O BANQUETE IMORAL DE BRASÍLIA
A cena de pompa e circunstância que rodeou o jantar do presidente com os aliados, agora felizes e em paz, entra para os grossos anais da vergonha que contam a nossa história recente. A trupe festeja o fim dos direitos do povo e o recuo das conquistas históricas das populações mais empobrecidas, que atende pelo código de MP 241. Ninguém, em sã consciência, pode acreditar que o congelamento de gastos com saúde, educação, assistência social e previdência por vinte anos mereça uma festa desse quilate. Ao invés de celebrarem com farra nababesca enquanto o país sofre a pior crise econômica da sua história, esses homens brancos e ricos, deveriam cobrir seus rostos de vergonha. Vendidos por goles de champanhe e algumas iguarias do cardápio palaciano, os deputados apressam-se em aprovar o rombo, com afobação invejável, sepultando qualquer possibilidade de discussão ou crítica.
A questão é clara: esses homens e suas famílias ricas não dependem de escola pública, não conhecem o drama do sistema único de saúde, passam longe dos serviços de assistência social e pagam planos privados de aposentadoria (embora alguns deles, incluindo o presidente, recebam mensalmente recursos de uma fonte que eles agora querem negar para os demais cidadãos). Com isso, revogam o princípio básico da constituição de 1988, que deu prioridade para os investimentos do Estado nas áreas sociais, ignorando as necessidades e as carências da parcela da população que mais sofre com a crise econômica. Enquanto jantam com majestade, esses senhores negam que o Estado existe para o povo, lema básico de qualquer manual democrático. Ao congelar os gastos, esses senhores retiram a autonomia dos futuros gestores em adaptarem o orçamento de acordo com novas prioridades políticas e econômicas. Na prática significa que, nos próximos vinte anos, nenhum governo – mesmo que ele seja de esquerda ou que pretenda priorizar os mais pobres – estará autorizado a fazê-lo. Os interesses dos trabalhadores estarão, definitivamente, fora da agenda do Estado ou do governo, limitadas por uma contabilidade que dá preferência aos interesses das elites, que incluem as empresas de comunicação, por exemplo.
A lógica é esta: benefícios escusos fazem com que o presidente bobalhão aprove uma medida impopular, para evitar que um eventual governo do PSDB tenha de fazê-lo no futuro. Queimam todas as fichas agora, com o golpista que promete não se candidatar. Depois do impeachment, resta ainda um serviço sujo a ser feito. Governo sem voto é sempre, como dizem os oposicionistas, governo sem povo. Isso nunca esteve tão claro.
Por isso o jantar é simbólico. Ao ver as fotos, hoje de manhã, lembrei de uma parábola de Jesus, que foi contada por São Lucas. Nela o salvador aconselha que, quando fizermos um jantar, não convidemos familiares, amigos e vizinhos ricos, porque esses agem apenas segundo a lógica das recompensas: você os convida agora porque eles podem retribuir o convite (ou algo mais) no futuro. Uma mão lava a outra. Fácil assim. Ao invés disso, Jesus diz que o verdadeiro banquete é aquele onde os convidados não podem dar nada em troca: “convide os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos”, porque eles não terão como retribuir. E Jesus ainda acrescenta: a verdadeira justiça será a recompensa caso convide as pessoas certas. A justiça, vejam: o princípio central da moralidade.
Temer, porque janta com os amigos ricos usurpadores dos direitos e membros mal-apessoados das elites nacionais, não alcança justiça, mas favores criminosos que mantém algumas das piores práticas da política nacional. Além de não estarem nesse banquete, os pobres são ali servidos como prato principal. Seus direitos são usurpados, com os azeites das maracutaias e o verniz das traficâncias que tentam enganar a nação com uma contabilidade ardilosa. A mesma que levou ao golpe. A mesma que celebra a derrota da constituição e dá seguimento à retomada dos privilégios, à agressão aos direitos e à festa da corrupção que, antes de acabar, é perpetuada como prática nacional.
Porque celebram jantares para planejar a fome do povo, esses políticos negam sua vocação de cuidar do bem público e festejam interesses privados. Como sugere uma outra parábola bíblica, "muitos são chamados, mas poucos são escolhidos": os que têm fome de justiça passaram longe da festa do Temer. O seu banquete é maldito. A fartura da sua mesa é imoral.
Fonte. Jelson Oliveira
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