quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Precisamos conversar sobre a Nigéria

Maurício Santoro
Cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil

©Amnesty international
Artigo publicado no Brasil Post em 14 de janeiro de 2015
A enorme repercussão internacional dos atentados de janeiro de 2015 que resultaram em 20 mortos na França tem levado a questionamentos sobre a falta de atenção a outros casos graves de violência política-religiosa, como os ataques do Boko Haram na Nigéria. Na mesma semana em que o mundo parou para acompanhar os massacres em Paris, o grupo nigeriano realizou uma carnificina ao ocupar a cidade de Baga, na qual podem ter assassinado até 2 mil pessoas, além de raptar mulheres e meninas.
A Nigéria é o gigante africano, com mais de 170 milhões de habitantes, rica em recursos naturais e impressionante dinamismo cultural no cinema, música e literatura. Mas é também um país no qual 70% da população vive na pobreza e cujas 350 etnias – reunidas à força pela colonização britânica – têm umalonga história de conflitos entre si, sobretudo entre o norte majoritariamente muçulmano e o sul predominantemente cristão.
Há grandes discrepâncias regionais, com os sulistas sendo mais ricos e mais poderosos politicamente do que seus compatriotas nortistas. Desde a independência em 1960, a política nigeriana tem sido uma alternância tensa entre ditaduras militares e governos civis, com pactos frágeis de revezamento entre cristãos e muçulmanos na presidência.
A História do Boko Haram
O Boko Haram foi fundado em 2002 no norte da Nigéria. O nome pelo qual é conhecido mistura haussá e árabe e significa algo como “a educação ocidental é um pecado”. A denominação oficial é “Pessoas comprometidas com a propagação dos ensinamentos do Profeta e da Jihad”. Ele surgiu como uma associação de clérigos e estudantes pobres de escolas religiosas, influenciados pelo salafismo, uma interpretação radical do Islã que advoga o retorno às supostas tradições iniciais da fé.
Desde o final da década passada o Boko Haram tem executado ações de violência crescente, começando por ataques a policiais e militares nigerianos, e depois passando a conquistar territórios no nordeste do país, com o objetivo de implementar um Estado islâmico, como os que existiram na região até o início do século XX. O grupo tem executado diversos atentados contra a população civil e contra representantes da ONU e de organizações filantrópicas ocidentais. Esses crimes provocaram um êxodo interno de mais de um milhão de pessoas que fogem dos massacres.
Não há dados precisos sobre a composição do Boko Haram, mas estima-se que o grupo tenha em torno de 8 mil militantes, a maioria jovens pobres. O centro geográfico de sua atuação é o nordeste da Nigéria, com algumas ações além das fronteiras, nos vizinhos Camarões, Níger e Chade. É uma área enorme, do tamanho da Suíça.
O fundador do Boko Haram foi o clérigo Mohammed Yusuf, morto em 2009. Desde então, acredita-se que haja várias facções em conflito dentro do movimento, mas o líder mais reconhecido é Abubakar Shekau, famoso por suas declarações e vídeos extremamente agressivas.
O Boko Haram afirma que os governos da Nigéria são ilegítimos e que os muçulmanos não devem participar deles e sim lutar pela criação de um Estado próprio. Nessa lógica, os civis também são considerados alvos, por usarem roupas ocidentais ou frequentarem escolas influenciadas por esse tipo de educação.
As reações aos crimes do grupo
O ataque de maior repercussão internacional cometido pelo Boko Haram foi o rapto de cerca de 275 meninas de um internato cristão em Chibok. Elas foram dadas ou vendidas como esposas a militantes e aliados do grupo, no que configura na prática os crimes de escravidão e estupro, análogos aqueles que vêm sendo praticados pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Cinquenta delas conseguiram escapar, o paradeiro das demais é desconhecido.
O governo nigeriano tem sido ineficaz em enfrentar o Boko Haram, em grande medida pela precariedade de suas forças de segurança, marcadas por violência e corrupção. Há denúncias até de vendas de armas aos rebeldes. A Anistia Internacional selecionou a Nigéria como um dos cinco países em destaque em sua campanha global contra a tortura. A brutalidade policial e militar com frequência assusta a população e dificulta a cooperação necessária para obter informações sobre o Boko Haram.
Outra dificuldade é a instabilidade política da Nigéria. Embora o país tenha voltado a ser uma democracia em 1999, ainda é marcado por sérias dificuldades, como acusações de fraude eleitoral, conflito étnico e religioso, e rebeliões armadas contra o governo, inclusive no delta do rio Níger, área rica em petróleo.
Nesse contexto, é especialmente importante a ação internacional – de solidariedade ao povo nigeriano e pressão sobre suas autoridades. A campanha “tragam de volta nossas meninas” foi um bom exemplo, o desafio é manter essa atenção constante com relação à Nigéria, apesar das violações acontecerem numa região pobre e isolada, de difícil acesso para a imprensa global.

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