Eliane Taiguara: “os povos indígenas vivem hoje em estado de completo abandono
Em entrevista ao programa “Um Tom de resistência” na TV 247, a primeira mulher indígena do Brasil a publicar um romance criticou a falta de políticas públicas para os povos originários e destacou que “no governo Bolsonaro, as coisas ficaram ainda piores”.
Por Ricardo Nêggo Tom - Exemplo de resistência social e cultural, Eliane Potiguara foi a entrevistada de Ricardo Nêggo Tom na edição desta semana do programa Um Tom de resistência, na TV 247, no qual a escritora conta ter começado a escrever já na infância, quando tinha que auxiliar a avó, que era analfabeta. “Eu comecei aos sete anos de idade, por causa das cartas que precisava escrever para a minha avó, uma indígena Potiguara da Paraíba que era analfabeta e que veio do Nordeste para o Rio de Janeiro em condições sub-humanas e de muita pobreza, como a maioria do povo brasileiro vive. A minha família veio em busca de melhores condições de vida e para fugir do extermínio, porque o meu avô foi assassinado por conta da colonização do algodão. Toda a minha família era analfabeta, mas a minha principal inspiração para escrever era a minha avó e minhas tias avós, que eram Marias, mulheres pobres, guerreiras, de luta, imigrantes, indígenas. O sofrimento e a solidão dessas mulheres indígenas me incentivaram a escrever poesia”.
Eliane lembra que começou a se perceber como indígena a partir do conteúdo das cartas que a avó lhe pedia para escrever e que eram endereçadas a familiares que ficaram na Paraíba. “Foi assim que eu comecei a perceber a nossa história. Eu não sabia que nós éramos indígenas, não tinha condição de raça, classe e etnia. Sabia que éramos altamente discriminados onde morávamos, entre a Central do Brasil e a zona do mangue, tendo ao fundo o Morro da Providência, onde havia uma comunidade indígena imigrante, que eram chamados indígenas de contexto urbano. Esses indígenas saiam de suas comunidades de origem em direção às cidades, fugindo da violência física, moral, psicológica e do genocídio. A minha história é a mesma história dos povos da Amazônia, do Nordeste, do Mato Grosso. Como escritora, eu não escrevo uma história individual. Eu não sou um indivíduo, eu sou um coletivo. Eu me percebo nesse processo como num sistema de coletividade, e contando uma história que perpassa por todas essas demandas e sofrimentos dos povos indígenas do Brasil”, explicou.
Agraciada com a Comenda da Ordem do Mérito Cultural em 2014, prêmio que recebeu das mãos da então presidente Dilma Rousseff, Eliane Potiguara foi casada com o cantor e compositor Taiguara, um dos artistas mais perseguidos durante a ditadura militar no país. Perguntada sobre a opinião de alguns cidadãos que pedem intervenção militar e a volta de um regime de exceção no país, Eliane avalia que “são pessoas extremamente inconscientes e que não conhecem a história do Brasil. Se conhecessem não estariam pedindo o retorno da ditadura. Naturalmente, são pessoas que não passaram por aquele processo e não sentiram na pele o que é estar sob uma ditadura no país e no continente. Porque foi um processo continental que veio de fora, cujo objetivo era facilitar a hegemonia dos EUA sobre o Brasil. Nós éramos o quintal do mundo e eles queriam as nossas riquezas, o nosso ouro. Como foi a colonização brasileira e nas Américas, onde os portugueses vieram com a cruz e a espada para colonizar os povos originários. É todo um contexto até chegarmos nesse sistema opressor em que vivemos hoje, onde o povo não tem direito a nada”.
Eliane criticou a falta de políticas destinadas à população indígena, especialmente durante o governo de Jair Bolsonaro. “Entra governo e sai governo, e as políticas públicas não acontecem para a nossa população indígena. Por essa razão é que os povos indígenas vivem hoje em estado de completo abandono. E no governo Bolsonaro, as coisas ficaram ainda piores. Porque, além da situação de pobreza, o nosso povo está ameaçado pelo decreto que ele instituiu permitindo a mineração e a entrada do agronegócio em terras indígenas. Tudo feito sem uma consulta prévia, que deveria ter sido organizada pela FUNAI, pelas instituições, pelas lideranças políticas. Um exemplo marcante foi a hidrelétrica de Belo Monte, que foi muito questionada pelos povos do Xingu, onde a população indígena se reuniu para combater esse processo de genocídio e de falta de comprometimento com os povos originários. No entanto, de lá para cá, tivemos muito mais projetos, mais hidrelétricas, mais empresas, madeireiras, e, agora, o pior de todos, que é o agronegócio que está tomando as terras indígenas com o apoio do presidente Bolsonaro”.
Fonte.brasil247.com
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