quinta-feira, 22 de junho de 2017

Para especialistas, bueiros entupidos são os grandes vilões dos alagamentos

Engenheiros dizem escoamento tem que acontecer em, no máximo, um minuto quando chuvas diminuem

Carro fica ilhado na Rua Jardim Botânico, alagada devido à chuva - Marcelo Theobald/Agência O Globo

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RIO - Em apenas algumas horas, choveu mais, na terça-feira, do que o esperado para o mês de junho em pelo menos onze bairros da cidade, segundo dados do Alerta Rio. A prefeitura alegou que o volume de água da chuva, somado a uma ressaca e à maré cheia, foi responsável pelos alagamentos registrados terça-feira, principalmente na Zona Sul e na Grande Tijuca. Mas especialistas ouvidos pelo GLOBO não acreditam que São Pedro seja culpado pelo caos que, mais uma vez, parou a cidade. Segundo engenheiros da Uerj e da Coppe/UFRJ, o principal motivo foi um problema crônico: falta de manutenção do sistema de drenagem. Em outras palavras, bueiros entupidos.
— O que importa é a chuva forte em um pequeno espaço de tempo. E o que choveu no período de uma hora foi uma chuva moderada, com 65 mm por hora na Muda, o que provavelmente encheu o Rio Maracanã, e 53 mm no Alto da Boa Vista, que escoaram para o Jardim Botânico. Não é pouco, mas nada disso seria noticiado se tivéssemos os bueiros da cidade todos limpos — afirma o engenheiro civil Paulo Canedo, professor da Coppe/UFRJ. — A falta de manutenção do sistema de drenagem da cidade é o principal problema.
Uma cidade debaixo d'água*
*Período de 6 horas, das 15h45m às 23h59m do dia 20/06, segundo dados do Alerta Rio
Segundo Canedo, “se a chuva diminui, a água que se acumula no asfalto deve escoar em segundos, no máximo um minuto”.


— Se a água não escoa, é porque o ralo está ruim, ou seja, a microdrenagem não está funcionando. A menos que os rios da cidade estivessem todos transbordando, o que não aconteceu. Não tenho dúvidas ao afirmar que o sistema de microdrenagem está sujo e semiobstruído.
O professor diz “aplaudir de pé” o projeto dos três reservatórios da Grande Tijuca, os chamados piscinões, construídos na gestão de Eduardo Paes sob as praças da Bandeira, Varnhagen e Niterói, por ter sido “a primeira vez que o problema foi enfrentado”. Mas afirma que os reservatórios, feitos com 42% da capacidade original — 119 milhões de litros em vez dos 281 milhões anunciados —, também padecem com a falta de manutenção. Além disso, há uma grande quantidade de lixo que bloqueia a entrada de água no sistema. Na terça-feira houve transbordamento do Rio Maracanã exatamente no ponto em que a água é captada em um dos reservatórios.
Segundo Marcelo Miguez, também professor de engenharia civil da Coppe/UFRJ, o Programa de Controle de Enchentes da Tijuca não terá o efeito esperado, a menos que seja concluído o desvio do Rio Joana, interrompido ano passado com 80% das obras concluídas — a promessa é que o desvio direto para a Baía de Guanabara, na altura de São Cristóvão, evite a sobrecarga no Canal do Mangue. Pelo cronograma inicial, o desvio deveria ter ficado pronto em 2014. Miguez também lembra que um dos reservatórios prometidos, abaixo da Rua Heitor Beltrão e que armazenaria as águas do Rio Trapicheiros, não foi feito.
— Tenho expectativa de que, com o fim dessas obras de macrodrenagem, a situação melhore. Temos uma cidade que cresceu de forma espontânea a maior parte do tempo, com uma topografia complicada e chuvas significativas. Mas, depois que a chuva passa, não é aceitável que a cidade continue alagada. Se a água demora tanto a ir embora é porque há um problema de manutenção. Em alguns bairros, a rede de drenagem tem mais de 100 anos — afirma Miguez.
Para Adacto Ottoni, coordenador do curso de especialização em engenharia sanitária e ambiental da Uerj, “quando não é época de chuvas, a prefeitura age com desleixo”.
— O combate a enchentes deveria ser feito na época em que chove menos, justamente a estação em que estamos, o inverno. Qualquer chuvinha alaga a Lapa e o Centro. Os gestores adoram a balela de que choveu mais do que o esperado no mês inteiro, mas o fato é que o Rio continua despreparado para chuva.
Segundo Ottoni, os alagamentos na Lagoa Rodrigo de Freitas podem ter sido agravados por uma possível operação equivocada nas comportas do Jardim de Alah, que liga a Lagoa ao mar.
— Tudo é possível, tem que ser investigado. É uma região com problemas graves de microdrenagem. É preciso avaliar se as comportas não deveriam ter sido abertas antes.
A Fundação Rio Águas afirmou, em nota, que as comportas do Jardim de Alah foram abertas às 22h de segunda-feira. Segundo o órgão, os piscinões retiraram das ruas 118 milhões de litros de água. Sem estipular cronograma, a Rio Águas disse que o retorno das obras de desvio do Joana “será gradativo”. Sobre o alagamento no entorno da Lagoa, a fundação responsabilizou “a ressaca associada aos ciclos de maré alta, que dificultou o escoamento". Segundo Paulo Canedo, a maré estava baixa na hora da chuva, chegando à mínima às 19h45.
CORTE DE VERBAS É CRITICADO
O climatologista José Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, frisa que desastres causados por enchentes podem ocorrer em qualquer época do ano, e reforça os riscos de cortes de verbas.
— Reduzir verbas na prevenção e na resposta aos efeitos das chuvas não é o mesmo que tirar verbas de carnaval. Você pode não querer fazer festa, mas não se negocia com o tempo. E, numa metrópole tropical como o Rio, ele é instável e extremo — diz ele. — Junte uma grande população, numerosas áreas vulneráveis e clima instável e você tem uma receita explosiva de desastre. É um risco que nenhum governante deveria ousar correr.


Via Jornal O Globó

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