Coronavírus: hoje eu concordo com Doria e Witzel. Mas não esqueço quem eles são.
Os governadores João Doria, de São Paulo, e Wilson Witzel,
do Rio, conversam em camarote da Sapucaí durante os desfiles das escolas de
samba do Carnaval carioca. Foto: Marlene Bergamo/Folhapress
Tire suas dúvidas sobre o novo coronavírus e a covid-19
A LINHA MORAL desta nova era atingiu níveis “nunca antes
vistos na história desse país”. A (não) gestão de Jair Bolsonaro sob a maior
crise sanitária da atualidade tem feito políticos abjetos como João Doria Jr. e
Wilson Witzel parecem grandes estadistas.
Witzel acerta e acerta. Ele acertou quando desafiou
Bolsonaro, colocou a população do Rio de Janeiro em quarentena e renovou o
período de isolamento. Enquanto isso, Jair defendia o isolamento vertical, uma
espécie de “PIB privado” da ciência, um conceito sem amparo científico.
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Witzel acertou quando pediu: “Não siga atitudes impensadas e
descoladas da realidade” e explicou que “essa decisão [isolamento social] é
baseada na avaliação da OMS e das autoridades sanitárias”. Enquanto Jair
distorcia o discurso do diretor-geral da entidade.
Acertou de novo quando anunciou parceria com a prefeitura do
Rio para a construção de um hospital de campanha, a distribuição de cestas
básicas e nas tentativas de suspender por 60 dias a cobrança dos serviços
públicos como água, luz e gás por causa da crise motivada pelo coronavírus.
João Doria tem tomado medidas parecidas e subiu o tom:
“Estamos fazendo o que deveria ser feito pelo líder do país, o que o presidente
Jair Bolsonaro, lamentavelmente, não faz, e quando faz, faz errado”.
Mas não vamos perder o foco. Witzel, por exemplo, acusou
Jair de “fazer política” com o coronavírus. Política de saúde pública é
política. Doria inclusive – num momento de sobriedade política que lhe é tão
raro – abaixou as armas e acenou a Lula, que o tinha elogiado. Um excelente
movimento em direção ao que clamamos há tempos, a tal da frente ampla.
Mas Doria segue sendo Doria, e Witzel nada mais é que
Witzel, apesar da nova capa de estadista.
Doria, por exemplo, mostrou sua essência de “gestor” quando
elogiou a medida provisória absurda proposta por Bolsonaro que previa
cancelamento de contratos de trabalho. A MP foi cancelada no mesmo dia.
Witzel segue sendo rasteiro e operando por debaixo dos
panos. No dia 24 de março, em meio a esta grave crise, publicou o decreto
46.992, que instituiu a Comissão de Privatização da Cedae, mais um passo em
direção a desestatização da companhia de águas e esgoto do Rio. Apesar da
privatização ser um plano antigo dos governadores do Rio, a informação
praticamente passou batida nos grandes jornais. Eles seguem operando suas
agendas, apesar da fantasia atual de bons moços.
Essa fantasia, diga-se, é muito limitada. O velho hábito de
sonegar informações, por exemplo, não saiu de moda. Em São Paulo, dois detentos
que cumpriam pena na penitenciária José Parada Neto, em Guarulhos, morreram com
dificuldade para respirar. Entre agentes e enfermeiros, a suspeita é de que
eles estavam com coronavírus. Mas, oficialmente, as mortes foram registradas
como naturais.
A crise do coronavírus
O Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado
de São Paulo diz que há agentes penitenciários afastados por suspeita de
coronavírus e que não há equipamentos de proteção e limpeza o suficiente para o
trabalho diário. A Secretaria de Administração Penitenciária nega que haja
agentes e presos infectados e acusa quem diz o contrário de estar
“aproveitando-se de uma grave crise de saúde pública”. Um posicionamento um
tanto “curioso” vindo de um governo que se diz defensor dos agentes de
segurança – usei curioso entre aspas porque, na verdade, isso é bem normal: as
forças de segurança são usadas politicamente por oportunistas desde sempre. São
“bucha”, como se diz. A preocupação do governo com seus agentes vai até a
página dois.
No Rio, o coronavírus, como bem pontuou o ex-corregedor da
PM, Wanderby de Medeiros, tem sido a melhor política de segurança pública do
Estado – embora seja uma política sanitária: houve redução de 11% no número de
tiroteios na região metropolitana do Rio.
No fim, Doria e Witzel ganharam 10 pontos comigo – mas estão
me devendo uns 5.918.
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