford Roxo

A implantação e substituição de mais de 10 mil metros de rede de água, além de outras melhorias operacionais, beneficiaram mais de 75 mil belford-roxenses, afirma a Águas do Rio. Neste ano, serão implantadas cinco bombas, além de reforma e modernização de sistemas de bombeamento e reservatórios.

Fonte. Jornal Extra.


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