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O primeiro morto da extrema direita no Brasil Há quatro anos, Plínio e o começo de tudo.

 

Marchezan: o prefeito de Porto Alegre “adotado” pelo MBL.

 

Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

AVISO: SE VOCÊ TEM SENSIBILIDADE A DESCRIÇÕES DE CENAS FORTES, NÃO LEIA ESTE TEXTO.

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Intercept Brasil. Assine. É de graça, todos os sábados, na sua caixa de e-mails.

HÁ UMA DATA que serve como marco temporal da violência política no Brasil de hoje: 17 de outubro de 2016. Naquele dia, o corpo de um dos coordenadores de campanha do então candidato a prefeito de Porto Alegre pelo MDB, Sebastião Melo, foi encontrado esfaqueado em um banheiro dentro do próprio comitê de campanha. O caminho que levou Plínio Zalewski àquele banheiro tem todas as digitais dos ventos reacionários que assolam o Brasil.

Nas semanas anteriores, Zalewski havia sido difamado e perseguido. A agressividade digital era ainda incomum naqueles tempos. Suas contas em redes sociais tinham sido invadidas; ele fora filmado na rua e exposto no You Tube pelo hoje candidato à prefeitura de São Paulo Arthur do Val, o Mamãe Falei, do MBL. O movimento adotou (nas palavras de Kim Kataguiri), à época, o atual prefeito da capital gaúcha e candidato à reeleição este ano, o tucano Nelson Marchezan Júnior.

O estado do corpo e as características da cena fizeram pairar, por muito tempo, a suspeita de que Zalewski poderia ter sido assassinado.

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Mamãe falei

Luciane de Almeida Pujol passou a noite do domingo, 16 de outubro de 2016, em claro. Ao lado de um cunhado, a mulher de Plínio varou a madrugada até a segunda-feira procurando por ele em alguma sarjeta de Porto Alegre, imaginando encontrá-lo coberto de sangue e esfarrapado depois de tomar uma surra.

O desaparecimento do pai de suas duas filhas tinha sido registrado na polícia, por isso Luciane não estranhou quando a delegacia ligou. A notícia que recebeu, entretanto, era a última coisa que esperava ouvir: Plínio Zalewski parecia ter se suicidado.

A disputa eleitoral de 2016 foi marcada por uma espiral de tensão e agressividade. Nas três semanas que antecederam a descoberta de seu corpo, Plínio sofreu um acosso virtual com centenas de ataques pessoais dirigidos a ele. Além disso, a invasão de seu computador seria confirmada pela perícia.

Tudo por causa de suas postagens ácidas no Facebook com críticas contundentes a Nelson Marchezan Junior. O auge dos ataques foi um vídeo filmado por Arthur do Val. Dono de um canal intitulado Mamãe Falei, do Val é um militante do MBL que hoje ocupa um posto de deputado estadual em São Paulo. À época, ele publicou um vídeo acusando Zalewski de ser funcionário fantasma da Assembleia Legislativa.

O vídeo mostra o youtuber interrogando funcionários do prédio do legislativo gaúcho, como porteiros e serventes. Ele pergunta se as pessoas reconhecem Plínio em uma foto e se costumavam vê-lo nos corredores da casa. Aparecem também imagens de postagens políticas do assessor, assinalando que eram feitas em horário de trabalho, quando ele deveria dar expediente na Assembleia. E questiona ainda o próprio candidato a prefeito, Sebastião Melo, sobre a suposta irregularidade. Detalhe: Plínio exercia um cargo que não demandava que precisasse dar expediente em horários pré-determinados. Na prática, trabalhava sob demanda, alerta 24h por dia. O vídeo estava fundamentalmente errado. Uma fake news do MBL.

Plínio ficou extremamente abalado. Sem saber o que fazer, pediu exoneração do cargo para não prejudicar a campanha. A publicação do MBL contabilizou quase 4 mil compartilhamentos nas semanas que antecederam sua morte, e uma avalanche de trolls começou a atacar o assessor a partir de então, com ajuda da própria campanha de Marchezan que, em outras postagens, insinuou que Plínio utilizava contas falsas na internet para atacar o candidato tucano.

Enquanto era massacrado publicamente, Plínio acionava amigos para ajudá-lo a remover espiões de seus computadores e também de seus telefones celulares.

Espionagem nos computadores, celulares e na rua

Advogado e amigo de Plínio Zalewski, Ricardo Giuliani havia se encontrado com ele poucos dias antes de sua morte. Seria seu defensor em processo administrativo aberto a partir de uma representação protocolada pelo MBL, usando o vídeo de Mamãe Falei como mote. Na época, em entrevistas a jornais, Guiliani classificou as ações do grupo como “práticas quase neofascistas”. “(Plínio dizia que) os caras estavam vindo para cima dele, que existiam pessoas designadas para acompanhá-lo ostensivamente, para que ele percebesse”, disse à imprensa. Para escrever esta história, eu pedi ajuda da repórter Naira Hofmeister.

Naira e eu conversamos por muitas horas com diversas pessoas envolvidas no caso desde semanas após o corpo de Plínio ser encontrado, quando me encontrei com Luciane Pujol. Nossa busca era pela verdade sobre o caso ser suicídio ou homicídio. Não existem, por ora, indícios contundentes de que tenha havido um assassinato. Tudo leva a crer que Plínio tirou a própria vida. Ele não suportou o terrorismo digital contra si e contra sua família.

Dez dias antes de sua morte, o assessor registrara duas ocorrências na polícia denunciando a invasão de aparelhos eletrônicos seus e de sua família. No dia 7 de outubro, foi a uma delegacia no bairro Menino Deus para “comunicar que tomou conhecimento de que suas contas pessoais do Facebook, Gmail e Messenger foram invadidas”. No Facebook, a senha que havia cadastrado não funcionava mais. Fez algumas tentativas para resetá-la e, quando conseguiu, deletou a página. “Mas esta voltava a ficar ativa”, anota o registro policial, que ainda acrescenta: “No dia seguinte, percebeu que havia sido realizada uma postagem em sua página que não reconhece”.

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Na mesma ocorrência, Plínio relata ter recebido uma mensagem no Gmail informando que sua conta de correio eletrônico “tinha sido acessada por alguém”.

Uma semana depois, outro registro de ocorrência, dessa vez por “invasão perpetrada contra seu aparelho celular, de sua esposa e de sua filha”. Segundo Luciane Pujol, os celulares pareciam ter vida própria: “De repente, do nada, aparecia uma foto de uma das nossas filhas como pano de fundo, algo que ele não tinha feito”, nos contou.

No computador de casa, a mesma coisa: arquivos há muito tempo sem acesso iam parar na área de trabalho sem que ninguém lembrasse de tê-los transferido para lá.

Além da espionagem virtual, Plínio achava que estava sendo monitorado fisicamente. Em depoimento à polícia, Sebastião Melo, o então candidato e que atualmente tenta novamente se eleger prefeito, revelou que Plínio havia confidenciado a ele que estava recebendo ameaças: “Em uma das ligações que recebeu chegaram a referir que sabiam onde suas filhas estudavam”.

Em outra ocasião, quando ia com Melo “a uma reunião no centro da cidade, Plínio disse que um indivíduo ligado ao MBL estava acompanhando ele”, prosseguiu em depoimento o candidato. Melo foi derrotado por Marchezan, o “adotado” pelo MBL.

Durante o velório de Plínio, Beto Albuquerque, que havia sido candidato à vice-presidência na chapa de Marina Silva depois que Eduardo Campos morreu, em 2014, relatou preocupações semelhantes: “Plínio contou que estava numa reunião no Lido Hotel e, quando saiu, tinha um rapaz filmando. Ele foi até lá e filmou o cara também”, disse aos repórteres no local.

“Muito bem, vocês conseguiram”

Em quase todos os depoimentos tomados pela delegada Luciana Peres Smith, que investigou o caso, colegas de trabalho, familiares e amigos relatam que houve ainda um último episódio que deixou o assessor transtornado.

Na véspera de sua morte, no sábado, um fotógrafo não identificado e uma advogada da candidatura de Nelson Marchezan entraram em uma das sedes do MDB em Porto Alegre, aproveitando uma fiscalização da Justiça Eleitoral. Marchezan havia denunciado que o local era um comitê irregular de campanha. Foi Plínio quem abriu a porta aos fiscais, mas ele só percebeu a dupla de Marchezan depois que haviam lido e fotografado documentos. “Outra vez comigo”, lamentou a colegas no comitê oficial no dia seguinte, a mesma tarde de sua morte.

O corpo de Plínio Zalewski estava em estado terrível. O laudo, ao qual tivemos acesso, mostra que ele se esfaqueou no pescoço, primeiro de um lado, depois do outro, de modo brutal. Ele estava de barriga para baixo, braços dobrados de maneira que as mãos ficavam na altura dos ombros – como se tivesse se protegido da queda frontal. O banheiro era uma piscina de sangue. Os legistas notaram também marcas menores de perfuração, que os peritos chamam de lesões hesitantes, comuns em suicidas, quando tentam desferir o golpe contra si mas desistem no meio do caminho.

Uma funcionária do comitê, que trabalhava muito próxima ao banheiro no momento da tragédia, disse que nada ouviu. A equipe Bravo 01 da Polícia Civil, que atendeu a ocorrência, registrou às 18:21 do dia 17: “A vítima, Plínio Alexandre Zalewski Vargas, havia cometido suicídio com uso de arma branca. O corpo foi localizado caído no banheiro masculino no fundo do prédio, com perfurações no pescoço, sobre uma faca”.

Plínio Zalewski deixou um bilhete de despedida. Escreveu:

“MUITO BEM
Vocês conseguiram
Espero que deixem a minha família
em paz
E façam política, MAS com ideias e não com métodos de Estado Policial;
GRAMPOS, HACKERS, CAMPANAS, AMEAÇAS À minha mulher e filhas, que amo
apenas que agora possam voltar
profundamente, não espero perdão, seria impossível concedê-lo a mim…
PLÍNIO”
à paz, passada a tempestade provocada
por minha ATITUDE.

Seis cigarros

Companheiros ouvidos pela polícia relatam um Plínio distante e atordoado no domingo de sua morte. Lembram que o amigo havia almoçado pouco, estava monossilábico e parecia angustiado. Chegou a fumar seis cigarros, um atrás do outro, na frente do comitê.

“Nessa última semana que passou, era visível seu abatimento. A cada dia ficava mais alheio e distante dos acontecimentos da campanha política”, disse ao escrivão de polícia o assessor político Gustavo Ferenci, a quem coube o fardo de arrombar a porta do banheiro onde estava o corpo.

Até hoje, a investigação não descobriu a identidade de quem invadiu as contas de Plínio e de quem o ameaçava. “Ok, um suicídio não é crime. Mas indução ao suicídio é. E eu quero saber quem estava perseguindo meu marido nas redes sociais”, nos disse Luciane Pujol. Ela, ainda hoje, tem dúvidas sobre se o caso de trata de um suicídio.

No inquérito principal que apurou a morte e concluiu por suicídio, a delegada titular do caso, Luciana Peres Smith, solicitou análise dos dados do celular da vítima, que foi encontrado junto ao corpo. Mas os contatos, ligações e mensagens de SMS identificados pelos peritos não mudaram o curso das investigações. Já os dados do aplicativo WhatsApp, que o assessor usava com frequência, não foram disponibilizados: “Não foi possível identificar conversas ou dados referentes ao aplicativo de whatsapp”, diz o laudo, sem mais explicações.

O inquérito confirmou a invasão do computador de Plínio. Luciane ouviu dos investigadores que algum vírus poderia ter infectado o laptop da família. Em seu PC, havia o registro de um dispositivo chamado BinLaden, que os investigadores dizem ser o tal vírus espião.

A solicitação da lista dos IPs que acessaram suas contas digitais não revelou nada estranho – mas ela ficou incompleta porque Google e Facebook não liberaram todas as informações requeridas.



Fonte Leandro DemoriIntercept Brasil.

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