terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Quem Sou Eu?



























Quem sou eu? que importa quem? 
Sou um trovador proscrito, 
Que trago na fronte escrito 
Esta palavra — Ninguém! — 
A. E. ZALUAR - Dores e Flores
(...) 
O que sou e como penso, 
Aqui vai com todo o senso, 
Posto que já veja irados 
Muitos lorpas enfunados, 
Vomitando maldições 
Contra as minhas reflexões. 
Eu bem sei que sou qual Grilo 
De maçante e mau estilo; 
E que os homens poderosos 
Desta arenga receosos, 
Hão de chamar-me tarelo, 
Bode, negro, Mongibelo; 
Porém eu, que não me abalo, 
Vou tangendo o meu badalo 
Com repique impertinente, 
Pondo a trote muita gente. 
Se negro sou, ou sou bode, 
Pouca importa. O que isto pode? 
Bodes há de toda a casta, 
Pois que a espécie é muita vasta... 
Há cinzentos, há rajados, 
Baios, pampas e malhados, 
Bodes negros, bodes brancos , 
E, sejamos todos francos, 
Uns plebeus, e outros nobres, 
Bodes ricos, bodes pobres, 
Bodes sábios, importantes, 
E também alguns tratantes... 
Aqui, nesta boa terra, 
Marram todos, tudo berra; 
Nobres Condes e Duquesas, 
Ricas Damas e Marquesas, 
Deputados, senadores, 
Gentis-homens, vereadores; 
Belas Damas emproadas, 
De nobreza empantufadas; 
Repimpados principotes, 
Orgulhosos fidalgotes, 
Frades, Bispos, Cardeais, 
Fanfarrões imperiais. 
Gentes pobres, nobres gentes, 
Em todos há meus parentes . 
Entre a brava militança 
Fulge e brilha alta bodança ; 
Guardas, Cabos, Furriéis, 
Brigadeiros, Coronéis, 
Destemidos Marechais, 
Rutilantes Generais, 
Capitães de mar e guerra, 
— Tudo marra, tudo berra — 
Na suprema eternidade, 
Onde habita a Divindade, 
Bodes há santificados, 
Que por nós são adorados. 
Entre o coro dos Anjinhos 
Também há muitos bodinhos. — 
O amante de Siringa 
Tinha pêlo e má catinga; 
O deu Mendes, pelas contas, 
Na cabeça tinha pontas; 
Jove quando foi menino, 
Chupitou leite caprino; 
E, segundo o antigo mito, 
Também Fauno foi cabrito. 
Nos domínios de Plutão, 
Guarda um bode o Alcorão; 
Nos lundus e nas modinhas 
São cantadas as bodinhas: 
Pois se todos têm rabicho , 
Para que tanto capricho? 
Haja paz, haja alegria, 
Folgue e brinque a bodaria; 
Cesse, pois, a matinada,
Porque tudo é bodarrada

   Luiz Gama


Do livro: " Primeiras trovas burlescas de Getulino" (1861), in Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes, Cultura, 1944, SP

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