Quem é Luz Vidal, ex-empregada doméstica que hoje é subsecretária do Ministério da Mulher no Chile
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Ela é a primeira sindicalista do setor a ocupar cargo no governo e para isso teve que quebrar várias barreiras que a cultura patriarcal lhe impôs por ser mulher e mapuche
SANTIAGO — Luz Vidal Huiriqueo, ex-empregada doméstica que ontem assumiu como subsecretária do Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero no Chile, teve que quebrar várias barreiras que a cultura patriarcal lhe impôs por ser mulher e mapuche para chegar onde chegou. Depois de trancar a universidade por uma doença, passou a trabalhar como empregada doméstica. Foi ali que conheceu o sindicalismo e a perspectiva social que o novo presidente chileno, Gabriel Boric, valorizou para nomeá-la ao cargo.
Vidal participou ativamente dos protestos de 2019, época em que presidia o Sindicato dos Trabalhadores em Casas Particulares (Sintracap), uma organização `à qual se dedicou totalmente depois que seus últimos empregadores a demitiram, em 2020, por motivos políticos.
Contexto: Ao prestar juramento como novo presidente do Chile, Boric diz se orgulhar de Gabinete feminista
Em 1º de maio daquele ano, Vidal, hoje com 48 anos, foi presa por denunciar nas ruas o que seus colegas vivenciavam em meio a uma pandemia: muitas foram demitidas arbitrariamente ou forçadas a morar nas casas onde trabalhavam se quisessem manter seus empregos.
— Os empregadores não querem trabalhadoras empoderadas — disse ao ser presa.
A ex-empregada doméstica cultiva um estilo desafiador desde a infância. Mais nova das mulheres entre 11 irmãos que cresceram na região de Araucanía, ela costumava ter atritos com a mãe porque se recusava a servir os homens da casa.
— Minha mãe, que era muito machista, me dizia que eu tinha que cuidar deles. Mas resistia, porque não entendia por que, se eles tinham os mesmos dedos que eu, eu tinha que cozinhar para eles, dobrar suas roupas ou arrumar suas camas, só porque eu era mulher. O que antes eu chamava de rebelião agora é chamado de feminismo. Se meus pais, já mortos, soubessem que sou subsecretária ririam, nunca fui uma mulher fácil.
Perfil: Quem é Gabriel Boric, o ex-líder estudantil que foi eleito presidente do Chile
Ainda jovem, a hoje subsecretária começou a estudar Pedagogia, mas uma úlcera que ela atribui ao estresse por ter que caminhar 20 quilômetros para se deslocar da zona rural onde vivia à Universidade da Fronteira, por falta de transporte público, a forçou a trancar a faculdade. Nessa época, mudou-se para Santiago e, aos 20 anos, começou a trabalhar como faxineira na casa de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi ali que se conscientizou cada vez mais de seus direitos trabalhistas.
Mas a virada só ocorreu em 2008, quando ao carregar um cesto de roupa suja, caiu das escadas e teve o ombro deslocado. Seus empregadores à época — ambos médicos — em vez de examiná-la, lhe deram um remédio para a dor e disseram que, se ela quisesse ir a um hospital, teria que usar seus dias de folga. Vidal resistiu três dias sem tratamento até que uma colega lhe disse que aquilo era um abuso. Foi quando entrou para o sindicato, onde 13 anos depois acabou se tornando presidente.
Ali, ocupou uma das vagas independentes abertas pelo partido Revolução Democrática para se candidatar à Convenção Constituinte, que agora está redigindo uma nova Constituição. Não conseguiu se eleger, mas abriu o caminho que a levou a assumir o cargo de subsecretária do Ministério da Mulher.
E mais: Com sessões maratônicas transmitidas pela TV, Constituinte do Chile entra em contagem regressiva
Foi o próprio presidente que ligou para ela, lembra Vidal. E sua primeira reação foi lhe perguntar se ele tinha certeza da escolha:
Quem é Luz Vidal, ex-empregada doméstica que hoje é subsecretária do Ministério da Mulher no Chile

SANTIAGO — Luz Vidal Huiriqueo, ex-empregada doméstica que ontem assumiu como subsecretária do Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero no Chile, teve que quebrar várias barreiras que a cultura patriarcal lhe impôs por ser mulher e mapuche para chegar onde chegou. Depois de trancar a universidade por uma doença, passou a trabalhar como empregada doméstica. Foi ali que conheceu o sindicalismo e a perspectiva social que o novo presidente chileno, Gabriel Boric, valorizou para nomeá-la ao cargo.
Vidal participou ativamente dos protestos de 2019, época em que presidia o Sindicato dos Trabalhadores em Casas Particulares (Sintracap), uma organização `à qual se dedicou totalmente depois que seus últimos empregadores a demitiram, em 2020, por motivos políticos.
Contexto: Ao prestar juramento como novo presidente do Chile, Boric diz se orgulhar de Gabinete feminista
Em 1º de maio daquele ano, Vidal, hoje com 48 anos, foi presa por denunciar nas ruas o que seus colegas vivenciavam em meio a uma pandemia: muitas foram demitidas arbitrariamente ou forçadas a morar nas casas onde trabalhavam se quisessem manter seus empregos.
— Os empregadores não querem trabalhadoras empoderadas — disse ao ser presa.
A ex-empregada doméstica cultiva um estilo desafiador desde a infância. Mais nova das mulheres entre 11 irmãos que cresceram na região de Araucanía, ela costumava ter atritos com a mãe porque se recusava a servir os homens da casa.
— Minha mãe, que era muito machista, me dizia que eu tinha que cuidar deles. Mas resistia, porque não entendia por que, se eles tinham os mesmos dedos que eu, eu tinha que cozinhar para eles, dobrar suas roupas ou arrumar suas camas, só porque eu era mulher. O que antes eu chamava de rebelião agora é chamado de feminismo. Se meus pais, já mortos, soubessem que sou subsecretária ririam, nunca fui uma mulher fácil.
Perfil: Quem é Gabriel Boric, o ex-líder estudantil que foi eleito presidente do Chile
Ainda jovem, a hoje subsecretária começou a estudar Pedagogia, mas uma úlcera que ela atribui ao estresse por ter que caminhar 20 quilômetros para se deslocar da zona rural onde vivia à Universidade da Fronteira, por falta de transporte público, a forçou a trancar a faculdade. Nessa época, mudou-se para Santiago e, aos 20 anos, começou a trabalhar como faxineira na casa de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi ali que se conscientizou cada vez mais de seus direitos trabalhistas.
Mas a virada só ocorreu em 2008, quando ao carregar um cesto de roupa suja, caiu das escadas e teve o ombro deslocado. Seus empregadores à época — ambos médicos — em vez de examiná-la, lhe deram um remédio para a dor e disseram que, se ela quisesse ir a um hospital, teria que usar seus dias de folga. Vidal resistiu três dias sem tratamento até que uma colega lhe disse que aquilo era um abuso. Foi quando entrou para o sindicato, onde 13 anos depois acabou se tornando presidente.
Ali, ocupou uma das vagas independentes abertas pelo partido Revolução Democrática para se candidatar à Convenção Constituinte, que agora está redigindo uma nova Constituição. Não conseguiu se eleger, mas abriu o caminho que a levou a assumir o cargo de subsecretária do Ministério da Mulher.
E mais: Com sessões maratônicas transmitidas pela TV, Constituinte do Chile entra em contagem regressiva
Foi o próprio presidente que ligou para ela, lembra Vidal. E sua primeira reação foi lhe perguntar se ele tinha certeza da escolha:
— Eu disse a ele que não queria ser um obstáculo, mas Boric respondeu que precisava ter uma visão social e uma conexão com os cidadãos, e que eu representava isso. Senti um compromisso muito grande, uma consciência dos 74 anos do nosso sindicato pedindo igualdade de condições para nossas trabalhadoras. Quero contribuir para que essa justiça social seja cada vez mais uma realidade e não apenas discurso — afirma.
O Sintracap tem peso histórico. Apesar ter sofrido invasões durante a ditadura, e de algumas das líderes da época terem sido presas, foi um dos poucos que permaneceu de pé. Em 8 de março de 1978, foi o sindicato que reuniu milhares de mulheres no Teatro Caupolicán, onde fizeram um discurso em que buscavam o paradeiro dos parentes de presos desaparecidos . Tudo acabou quando os militares entraram e levaram suas dirigentes. Mas o marco ficou inscrito na memória coletiva.
— Muitas vezes acredita-se que as mulheres que pertencem às camadas sociais mais baixas, por serem pobres, não são capazes de se organizar, mas é aí que está o seu poder. Vimos isso na ditadura com mulheres que passavam despercebidas mas que eram verdadeiras agentes de divulgação das violações de direitos humanos que ocorriam — diz. — Eu também quero ser um guia para que outras mulheres acreditem em si mesmas e saibam que podem romper barreiras para que amanhã alcancem posições relevantes e não apenas cargos em organizações de base.
'A transição para a democracia se completa hoje': como os chilenos viveram o dia histórico em que derrubaram a Constituição da ditadura
Sua nomeação não passou despercebida. Enquanto alguns faziam chacota, dizendo que ela iria servir café ou fazer faxina no ministério, a maioria via como um sinal de que o sindicalismo e as lideranças sociais romperam barreiras históricas da exclusão e chegaram ao poder por meio de sua figura.
María Cotal, presidente da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Domésticos, tem certeza de que sua ex-companheira de luta conseguirá tudo o que se propõe a fazer.
— Ela é aplicada, disciplinada, eficiente, mas ao mesmo tempo tem caráter e sabe colocar seus pontos. Luz nunca se envergonhou de ser quem é, pelo contrário, sempre lutou. Eu nunca vi a possibilidade de uma colega nossa chegar ao governo, é emocionante, mas ela conseguiu e, se uma de nós sobe, todos nós subimos. O Chile precisa de pessoas como ela para seguir em frente.
Comentários
Postar um comentário