quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Como o filho de um pastor tenta salvar a dívida milionária da igreja do pai e de outros templos


A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro está diante de um impasse: um dispositivo em um projeto de lei aprovado pelo Congresso que perdoa aproximadamente R$ 1 bilhão de dívidas tributárias de templos religiosos e isenta o grupo de pagamentos de contribuições previdenciárias. O presidente tem até o dia 11 para decidir se sanciona a íntegra e mantém o perdão ― o que afaga líderes evangélicos, que representam parte de sua base eleitoral ― ou se veta o trecho, em aceno ao compromisso com as contas públicas.

O montante, de acordo com cálculo da oposição, seria suficiente para pagar o auxílio emergencial de R$ 600 a 1,6 milhão de pessoas. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional recomenda a rejeição da proposta.

A questão, entretanto, já esteve em outro momento sob escrutínio do presidente. De acordo com apuração do jornal Estado de S.Paulo, em abril. O presidente pediu ao secretário especial da Receita Federal, José Barroso, uma solução para as dívidas tributárias de igrejas. O pedido foi feito em um momento em que o próprio presidente já fazia constantes alertas sobre as dificuldades financeiras do País.

A conversa sobre a busca de uma solução ocorreu em reunião no Palácio do Planalto que contou com a presença do deputado Davi Soares (DEM-SP), filho do pastor missionário Romildo Ribeiro Soares. Mais conhecido como R. R. Soares, o pai do deputado fundou a Igreja Internacional da Graça de Deus, que é considerada uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus. A igreja de R. R. Soares — que é cunhado de Edir Macedo — tem uma dívida de R$ 127 milhões com a Receita Federal, de acordo com informações obtidas pela Agência Pública por meio da Lei de Acesso à Informação, referentes a agosto do ano passado.

Constar na dívida ativa da União, como é o caso do templo de R. R. Soares, o impede de conseguir certidão de regularidade fiscal. O documento é exigido geralmente para obtenção de licenças, participação em licitações e também para obtenção de créditos em bancos. 

Disposto a solucionar essa fatura, Davi Soares viu a oportunidade em um projeto de lei apresentado em abril deste ano pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM). A proposta tinha como objetivo central regulamentar cobrança de dívidas e destinar esse dinheiro ao combate à pandemia do novo coronavírus, mas ganhou duas emendas que isentaram os templos religiosos do pagamento do pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de multas por não pagar a CSLL e os anistiam de autuações por não pagar a contribuição previdenciária.

Bolsonaro ao lado de R. R. Soares, em fevereiro deste ano, na comemoração dos 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus. (Photo: Carolina Antunes/PR)

Ao justificar as emendas, Davi Soares argumentou que o fisco faz cobrança indevidamente por interpretar de maneira errada a lei vigente. “Tais autuações acabam por praticamente inviabilizar a continuidade dos relevantes serviços prestados por tais entidades”, diz trecho do texto da emenda. Em 15 de julho, quando o texto foi aprovado na Câmara, o deputado afirmou que apresentou as emendas “para corrigir esse problema”.

“Para fazer justiça às instituições que fazem o maior trabalho social do Brasil, para não dizer do mundo, a recuperação de milhares de pessoas, mesmo fazendo esse trabalho, nós estamos sendo tratados como empresas com fins lucrativos, sendo que quase 90% de todas as instituições religiosas no Brasil mal sobrevivem”, disse. “O que estou fazendo aqui é sinal de justiça. Ninguém está criando benefício algum. Nós estamos executando a lei aprovada por esta Casa, mas que a casa fiscal maior do Brasil recusa-se a cumprir. Ela rasga a Constituição, interpreta-a do seu próprio jeito”, completou.

‘Erro de interpretação’

O que Davi Soares vê como erro de leitura da legislação é o entendimento sobre o dispositivo constitucional que isenta templos religiosos de pagar alguns impostos, como IPTU. A lei prevê que o que é pago ao líder religioso seja livre de imposto. No entanto, as igrejas empregam outras pessoas além do líder religioso, e muitas não pagam as contribuições para essas outras funções, que devem ser recolhidas.

No entendimento do parlamentar, a isenção de impostos para igreja abrange todo o ordenamento. Defensores da medida afirmam que a imunidade de impostos para templos religiosos foi prevista na Constituição com intuito de assegurar a liberdade religiosa – para que ninguém deixe de exercer sua fé por dificuldades financeiras.

Tamanho da dívida

Ainda de acordo com dados obtidos pela Agência Pública, estão entre as outras igrejas com dívidas com a receita a Igreja Mundial do Poder de Deus (R$ 83 milhões), a Sociedade Vicente Palloti (R$ 61 milhões), a Convenção das Igrejas Evangélicas Assembléias de Deus de SC, SE e do PR (R$ 45 milhões). 

Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), as emendas que anistiam essas dívidas são inconstitucionais por determinar que o governo estaria abrindo mão desse recurso sem indicar como ele seria compensado. O órgão, que é ligado ao Ministério da Economia, ressalta que o projeto de lei tinha como objetivo determinar que a União usasse dinheiro economizado em negociações de precatórios no combate à pandemia.

“Não parece ser possível ao legislador, diante do princípio da isonomia e da capacidade contributiva, que desonere ou renuncie a receitas públicas sem estar albergado em valores de envergadura constitucional, que parecem não se mostrarem presentes no caso”, afirmou o órgão no parecer, obtido pelo G1.


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