‘Se há novidade possível no Brasil, ela virá do movimento negro’, diz Douglas Belchior
Gabriel Valery, RBA - Em um momento em que se faz evidente a necessidade de serviços públicos universais, em que a democracia encontra-se sob frequente ameaça, em que a saúde da população brasileira sofre com a má gestão e o desemprego explode, a questão do combate ao racismo é protagonista. Isso porque permeia as demais mazelas das estruturas sociais. “Vivemos em um momento de radicalização da barbárie”, define o ativista Douglas Belchior.
Douglas é cofundador da Uneafro, uma das 150 entidades que compõem a Coalizão Negra por Direitos, que formulou uma série de propostas para enfrentamento a problemas históricos e urgentes, além do manifesto “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”. Douglas explica: “O racismo é um elemento fundamental a ser considerado na leitura do que é o Brasil e o mundo. Isso, para pensarmos possíveis soluções e imaginarmos um futuro com a superação deste momento”.
O movimento negro sempre cobrou, denunciou e formulou propostas para as sucessivas crises da história do país. Entretanto, ele precisa ser ouvido de fato, argumenta o ativista. “É preciso valorizar a elaboração, a construção política, o acúmulo histórico do movimento negro. Se há uma novidade possível no Brasil, isso partirá da organização e do acúmulo das pessoas negras organizadas politicamente. Tem propostas, tem projetos, orientações e saídas para este poço em que estamos enfiados.”
Pandemia e racismo
O mundo passa pela pior crise sanitária dos últimos 100 anos. A pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, fez parar diversos setores da dinâmica social. Ao mesmo tempo, a luta antirrascista ganha outra dimensão. O assassinato do norte-americano George Floyd, em um ato covarde de um policial branco, foi estopim para o levante das vozes de negros e negras por boa parte do mundo.
“No momento em que o planeta inteiro estava parado por conta de uma das mais graves pandemias, o único fenômeno capaz de atravessar isso em âmbito mundial foi o conflito racial. Explodiu a partir das manifestações nos Estados Unidos, mas ecoou em outros cantos do mundo porque o problema é sistêmico”, explicou Douglas.
Para o ativista, isso revela a urgência de o mundo precisar lidar com o racismo, tão enraizado na história da humanidade. “Existe a necessidade de um debate sério sobre isso. Da consideração do racismo como um sistema necessário ao poder dos opressores e que deve ser combativo efetivamente. É preciso fortalecer, para além da denúncia, as iniciativas de soluções a partir das propostas do movimento negro organizado”, disse.
Cobrança e coerência
Juntamente com a pandemia do novo coronavírus e o levante das vozes negras em todo o mundo, o Brasil encontra-se em uma situação perigosamente incomum. O governo Bolsonaro ignora a pandemia, enquanto promove desmonte de direitos e instituições, que refletem cruelmente sobre a população negra. “Temos um governo abertamente racista, genocida e fascista. Temos um Congresso com maioria alinhada à extrema direita. Temos um clima social que corrobora muito com a intimidação e a violência racial”, afirmou Douglas.
Por outro lado, o debate sobre o racismo – e a urgência do antirracismo – alcança potência inédita. E precisa ser levado a sério. É o que cobra Douglas. “É preciso cobrar coerência da sociedade em um momento em que há comoção e um quase hegemônico sentimento de incômodo quanto às mazelas do racismo. Setores que nunca reconheceram o racismo hoje discutem o problema. Setores abastados, classe média, grande imprensa pautando esse tema. Que se cobre coerência dos setores. É preciso que os setores pratiquem o antirracismo.”
Raiz profunda
Douglas avança sobre a questão sobre a natureza sistêmica e institucional do racismo. “O racismo é pano de fundo e elemento fundamental de promoção dos principais conflitos, desigualdades e violências. Não há nenhuma grande desigualdade ou violência sistêmica que não tenha o racismo como pressuposto o racismo, como elemento que estrutura a opressão.”
É o racismo estrutural que faz com que essa população, majoritária no Brasil, esteja à margem em questões sociais básicas. “O racismo estrutura relações e organiza o poder nesse país. De maneira em que todos os grandes problemas têm um recorte racial fundamental. Veja, em relação ao trabalho, negros e negras sempre foram os trabalhadores informais ou precarizados. Sempre fomos minoria com direitos garantidos”, afirma Douglas.
“Mesmo no mercado formal são os que mais demoram para ser contratados, os primeiros a serem demitidos, os que mais demoram para se recolocar no mercado. Recebem menores salários. São a maioria dos que sofrem pela ausência do serviço público. A (precariedade da) saúde pública afeta mais a população negra, ao não ser organizada, universalizada, como sempre reivindicamos”, completa.
A pandemia surge como elemento que comprova o argumento de Douglas. “Embora seja um vírus letal e perigosa a todos humanos, no Brasil ela adoece muito mais negros do que brancos. O que explica isso? Por que ele mata mais pessoas negras? Isso explica um pouco a estrutura que organiza a sociedade.”
Dito isso, é importante ver as propostas e soluções apresentadas pela população negra. Douglas exemplifica: “Em meio à pandemia, vemos as próprias comunidades fazendo vaquinhas e mutirões para levar alimento para as pessoas em meio à pandemia. Esse momento de pandemia revela e explicita o que o movimento negro sempre denunciou e nunca foi ouvido”.
Fonte Brasil247.com
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