Bolsonaro admite não ter provas de fraudes em eleições e usa vídeos antigos para atacar sistema eleitoral

 




BRASÍLIA - 'Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas": com essa frase, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu ontem que não possui provas de fraudes nas urnas eletrônicas, embora tenha anunciado diversas vezes que apresentaria tais elementos para comprovar sua tese. Em transmissão ao vivo em suas redes sociais na noite desta quinta-feira, ele fez ataques ao sistema de votação usado no Brasil e disse que há "indícios fortíssimos em fase de aprofundamento". Tais indícios citados pelo presidente foram vídeos antigos que circulam na internet e trechos editados de programas de TV.

As críticas ocorrem em um momento em que Bolsonaro é alvo da CPI da Covid, está com a popularidade em baixa e figura atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais. Bolsonaro defende a implementação do voto impresso e, reiteradamente, ameaça não reconhecer o resultado caso perca as eleições em 2022 com o sistema atual.

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O dever de apresentar provas é de quem faz acusação de fraudes, e não o contrário, mas o presidente tentou inverter os papéis.

— Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo a acusação. Apresente provas de que ele não é fraudável — disse o presidente, acrescentando:

— Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas.

Bolsonaro falou várias vezes em "indícios".

— Indícios fortíssimos ainda em fase de aprofundamento, que nos levam a crer que temos que mudar esse processo — disse Bolsonaro.

Bolsonaro voltou a atacar o Tribunal Superior Eleitora (TSE), em especial o atual presdente da corte, o ministro Luís Roberto Barroso, defensor do sistema eletrônico de votação. Ao longo da transmissão, o TSE realizou uma checagem em tempo real de afirmações do presidente com conteúdos sobre as eleições no Brasil que foram produzidos pela Corte ao longo dos últimos anos e que desmentem as alegações de Bolsonaro. Foram 17 pontos rebatidos pelo TSE.

A transmissão durou mais de duas horas. Bolsonaro falou inicialmente por mais de 30 minutos antes de passar a palavra para Eduardo Gomes, assessor do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Eduaro Ramos, que identificado como analista de inteligência. Ele justificou a escolha de pegar vídeos já disponíveis na internet.

— Esses vídeos estão todos disponíveis na internet. Por que fizemos questões de procurar nessa fonte? Porque é o povo — disse Eduardo.

Dilma X Aécio

Bolsonaro havia prometido revelar supostas “provas de fraude” na contagem de votos do segundo turno da eleição presidencial de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) venceu Aécio Neves (PSDB) e foi reeleita, mas apenas mostrou um vídeo com suspeitas em relação à apuração. E disse que hoje, sete anos depois, vai pedir investigação para a Polícia Federal (PF), por meio do ministro da Justiça, Anderson Torres. Aécio e o PSDB acionaram a Justiça Eleitoral em 2014 contestando o resultado. O TSE não deu razão a chapa derrotada. Após um trabalho de auditoria com dados fornecidos pelo TSE que durou seis meses, a conclusão da equipe do partido foi de que o resultado da eleição correspondia fielmente aos resultados apurados em todas as urnas.

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Nesta quinta-feira, em nota, o PSDB criticou Bolsonaro por não apresentar provas e afirmou que o presidente é "dado a paranoias e teorias da conspiração". O partido de Aécio diz ainda que, no lugar disso, "ofereceu um festival de argumentos constrangedores e patéticos" e que "o máximo que conseguiu é deixar a sociedade perplexa com o nível das bizarrices apresentadas". Dilma Rousseff venceu Aécio Neves por uma diferença de 3,28 pontos percentuais.

O tribunal afirma que, desde 1996, quando as urnas eletrônicas foram implantadas, os casos de suspeita de fraude foram frequentes, mas que o Ministério Público e a Polícia Federal jamais identificaram ou comprovaram as supostas irregularidades.

— Quem ganhou as eleições de 2014 foi a ex-presidente Dilma. Isso já está mais do que provado. O que Bolsonaro pretende? O retrocesso ao sistema anterior? É preciso deixar claro que as urnas não estão interligadas, tudo é armazenado em um disco móvel que, ao término das eleições, é retirado e remetido ao TSE para o cômputo geral. Deu certo até aqui e agora se coloca em dúvida? É uma temeridade — disse ao GLOBO o ex-ministro Marco Aurélio Mello, que presidiu o TSE no pleito de 1996, o primeiro sob a urna eletrônica.

Ele, que se aposentou do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 12, também disse estranhar as alegações de fraude eleitoral feitas por Bolsonaro, uma vez que o sistema já o elegeu deputado federal por cinco vezes seguidas e também deu a ele a vitória na eleição presidencial de 2018, quando recebeu 57,8 milhões de votos no segundo turno.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Og Fernandes, que esteve no TSE como membro efetivo de agosto de 2018 a agosto de 2020, foi na mesma linha.

— Fui integrante do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco e, mais recentemente corregedor-geral da Justiça Eleitoral, e não vejo nessa minha história de vinculação com a Justiça eleitoral nenhum caso em que tivéssemos uma inconsistência ou uma situação de fraude na urna eletrônica. Não entramos até agora nenhuma situação de fraude. Acho que a Justiça Eleitoral ficaria muito grata a quem quer que seja que revelasse algo de consistência em relação a fraude nas urnas, porque seria uma oportunidade para aperfeiçoar o sistema — afirmou Og.

Ele lembrou ainda que, para dirimir as alegações de fraude sobre os resultados das eleições, bastaria observar o que as pesquisas de intenção de voto apontavam e o posterior resultado nas urnas.

— Em 2018, os resultados das urnas [para Bolsonaro] foram percentualmente superiores ao que as pesquisas indicavam [que ele teria]. Isso tecnicamente me parece uma prova de que as urnas confirmaram até com folga. A Justiça jamais rejeitou submeter e fazer testes de qualidade, de integridade e de segurança — apontou.

Segurança

Segundo o TSE, a segurança do sistema eletrônico de votação é feita em camadas, ou seja, por meio de dispositivos de segurança de tipos e com finalidades diferentes. A Corte explica que todos os arquivos que requerem integridade e autenticidade são assinados digitalmente. Esse é o caso, por exemplo, dos aplicativos da urna e dos arquivos de dados de eleitores e de candidatos, assim como do Boletim de Urna e do registro digital do voto, dentre outros. "Além disso, os arquivos que requerem sigilo são criptografados. Em todos esses casos, são utilizadas chaves diversas. Esses mecanismos de assinatura e de criptografia impedem que o conteúdo das mídias seja adulterado", explica.

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O órgão também esclarece que a urna eletrônica é auditável, já que o equipamento conta com diversos recursos que possibilitam e fortalecem a possibilidade de auditagem. É o caso do Registro Digital do Voto, log da urna eletrônica, auditorias pré e pós-eleição, auditoria dos códigos-fonte, lacração dos sistemas, tabela de correspondência, lacre físico das urnas, identificação biométrica do eleitor, auditoria da votação (votação paralela) e oficialização dos sistemas.

Além disso, a Corte lembra que os sistemas podem ser requisitados para análise e verificação, não somente no período de seis meses que antecedem o pleito, mas a qualquer tempo e pelo prazo necessário para se proceder a uma auditoria completa, como ocorreu em 2014.

O TSE também ressalta o mecanismo dos Testes Públicos de Segurança, que consiste em abrir os sistemas para inspeção dos códigos-fonte para encontrar oportunidades de aprimoramento dos mecanismos de segurança do software. Os testes foram incorporados ao processo eleitoral em 2015 por meio de uma resolução e são realizados preferencialmente no segundo semestre dos anos que antecedem os pleitos eleitorais.

Efeitos

O cientista político e consultor Leonardo Barreto realça que duvidar, inclusive do sistema eleitoral, é um direito, mas dizer que não vai reconhecer o resultado das eleições por uma regra é uma quebra do acordo democrático, o que, para ele, é um "problema muito sério", com graves consequências para a estabilidade do país.

— Essa é uma discussão politica, muito mais do que técnica. Você tem que chegar a um bom nível de consenso para não se colocar a democracia em risco. Sem tomar posição se deveria ser mantido de um jeito ou não, eu acho que é um evento complicado, perigoso, e que a sociedade política deve procurar um termo porque a maior ameaça que pode haver para a estabilidade política de um país é uma parte não aceitar as regras fundamentais — explica o cientista político, que diz confiar no sistema eleitoral.

Para Barreto, há ainda um desdobramento do discurso de Bolsonaro acerca de fraudes e resultados das eleições: o questionamento por parte de outros candidatos em uma eventual vitória nas urnas do presidente.

— Ele pode questionar se perder, mas ele também está criando condições para que seus adversários questionem se ele ganhar — avalia o especialista, para quem a posição de Bolsonaro dentro do Congresso é minoritária.

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