Durante o segundo turno de 2018, a interferência das lideranças evangélicas de extrema direita não se limitou apenas às pregações dominicais de suas igrejas. Milhões de crentes receberam por boletins, jornais impressos e, principalmente, rádios, a imposição do medo para não votar em Fernando Haddad.

Em 20 de outubro de 2018, eu publiquei aqui no Intercept uma matéria resultante de duas semanas de escuta do famoso programa evangélico “Debate Melodia”, na rádio carioca Melodia FM, em que todos os temas foram pensados de maneira a minar a adesão do público evangélico à candidatura do petista e a escolher Jair Bolsonaro como um candidato “comprometido com os valores cristãos”.

O restante da história, ainda muito recente, nós conhecemos bem. A maior adesão evangélica a um presidente contribuiu significativamente para a vitória de Jair Bolsonaro e foi parte do estrago causado ao país e à democracia brasileira.

Não descuidar do papel da religião na esfera pública não significa vê-la como um mal em si mesma.

É por esse histórico nocivo silencioso de como a extrema direita conta com as igrejas de lideranças ultraconservadoras como incubadoras que o novo governo, as forças progressistas da sociedade e os defensores de direitos humanos e da democracia não podem descuidar do papel da religião de maneira geral, e dos evangélicos ultraconservadores em particular, na esfera pública.

Mas isto não significa ver a religião e as igrejas como um mal em si mesmas. Na verdade, significa que é possível e necessário virar a chave voltada para o uso religioso feito pela extrema direita para a do uso feito pelos que celebram a democracia, os direitos humanos, a igualdade e a diversidade.

Este seria um ótimo momento para pensar projetos que desafiem mais igrejas a se comprometerem a ser parte da expansão da democracia, da garantia dos direitos individuais, da liberdade e da defesa da diversidade e pluralidade do país. Se o novo governo pretende prosperar e estar pronto para os desafios à democracia brasileira, será fundamental estar atento ao papel crucial exercido pela religião na realidade política e social. Isso pode ser feito de maneira propositiva, enxergando o potencial de mobilização e fortalecimento das pautas de justiça social e igualdade que a religião pode ter. É preciso tomar a frente desse debate, em lugar de sermos surpreendidos com um novo, e mais nocivo, formato de radicalização.