Escravas sexuais do Estado Isâmico.
Mulheres da minoria cristã yazidi encontram no ritual a chance de retornarem a seu povo depois de fugirem do grupo jihadista no Iraque
Via Jornal O globo
ALISH, Iraque - Uma van leva oito mulheres e quatro crianças da cidade de Dohuk, Norte do Iraque, até Lalish, um vilarejo sagrado para os yazidis, minoria que teve seu território invadido há três anos. Há apenas poucos dias, estas mulheres estavam sob o jugo do autoproclamado Exército de Deus, o temido Estado Islâmico. Cada uma traz uma história sobre como conseguiu escapar após mais de dois anos sob cativeiro deste grupo terrorista. Muitas foram violentadas, humilhadas e negociadas como mercadorias entre militantes do EI, simplesmente por serem yazidis. Algumas fugiram, outras foram negociadas de volta para suas famílias através de uma rede internacional de tráfico humano.
Em Lalish, elas ganham uma segunda chance de ir em frente. Viverão o ritual do batismo para se purificar. Forçadas durante o período de cativeiro a se converterem ao islamismo e violentadas, as yazidis precisam ser rebatizadas para serem aceitas novamente em seu grupo. E mais importante ainda, se reconhecerem como yazidis novamente.
— Havia muitos corpos. Eles mataram muitas pessoas lá. Os cães comiam os corpos, as mãos, a cabeça — relembra Hure Kaso Murad.
Após ser negociada por mais de uma dezena de vezes entre diferentes militantes do EI e diversas tentativas fracassadas de fuga, Turkia elaborou um plano para conseguir sua liberdade. Ela cortou a própria gengiva e deixou sangrar por dias. Ela dizia para seu mais recente proprietário que estava doente, com câncer, e portanto, se tornara um fardo e não valia a pena para ele. Foi quando então, através de uma rede de tráfico de pessoas, eles chamaram a família dela e a venderam. Ela estava, enfim, livre novamente.
Hure Kaso Murad, por sua vez, conseguiu fugir junto com um grupo de outros yazidis. Eles escaparam em uma noite, mas o ritmo que imprimiram na fuga era inalcançável para Hure, e ela ficou para trás. Sozinha, continuou caminhando por um dia e meio até encontrar uma família xiita.
— Mas eles tinham medo de dizer isso. Fingiam ser sunitas.
E foram eles que a abrigaram e quando tudo estava mais seguro, a ajudaram chegar até a região dos curdos.
Estresse pós-traumático
Silvia Zunino, diretora de uma ONG que contribui para suavizar o stress pós-traumático, afirma que esta foi a primeira vez que uma equipe de reportagem é autorizada a documentar uma importante parte deste processo de reinserção através do rebatismo. Sem isso, elas teriam dificuldades de serem aceitas por suas próprias famílias por serem consideradas “contaminadas”.
Ao fim do ritual, as mulheres se dirigem a um salão, onde jogam um pano para o alto para que fique sustentado em uma coluna de concreto. Se conseguirem, terão sorte. Já na área externa do templo, caminham e sorriem por estarem de volta ao seu povo, à sua crença, aos campos verdes. Sabem que estão salvas, e os únicos que carecem de honra são os militantes do Estado Islâmico.
Via Jornal O globo
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