Escravas sexuais do Estado Isâmico.

Mulheres da minoria cristã yazidi encontram no ritual a chance de retornarem a seu povo depois de fugirem do grupo jihadista no Iraque

ALISH, Iraque - Uma van leva oito mulheres e quatro crianças da cidade de Dohuk, Norte do Iraque, até Lalish, um vilarejo sagrado para os yazidis, minoria que teve seu território invadido há três anos. Há apenas poucos dias, estas mulheres estavam sob o jugo do autoproclamado Exército de Deus, o temido Estado Islâmico. Cada uma traz uma história sobre como conseguiu escapar após mais de dois anos sob cativeiro deste grupo terrorista. Muitas foram violentadas, humilhadas e negociadas como mercadorias entre militantes do EI, simplesmente por serem yazidis. Algumas fugiram, outras foram negociadas de volta para suas famílias através de uma rede internacional de tráfico humano.
Em Lalish, elas ganham uma segunda chance de ir em frente. Viverão o ritual do batismo para se purificar. Forçadas durante o período de cativeiro a se converterem ao islamismo e violentadas, as yazidis precisam ser rebatizadas para serem aceitas novamente em seu grupo. E mais importante ainda, se reconhecerem como yazidis novamente.

O REBATISMO DAS YAZIDIS APÓS A ESCRAVIDÃO SOB O ESTADO ISLÂMICO

  • No santuário em Lalish, Hure Shamo (esquerda) e Hure Kaso Murad (centro) rezam pedindo paz e dias melhores para o povo yazidi. Livres do Estado Islâmico, elas buscam se reintegrar à sua comunidadeFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Hure Kaso Murad é rebatizada pela líder religiosa Asmar Asmail. Após ter sido forçada a se tornar muçulmana, ela torna-se yazidi novamente. No satuário fica o túmulo de xeque Adî ibn MusafirFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Ghazal Naser Khalaf (centro) e Turkia Hussein (direita) descem por uma estreita fenda que as leva até a fonte sagrada conhecida pelo nome de Zamzam. Todo yazidi deve fazer a peregrinação a Lalish pelo menos uma vez na vidaFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Asmar Asmail, uma líder religiosa, realiza a cerimônia do batismo de crianças e também das mulheres que precisam do sacramento para serem novamente aceitas na sociedade. Durante o cativeiro, elas tiveram que se converter ao islamismoFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Turkia Hussein, de 25anos, e a filha, Riwazi. Elas se reencontraram após Turkia fingir estar doente e conseguir ser negociada de volta para sua famíliaFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Hure Shamo, mulher yazidi: longe do pesadelo do Estado IslâmicoFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Hure Kaso Murad, de 66 anos. "Quando os homens do Estado Islâmico me perguntavam, eu fingia que havia me tornado muçulmana, mas por dentro, eu estava rezando para Tawûsê Melek, para Deus. Eu era yazidi por dentro"Foto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Ghazal Naser Khalaf, de 37 anos: peregrinação a Lalish após a escravidão sob o Estado IslâmicoFoto: Marcio Pimenta / Agência O Globo

  • Marina Seli Murad, de 22 anos: ex-prisioneira do Estados Islâmico, ela prefere não mostrar o rostoFoto: Marcio Pimenta

  • O ritual tem várias etapas. Cada pessoa deve fazer três nós nos 'parys', fazendo desejos para si própria ou para alguém queridoFoto: Marcio Pimenta

  • Turkia Hussein (ao centro) com os filhos na fonte sagrada Zamzam, em Lalish, agradece por se tornar yazidi novamente: "A comunidade está ajudando muito. Ela respeita a nossa situação"Foto: Marcio Pimenta / Marcio Pimenta

  • Adiante, o tecido é jogado para o alto. Se ficar preso a coluna de concreto, a pessoa terá sorteFoto: Marcio Pimenta

  • No corredor das velas, chamas são acesas para a paz, segundo a fé dos yazidisFoto: Marcio Pimenta

— Havia muitos corpos. Eles mataram muitas pessoas lá. Os cães comiam os corpos, as mãos, a cabeça — relembra Hure Kaso Murad.
Após ser negociada por mais de uma dezena de vezes entre diferentes militantes do EI e diversas tentativas fracassadas de fuga, Turkia elaborou um plano para conseguir sua liberdade. Ela cortou a própria gengiva e deixou sangrar por dias. Ela dizia para seu mais recente proprietário que estava doente, com câncer, e portanto, se tornara um fardo e não valia a pena para ele. Foi quando então, através de uma rede de tráfico de pessoas, eles chamaram a família dela e a venderam. Ela estava, enfim, livre novamente.
Hure Kaso Murad, por sua vez, conseguiu fugir junto com um grupo de outros yazidis. Eles escaparam em uma noite, mas o ritmo que imprimiram na fuga era inalcançável para Hure, e ela ficou para trás. Sozinha, continuou caminhando por um dia e meio até encontrar uma família xiita.
— Mas eles tinham medo de dizer isso. Fingiam ser sunitas.
E foram eles que a abrigaram e quando tudo estava mais seguro, a ajudaram chegar até a região dos curdos.

Estresse pós-traumático


Adiante, o tecido é jogado para o alto. Se ficar preso a coluna de concreto, a pessoa terá sorte - Marcio Pimenta / Marcio Pimenta
Silvia Zunino, diretora de uma ONG que contribui para suavizar o stress pós-traumático, afirma que esta foi a primeira vez que uma equipe de reportagem é autorizada a documentar uma importante parte deste processo de reinserção através do rebatismo. Sem isso, elas teriam dificuldades de serem aceitas por suas próprias famílias por serem consideradas “contaminadas”.
Ao fim do ritual, as mulheres se dirigem a um salão, onde jogam um pano para o alto para que fique sustentado em uma coluna de concreto. Se conseguirem, terão sorte. Já na área externa do templo, caminham e sorriem por estarem de volta ao seu povo, à sua crença, aos campos verdes. Sabem que estão salvas, e os únicos que carecem de honra são os militantes do Estado Islâmico.


Via  Jornal O globo 

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