Quênia: Organizações de direitos humanos na ‘lista de terrorismo
A lista foi publicada no diário oficial do governo, com 86 indivíduos e entidades, incluindo dois grupos de direitos humanos. |©Amnesty International
O governo do Quênia deve rever urgentemente a inclusão de organizações de direitos humanos em uma lista oficial de supostos colaboradores do terrorismo e garantir o pleno respeito ao processo legal, afirmaram a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.
A lista é composta de 86 indivíduos e entidades, e inclui dois grupos de direitos humanos, Muçulmanos para os Direitos Humanos (MUHURI) e Haki África. A lista foi publicada no diário oficial do governo em 7 de abril de 2015, dias após o ataque à Garissa University College no nordeste do Quênia, em que 147 pessoas, incluindo 142 estudantes, foram mortos. O grupo militante islâmico Al-Shabaab assumiu a responsabilidade pelo ataque.
“A lista do governo queniano levanta muitas questões, bem como sérias preocupações, de que Haki África e MUHURI estariam sendo atacadas pelo seu importante trabalho, documentando violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança”, disse Leslie Lefkow, vice-diretor da Human Rights Watch na África. “As autoridades quenianas devem garantir o devido processo para todas as pessoas e entidades incluídas na lista e garantir que as organizações de direitos humanos não sejam atacadas pelo seu trabalho legítimo.”
Haki África e MUHURI são grupos altamente respeitados que se concentraram em documentar violações dos direitos humanos pelas forças de segurança do Quênia, inclusive em esforços de contraterrorismo. Em novembro de 2013, MUHURI e o Open Society Justice Initiative publicaram um relatório que documentou execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados de suspeitos de terrorismo e clérigos muçulmanos nas zonas costeiras pela Unidade de Polícia Antiterrorismo. O então diretor-executivo da MUHURI, Khaled Hussein, recebeu ameaças sérias à sua vida logo após a divulgação do relatório.
A publicação da lista levanta sérias preocupações para a instituição do devido processo legal, incluindo tempo adequado, oportunidade para contestar a designação e direito a serem informadas. Os diretores do Haki África e MUHURI disseram à Anistia Internacional e Human Rights Watch que não receberam nenhum comunicado oficial e apenas ouviram falar sobre a designação contra suas organizações através da mídia. O anúncio deu às entidades e indivíduos listados um dia de antecedência para demonstrar às autoridades “por qual razão não deveria ser declarado como entidade especificada”
Ser declarada “entidade especificada” tem implicações mais amplas, além do congelamento de contas bancárias. De acordo com o Ato de Prevenção do Terrorismo (POTA, ADPT) de 2012, “entidades especificadas” são equiparadas a “grupos terroristas.” Ser membro de um grupo terrorista é punível com até 30 anos de prisão.
O governo do Quênia deve urgentemente rever a lista que incluiu as instituições Haki África e MUHURI e garantir que os defensores e organizações de direitos humanos possam realizar seu trabalho de forma eficaz e sem medo de represálias.
De acordo com as normas internacionais em relação à luta contra o terrorismo, os governos devem assegurar uma lista transparente e elaborada pelo devido processo legal, com base em critérios claros, com um padrão adequado, explícito e aplicados de forma uniforme de provas, bem como um mecanismo eficaz, acessível e independente de revisão para os indivíduos e entidades em causa.
O Ato de Prevenção ao Terrorismo não fornece um mecanismo para apelar da decisão do comitê, que pode violar tanto a Constituição do Quênia quanto o direito internacional. O artigo 47 da Constituição do Quênia 2010 prevê uma ação administrativa justa que seja célere, eficiente, legal, razoável e processualmente justa. O direito internacional proíbe a imposição de sanções governamentais sem o adequado e devido processo legal.
“Este pedido coloca o ônus da prova sobre o acusado, com quase nenhum aviso ou oportunidade de recorrer, em violação direta da Kenyan [Constituição] e das normas internacionais”, disse Muthoni Wanyeki, diretor regional da Anistia Internacional para a África Oriental. “Os Estados têm o dever de proteger sua população contra ataques violentos, mas devem garantir que todas as medidas antiterrorismo sejam executadas em conformidade com os direitos humanos e com o direito internacional humanitário.”
Imediatamente após a publicação da lista, o Banco Central do Quênia instruiu os bancos a congelar as contas dos listados, incluindo as organizações de direitos humanos. O POTA, em que as sanções são baseadas, proíbe que as organizações recebam novo financiamento de qualquer outra fonte.
As disposições da lei também permitem que o secretário de gabinete, quer por sua própria iniciativa ou a pedido de um novo comitê conhecida como a luta contra o financiamento do Comité Interministerial de Contrafinanciamento ao Terrorismo, “decidam congelar imóveis ou fundos de uma entidade designada, seja direta ou indiretamente possuídos pela própria entidade ou por uma pessoa agindo em nome ou sob a direção da entidade.”
A lei exige que as organizações e os indivíduos listados sejam informados dos motivos da decisão. Ambas as organizações souberam da listagem por meio da mídia e confirmaram que, ao tentar retirar fundos, foram informados que uma diretiva do Banco Central do Quênia havia sido recebida para que suas contas fossem restringidas.
Haki África e MUHURI anunciaram em 10 de abril que irão questionar a listagem e o congelamento de suas contas bancárias.
A Anistia Internacional e Human Rights Watch estão consternadas com a listagem de Haki África e MUHURI, que pode representar maior hostilidade contra a sociedade civil pela administração do presidente Uhuru Kenyatta, que teve relações difíceis com grupos de direitos humanos desde que chegou ao poder, há dois anos.
Organizações de direitos humanos dentro e fora do Quênia expressaram preocupação em relação aos esforços da coalizão Jubileu, no governo, para restringir o espaço da sociedade civil e cercear o trabalho de grupos de direitos humanos. O manifesto Jubileu propôs limitar o financiamento estrangeiro para organizações não governamentais, e uma lei propondo esse limite, bem como outras alterações restritivas, foi derrotada no parlamento em dezembro de 2013. Há preocupações de que o governo possa tentar reintroduzir as medidas.
Fonte. Anistia Internacional
Fonte. Anistia Internacional
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